Ponte estaiada Octávio Frias de Oliveira - São Paulo-SP |
Dra. Ana Margarida - médica e secretária da SOBRAMES-CE |
DE VOLTA À PAULICÉIA DESVAIRADA
Às
15h, o avião da TAM decolou do aeroporto Pinto Martins em direção à SAMPA. A
viagem foi bem tranquila, mas a expectativa do reencontro me deixava ansiosa. A
chegada ao aeroporto de Guarulhos, não fosse a imagem do Rose me esperando e a
tristeza por não tê-lo mais, foi sem maiores contratempo. Ao invés do abraço
quente e carinhoso do querido, senti-me envolvida pelo manto gélido da noite de
SAMPA. Por que um abraço tão frio e inexpressivo? Um calafrio percorreu minha
coluna e pensei que talvez SAMPA estivesse sentida com minha ausência durante
quase três meses.
Apanhei
um táxi como um autômato e de repente estava na Rua Caiubí, 372. Ao adentrar
meu apartamento, novamente, o frio me invadiu. Liguei para a Bolota e o Pepê já
estava dormindo. A saudade bateu fundo e me deu vontade de voltar, mas estava a
quase três mil quilômetros de distância. Liguei para o Daniel e me certifiquei
que tudo ia bem. Pensei na Janinha e em seu trabalho no navio, ao lado do Dani.
Fui dormir bem agasalhada e tristonha.
Cedinho,
despertei com o cantar dos pássaros que todos os dias pousam de galho em galho
nas imensas árvores que ficam em frente ao meu prédio. Fiquei feliz com os
regorjeios dando-me as boas vindas. Às 6h30min desci e fui à padaria “Elite das
Perdizes” comprar o pão quentinho e o indescritível bolo de aipim. Tudo estava
como antes. Parecia que tudo tinha ficado congelado no tempo e encontrei as
mesmas pessoas nos mesmos lugares. Na esquina, a banca de frutas me esperava
com as rodelas docinhas de abacaxi, as maçãs suculentas, as mexericas e
laranjas viçosas etc, etc... O porteiro
do prédio era o mesmo, com sua simpatia, dando-me as boas vindas. Senti-me
acolhida e reconheci, finalmente, a paulicéia desvairada.
Ouvi
no noticiário da TV que o frio não daria trégua e que a máxima não passaria de
18 graus naquela sexta-feira, 26 de setembro de 2008. Resolvi me preparar para
enfrentá-lo com uma xícara de capuccino fumegante, bolo de aipim, pão e requeijão
quentinhos e as frutas deliciosas que acabara de comprar.
Acessei a página da PUC e tomei conhecimento
de que as inscrições para o doutorado haviam sido prorrogadas até o dia 10 de
outubro. Que noticia maravilhosa! Assim, iria dispor de mais tempo para
concluir meu projeto de doutorado sobre as representações do tabagismo na
sociedade brasileira. Preenchi o formulário de inscrição e paguei uma taxa de
R$ 200,00. Tudo pela internet!
O sol apareceu mais forte no final da manhã e
resolvi sair. Dobrei a esquina da Caiubí e segui pela Rua Monte Alegre em
direção à PUC. Entrei no número 1.104 e perguntei pelo meu diploma de Mestre em
História, que havia solicitado em junho, antes da longa viagem à Fortaleza e à
Europa. Estava pronto. Quanta emoção foi apreciá-lo! Lembrei-me do Rose e na
alegria que lhe causaria pela conquista deste título.Com muito cuidado o coloquei em
sua capa azul marinho e o guardei em minha pasta preta.
Atravessei
a Rua Bartira e passei em frente ao Teatro TUCA. Li as propagandas das peças,
apreciei sua fachada e sua História e cai na PUC. O burburinho de alunos era o
mesmo, todos bem agasalhados por causa do frio atípico naquela manhã de
primavera. Almocei rapidamente um bife com arroz, feijão e salada. Senti-me
reconfortada e fui à biblioteca para saber exatamente a localização dos
exemplares de minha dissertação. Não tive a menor dificuldade de encontrá-los.
Estavam lá, juntinhos, na posição: DM 900R812g EX2. Espero que sejam bastante
manuseados pelos futuros pesquisadores.
Saí
da PUC pela Rua Ministro de Godói e desci a João Ramalho em direção ao
Pastorinho. Lá as orquídeas estavam mais lindas do que nunca, entre tantas
flores de diversas cores, belezas e perfumes. Comprei carne moída e legumes
para fazer uma sopa no jantar e assim enfrentar a noite fria.
Subi
a Rua João Ramalho e dobrei à direita na Rua Monte Alegre, lépida e fagueira,
apesar do peso das compras. Passei em frente à Igreja, ao prédio velho da PUC e
lembrei-me das carmelitas descalças que habitaram aquele convento até meados do
século XX, quando foram transferidas para outro endereço a fim de a Igreja
instalar a Universidade, nele.
À
tarde, reli “Paris é uma festa”, de Ernest Hemingway, e uma onda de nostalgia
me invadiu. Como diz o autor: “Se você teve a sorte de viver em Paris, quando
jovem, sua presença continuará a acompanhá-lo pelo resto da vida, onde quer que
você esteja, porque Paris é uma festa móvel”. Eu não tive esta sorte, mas,
certamente, no ocaso de minha vida, viverei em Paris. Li, também, “Tudo
por causa do Sol” de minha amiga escritora, Nilze Costa e Silva, que me deu o
prazer de sua companhia durante a viagem à Europa. Trocamos idéias... Estou
saboreando seu livro como quem saboreia um bom vinho... doucement...
Até
o final do dia e após o telefonema de minha amiga Silvia, reencontrei-me com a
paulicéia desvairada. Depois de apreciar da janela de minha sala a igreja
iluminada no alto de um morro (ainda não descobri o nome desta igreja que me
lembra a “Sacré Coeur” de Paris) declarei meu amor à SAMPA. Cidade dos
modernistas como: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Menotti
Del Pichia, Victor Brecheret e tantos outros que fizeram a semana de Arte
Moderna, também conhecida por semana de 22, pois ocorreu entre 11 e 18 de
fevereiro de 1922, no Teatro Municipal. No curto tempo de 7 dias foram
apresentadas poesias, músicas e palestras sobre a modernidade, representando uma verdadeira renovação de linguagem, na
busca de experimentação, na liberdade criadora na ruptura com o passado. O
evento marcou época ao apresentar novas idéias e conceitos artísticos dando
inicio ao Modernismo no Brasil. A poesia através da declamação, antes, era só
escrita. A música por meio de concertos, só havia cantores sem acompanhamento
de orquestras sinfônicas. A arte plástica exibida em telas, esculturas e
maquetes de arquiteturas, com desenhos arrojados e modernos etc, etc... São
Paulo passou a se impor no Brasil pela cultura...
Com a alma leve e feliz
declarei meu amor à cidade que me fez historiadora, que me abriu novos
horizontes...Cidade, enfim, do querido Rose, onde vivi anos de plena felicidade...
São Paulo, 27 de
setembro de 2008.
Ana Margarida Furtado
Arruda Rosemberg