Dra. Celina Côrte - Médica e Presidente da SOBRAMES-CE |
Véspera de Aniversário
Há
certas datas ou situações em que não é conveniente aventurar-se ao
enfrentamento do desconhecido. É o mesmo que testar uma nova receita em dia de
festa. Pode ser um sucesso ou um desastre! Assim foi naquela véspera de
aniversário quando decidi sair para cortar os cabelos. Até aí, nada de novo.
Conhecia a cabeleireira, já entregara minha cabeça à corte outras vezes e dera
certo. Portanto, não havia o que temer. O problema foi deixar-me envolver pelo
entusiasmo do aniversário no dia seguinte.
Ao término do corte, fiz a pergunta fatal: “Será que fico bem com o
cabelo frisado?” A inconseqüente quase nem me deixa terminar e respondeu: “Ah,
fica ótimo!” Hoje tenho a certeza de que se houvesse perguntado “Fico bem
tosquiada?” ela também não teria dúvidas quanto à resposta.
Meu entusiasmo cresceu ainda mais e dei a
ordem: “Pode fazer!”. A moça rapidamente enrolou meus cabelos naquelas pecinhas
de metal, aplicou-lhes um líquido fétido, fez mil e uma artimanhas. Algum tempo
depois removeu o equipamento de minha cabeça e eu me vi uma gracinha no
espelho. Meus cabelos antes lisos ficaram bem encarapinhados, lindinhos.
Confesso haver gostado. Senti-me jovem, uma meninota. Então arrisquei mais uma pergunta: “Como é
que chama aquele negócio que deixa os cabelos com alguns fios meio
esbranquiçados?”. Já deu para perceber que sou meio analfabeta em assuntos
técnicos de embelezamento. Acho que a moça se aproveitou da minha inocência
capilar...
Mais
uma vez, ela foi célere na resposta: “Luzes!” Achei o nome lindo, meu coração
se acendeu e cai na besteira de querer saber ainda mais. “Será que eu fico
bem?” A moça sorriu aquele sorriso convincente e completou: “Fica linda!”.
Confesso
que não resisti. Eu, sempre discreta, nunca dada a aventuras em matéria de
roupas e cabelos, fui tomada por um sentimento diferente. Mais uma vez, sem
refletir, ordenei: “Pode fazer!”.
Creio
que uma nuvem rápida de bom senso passou por mim quando pedi que fosse discreta
na luminosidade. Queria luzes, mas não demais. Confessei-lhe que as mudanças
bruscas no visual sempre me amedrontaram. Ela pareceu entender a mensagem e
prontamente concordou. Senti-me confiante. A moça, com jeito de exímia
profissional, colocou-me uma touca na cabeça e cuidadosamente foi tirando finas
mechas de meus cabelos para descolorir. Continuei firme e forte! Ao terminar,
mais uma vez senti-me satisfeita com o trabalho. Os cabelos ainda úmidos não
revelavam o que estava por vir. Ao
chegar à minha casa, poucos quarteirões além, senti pelo olhar enviesado de
meus familiares que eu não estava tão bem quanto pensara. Meu marido apenas
perguntou o que eu havia feito no cabelo e comentou que estava bem diferente.
Fingi não haver entendido. Respondi apenas: “Vocês se acostumam!”, com ar tão
seguro, impeditivo de qualquer outro comentário. Fomos dormir, pois o dia
seguinte merecia ser vivido minuto a minuto.
Fui a primeira a acordar. Quando passei em
frente ao espelho do banheiro, vi uma alma! Juro que vi uma alma refletida no
espelho. Voltei e descobri que a alma era minha. Meu cabelo crespo, arrepiado e
esbranquiçado dava-me a impressão de haverem colocado uma lã de aço sobre minha
cabeça. Ali mesmo comecei a chorar. Todos da casa se levantaram correndo e me
encontraram, diante do espelho, quase estuporada. Meu pai sugeriu que eu
voltasse ao salão de beleza (que ironia!) e mandasse tingir os cabelos de outra
cor. Logo eu que nunca passara nem xampu que lava colorindo na cabeça! Senti medo
e decidi que iria suportar a minha desdita. “O cabelo cresce logo, minha
filha”, disse minha mãe como consolo. As mães são sempre perfeitas e não querem
nos ver sofrer... Mas não teve jeito! Não sentia sequer vontade de sair de
casa, muito menos ir ao trabalho e enfrentar o risinho dos pacientes ou os
olhares assustados dos colegas. Decidi que colocaria um lenço ou um chapeuzinho
na cabeça quando saísse de casa. Não, não! A solução não me pareceu boa. Não
tinha o hábito de colocar nem grampo nos cabelos. Muito menos um lenço... Iriam
querer saber o porquê do lenço e eu teria que explicar a um por um. Desisti e
fui com a cara, a coragem e aquele cabelo branco encarapinhado coroando minha
cabeça. Logo no dia do meu aniversário, em que eu sonhara com as manifestações
favoráveis ao meu aspecto, em contraste com a idade! “Tudo isso? Pensei que
você tivesse bem menos”. Ao contrário, fiquei com a sensação de que iriam
dizer: “Só isso?” diante dos meus aparentes dez anos a mais, ganhos graças à
insensatez da profissional da beleza feminina. Nunca mais voltei lá e decretei
mentalmente a falência do gabinete. Parece que a praga pegou. A moça desistiu
da profissão e fechou o salão. Graças a Deus, um perigo a menos nas ruas!
Celina Côrte
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