Dr. Sebastião Diógenes Pinheiro - médico e tesoureiro da SOBRAMES-CE |
A CASA DE REPOUSO
Dr. Cassiano com a mulher escolhem a casa de
repouso que fica no alto da serra para passar o longo feriado da semana santa. A pequena sobra de mata atlântica de mistura
com a caatinga torna o lugar muito aprazível. Foi no passado sanatório para o
tratamento de doentes da tuberculose, dado o clima ameno e saudável. A
hospedaria possui, no entorno, uma horta, um pomar, uma vacaria ao fundo e um
enorme galinheiro com aves prontas para o abate. Suínos, caprinos e ovinos
ficam na encosta do outro lado da serra, sítio que a vista não alcança do
jardim que se localiza no pátio interno, entre as duas alas da rústica
edificação. Anexa à ala esquerda, ergue-se a capela de alta torre, que as
andorinhas-dos-beirais frequentam.
A casa de repouso é dirigida por uma freira
aplicada, germânica de nascimento. Ela domina muito bem o português e atende as
pessoas com obsequiosidade, sem, no entanto, abdicar a formalidade do hábito.
- Café da manhã das 7 às 9 horas; almoço
das 11 às 13 horas; jantar das 18 às 20 horas. Ela explana outras regras da
casa, todas rígidas, e leva os hóspedes aos aposentos previamente reservados,
porque a procura é grande.
O casal fica encantado com o antigo
mosteiro beneditino, aprova as acomodações. Dr. Cassiano passa uma noite
maravilhosa, desperta com os gorjeios dos pássaros da floresta. Deixa a mulher
na cama e sai para o jardim.
- Bom dia, irmã Evelyn! Estou
apreciando o seu jardim. Está muito bonito!
- Bom dia! Este jardim dá muito trabalho,
mas só em vendo um beija-flor já vale a pena! Os hóspedes gostam muito. E
então, o senhor já comeu hoje?
- Não, senhora!
- E a mulher?
- A mulher, já!
Conversam animadamente sobre rosas e
orquídeas e dirigem-se ao refeitório.
- É aqui o nosso refeitório. Tenha um
bom apetite! Pede licença e sai para ordenar outros afazeres.
Após o farto café da manhã, Dr. Cassiano
sai para a caminhada, pega uma trilha bem sinalizada que passa pelos principais
arroios da serra. Nesse ínterim, a freira encontra-se com a simpática mulher do
Dr. Cassiano, radiante de felicidade.
- Bom dia, irmã! Que jardim lindo!
- Bom dia, dona Lia! A senhora dormiu
bem?
- Sim, tivemos uma noite muito
agradável. Cassiano está adorando!
- Com licença, irmã, deixe-me ir ao
refeitório, senão perco o horário do café da manhã.
- E a senhora ainda não tomou o seu
café?! Estranha a irmã Evelyn, de cenho contraído.
- Ainda não, senhora!
A freira, a aplicada administradora
da casa, põe o indicador na fronte em sugestão de dúvida. Permanece pensativa
por alguns instantes. Fica um pouco confusa. Alivia-se. Julga tratar-se de um
mal entendido, coisa da língua portuguesa.
No dia seguinte, o casal acorda cedo
sob os cantos harmoniosos da passarada e ambos vão diretamente ao refeitório.
Após o café, Dr. Cassiano fica no jardim e a mulher dirige-se à capela do
antigo mosteiro.
- Bom dia, Dr. Cassiano! Vejo que o
senhor gosta muito da Natureza! Muito bem, meus parabéns! E então, já comeu
hoje?
- Já, sim senhora!
- E a mulher?
- A mulher, ainda não!
Dr. Cassiano sai para a caminhada,
desta vez, segue a trilha que passa pelo antigo povoado, que nasceu com a
construção do convento. Logo em seguida, a freira encontra-se com a sua mulher
no adro da igreja.
- Bom dia! A senhora é católica,
hem?!
- Sim, sou devota de santa Mônica.
- Muito bonito, é uma santa muito
estimada. Pouca gente sabe, era mãe de santo Agostinho. Agora, é melhor a
senhora se apressar para o café, são quase nove horas.
- Obrigada, irmã! Já tomei o café com
o meu marido.
A freira leva o dedo indicador à
fronte e fica ainda mais confusa com as informações prestadas pelo Dr. Cassiano.
Traz à memória os diálogos matinais que a deixam perturbada. Os detalhes...! Sim,
a intenção do verbo! A mulher do médico observa-lhe as fácies contrafeitas. Em
seguida, sobrevém-lhe o riso discreto e resignado, de quem compreende a ironia,
o contexto incongruente com os seus votos monásticos. Sente-se humilhada. Monologa
em voz baixa: “canalha!”
- Algum problema, irmã? Posso
ajudá-la?
- Pode, pois não!
Dr. Cassiano lamenta a brincadeira, jura
que não a fez por má fé. Beija-lhe os dedos em cruz, feito menino traquinas. A
mulher mal humorada, não quer conversa. O casal desce a serra naquela mesma
manhã. Logo abaixo, encontra-se a famosa curva da saudade, local que possui um
pequeno santuário e tem uma vista privilegiada da ala direita da casa de
repouso. Dr. Cassiano para o carro e desce para acenar um adeus, como manda a
tradição. Olha para o alto e lá está a guardiã na varanda, impassível, no seu hábito azul celeste de
mangas largas e véu branco. De longe, assim, parece uma santa! Mas não lhe
responde o aceno, braços cruzados, a mão sem retorno.
Sebastião Diógenes.
31 de dezembro de 2012.
Parabéns, Sebastião! O seu texto me fez viajar no tempo e visualizar os antigos sanatórios para tratamento de tuberculosos, na era pré- quimioterápica.
ResponderExcluirAssinando o comentário - anamargarida
ResponderExcluirestamos no curso da unimwed, gostaria de receber correspondencia meu email ivanovichbmelo@gmail.com
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