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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

POR WILLIAM HARRIS - PONTUALIDADE BRITÂNICA


                                    
                                        William Moffitt Harris 2



 Durante um curso de que participei por dois meses e meio na Inglaterra, no início da primavera de 1977, tive a oportunidade de vivenciar pessoalmente como os ingleses levam a sério esta questão de pontualidade. 3

       Éramos quarenta e dois alunos oriundos de vinte e cinco países: venezuelanos, mexicanos, chilenos, guianenses, panamenhos, indianos, paquistaneses, chineses, nigerianos, etc.. Do Brasil, além de mim, havia uma educadora de Brasília. O curso foi coordenado por um sociólogo holandês que havia morado por dez anos em São Paulo. Sua esposa era chilena e também participava do curso.

         Como parte do programa, fizemos uma visita a um hospital dito comunitário, distante a cerca de quarenta minutos de ônibus do campus da Universidade. Fomos informados, uns três dias antes, que o ônibus da linha que iríamos apanhar partia exatamente às 9h02min. Não poderíamos nos atrasar porque o seguinte só passaria lá depois de meia hora. Resolvi conferir. Acertei meu relógio pela BBC em sua TV e, no dia seguinte, dei uma “escapadinha” do seminário, vi uma plaquinha pregada no poste da parada de ônibus com os horários das várias linhas que passavam por lá e aguardei o tal veículo. Chegou um pouco  mais cedo, mas partiu exatamente às 9h02min.

         No dia e hora marcados, faltaram uns dez alunos para apanhar aquele ônibus. Ao chegarmos ao hospital, lá estava o Diretor com parte de sua equipe nos esperando no saguão de entrada. A cena que presenciei, em seguida, foi constrangedora. O Coordenador ficou rubro como um tomate, desculpando-se pelo atraso dos faltosos, assumindo inteiramente a responsabilidade. Foi algo demorado e marcante, bastante formal. Deu como desculpa que, em nossos países sul-americanos, havia sempre uma margem de tolerância para eventos daquele tipo e que um pequeno atraso de 10-15 minutos era considerado bem normal.

          Pensei, na época, com meus botões: “... é que este pessoal não sabe como trabalha o tal do Dr. William".  Eu marcava a reunião periódica com os médicos-chefes dos Centros de Saúde da Prefeitura da zona oeste de São Paulo para às oito e depois das oito e meia ainda havia gente chegando, bocejando e esfregando os olhos de sono ou com o cabelo molhado do banho que acabara de tomar. ”Comia a orelha” dos caras lá mesmo. Eu procurava dar o exemplo chegando às 7h30min e, ainda, vindo de Campinas, a cerca de 100 km de São Paulo.

         Outro episódio que ficou para sempre na minha memória ocorreu em um dos passeios a Londres, em que eu geralmente ciceroneava meus colegas de curso, embora nunca houvesse estado lá.  Resolvi observar o fechamento de um grande supermercado. Dez minutos antes das 17h, soou um aviso pelos alto-falantes informando que a loja encerraria suas portas naquele horário e que todos os fregueses tinham que se dirigir imediatamente aos caixas. Ficamos do lado de fora observando o movimento. Quando bateram as 17h, as mocinhas dos caixas completaram apenas o atendimento dos fregueses que passavam suas compras, simplesmente desligaram e cobriram suas máquinas registradoras, apanharam suas bolsas e foram embora. Havia ainda algumas pessoas nas filas das caixas. Ficaram sem ser atendidas.

          Um fato que me impressionou positivamente em outro supermercado, embora como sanitarista compreendesse bem as razões do que estava acontecendo, foi quando observei um funcionário recolhendo os frangos dos balcões e os jogando no fundo de um latão num carrinho de mão. Perguntei a ele se estava atuando dentro de uma rotina de trabalho. Respondeu-me afirmativamente e explicou que os frangos já tinham estado expostos por quatro horas e, portanto, precisariam ser incinerados. Apontava um tanto apreensivo e nervoso para o relógio na parede da loja.



                                                             ***


1 - Apresentado na 97ª tertúlia literária do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL realizada em S. Bernardo do Campo em 4/abril/2009 e na 102ª realizada em Taubaté em 06/junho/2009. Foi também apresentado na reunião da “Academia em Poesia” da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente - SP em 13/abril/2009



2- (Dados atualizados) Pediatra Sanitarista. Prof. Dr. (aposentado) da Faculdade de Saúde Pública – USP. Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL. Membro Titular ativo da Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES desde 2003, nível central SOBRAMES-BR, níveis regionais SOBRAMES-PE, SOBRAMES-RS. Membro Honorário e Titular da SOBRAMES-CE. Dissidente e separatista da SOBRAMES-SP. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras. Sócio Titular da Associação Paulista de Medicina e Associado da Associação dos Médicos de Santos. Membro Associado da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente – SP. “Padrinho” do MLSS - Movimento Literário Saberes e Sabores de S. Gonçalo do Sapucaí – MG.


3 – O Curso levado a efeito no IDS - Institute of Development Studies da Universidade de Sussex na cidade de Falmer, a uma hora e meia de trem de Londres, chamava-se “Planejamento de Saúde com Participação da Comunidade”, tema este muito em moda no Leste Europeu, na Ásia e avançando pela América Latina afora. Fui comissionado pela Prefeitura de São Paulo onde ocupava cargo de chefia técnica e de direção e financiado pelo Conselho Britânico de São Paulo. Essa era a primeira e única vez que viajei para a Inglaterra, mas tive a nítida sensação de lá ter estado antes, pois conhecia muitos lugares onde levei meus colegas do curso, inclusive detalhando fatos históricos. Isto aconteceu porque fui criado num ambiente britânico em São Paulo e fui muito influenciado pelas atividades culturais, reuniões festivas em casas de famílias britânicas, escola britânica, clube, igreja, cerimônias, bazares, desfiles maçônicos e anglicanos, programas de TV (viagens, acontecimentos políticos, etc.). Realço aqui a grande influência cultural do Papai que cobrava o conteúdo de livros que nos dava para ler e nos relatava a vida e contexto das obras e seus autores. Sou o que chamam de Anglo-Brazilian, abrasileirando-me somente quando fui morar em uma pensão durante a faculdade, quando aprendi a comer feijoada, tomar caipirinha e beber um cafezinho...


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