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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

POR CELINA CÔRTE - VÉSPERA DE ANIVERSÁRIO


Dra. Celina Côrte - Médica e Presidente da SOBRAMES-CE

                                         
                                                         Véspera de Aniversário

Há certas datas ou situações em que não é conveniente aventurar-se ao enfrentamento do desconhecido. É o mesmo que testar uma nova receita em dia de festa. Pode ser um sucesso ou um desastre! Assim foi naquela véspera de aniversário quando decidi sair para cortar os cabelos. Até aí, nada de novo. Conhecia a cabeleireira, já entregara minha cabeça à corte outras vezes e dera certo. Portanto, não havia o que temer. O problema foi deixar-me envolver pelo entusiasmo do aniversário no dia seguinte.  Ao término do corte, fiz a pergunta fatal: “Será que fico bem com o cabelo frisado?” A inconseqüente quase nem me deixa terminar e respondeu: “Ah, fica ótimo!” Hoje tenho a certeza de que se houvesse perguntado “Fico bem tosquiada?” ela também não teria dúvidas quanto à resposta.
 Meu entusiasmo cresceu ainda mais e dei a ordem: “Pode fazer!”. A moça rapidamente enrolou meus cabelos naquelas pecinhas de metal, aplicou-lhes um líquido fétido, fez mil e uma artimanhas. Algum tempo depois removeu o equipamento de minha cabeça e eu me vi uma gracinha no espelho. Meus cabelos antes lisos ficaram bem encarapinhados, lindinhos. Confesso haver gostado. Senti-me jovem, uma meninota.  Então arrisquei mais uma pergunta: “Como é que chama aquele negócio que deixa os cabelos com alguns fios meio esbranquiçados?”. Já deu para perceber que sou meio analfabeta em assuntos técnicos de embelezamento. Acho que a moça se aproveitou da minha inocência capilar...
Mais uma vez, ela foi célere na resposta: “Luzes!” Achei o nome lindo, meu coração se acendeu e cai na besteira de querer saber ainda mais. “Será que eu fico bem?” A moça sorriu aquele sorriso convincente e completou: “Fica linda!”.
Confesso que não resisti. Eu, sempre discreta, nunca dada a aventuras em matéria de roupas e cabelos, fui tomada por um sentimento diferente. Mais uma vez, sem refletir, ordenei: “Pode fazer!”.
Creio que uma nuvem rápida de bom senso passou por mim quando pedi que fosse discreta na luminosidade. Queria luzes, mas não demais. Confessei-lhe que as mudanças bruscas no visual sempre me amedrontaram. Ela pareceu entender a mensagem e prontamente concordou. Senti-me confiante. A moça, com jeito de exímia profissional, colocou-me uma touca na cabeça e cuidadosamente foi tirando finas mechas de meus cabelos para descolorir. Continuei firme e forte! Ao terminar, mais uma vez senti-me satisfeita com o trabalho. Os cabelos ainda úmidos não revelavam o que estava por vir.  Ao chegar à minha casa, poucos quarteirões além, senti pelo olhar enviesado de meus familiares que eu não estava tão bem quanto pensara. Meu marido apenas perguntou o que eu havia feito no cabelo e comentou que estava bem diferente. Fingi não haver entendido. Respondi apenas: “Vocês se acostumam!”, com ar tão seguro, impeditivo de qualquer outro comentário. Fomos dormir, pois o dia seguinte merecia ser vivido minuto a minuto.
 Fui a primeira a acordar. Quando passei em frente ao espelho do banheiro, vi uma alma! Juro que vi uma alma refletida no espelho. Voltei e descobri que a alma era minha. Meu cabelo crespo, arrepiado e esbranquiçado dava-me a impressão de haverem colocado uma lã de aço sobre minha cabeça. Ali mesmo comecei a chorar. Todos da casa se levantaram correndo e me encontraram, diante do espelho, quase estuporada. Meu pai sugeriu que eu voltasse ao salão de beleza (que ironia!) e mandasse tingir os cabelos de outra cor. Logo eu que nunca passara nem xampu que lava colorindo na cabeça! Senti medo e decidi que iria suportar a minha desdita. “O cabelo cresce logo, minha filha”, disse minha mãe como consolo. As mães são sempre perfeitas e não querem nos ver sofrer... Mas não teve jeito! Não sentia sequer vontade de sair de casa, muito menos ir ao trabalho e enfrentar o risinho dos pacientes ou os olhares assustados dos colegas. Decidi que colocaria um lenço ou um chapeuzinho na cabeça quando saísse de casa. Não, não! A solução não me pareceu boa. Não tinha o hábito de colocar nem grampo nos cabelos. Muito menos um lenço... Iriam querer saber o porquê do lenço e eu teria que explicar a um por um. Desisti e fui com a cara, a coragem e aquele cabelo branco encarapinhado coroando minha cabeça. Logo no dia do meu aniversário, em que eu sonhara com as manifestações favoráveis ao meu aspecto, em contraste com a idade! “Tudo isso? Pensei que você tivesse bem menos”. Ao contrário, fiquei com a sensação de que iriam dizer: “Só isso?” diante dos meus aparentes dez anos a mais, ganhos graças à insensatez da profissional da beleza feminina. Nunca mais voltei lá e decretei mentalmente a falência do gabinete. Parece que a praga pegou. A moça desistiu da profissão e fechou o salão. Graças a Deus, um perigo a menos nas ruas!
                                                                       Celina Côrte

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