Dr. Sebastião Diógenes Pinheiro - Médico e Tesoureiro da SOBRAMES-CE |
ZUMBIDOS
O mecânico
da estrada de ferro está prejudicado do juízo. Ele trabalha no enorme galpão da
estação, onde as explosões das locomotivas ferem-lhe os ouvidos. As regras da
proteção auditiva não são cumpridas e o ruído excessivo lhe destrói os
neurônios da cóclea. Sobrevém a surdez. Não ouve o canto de pássaros, como os
de canários, os de graúnas e galos-de-campina. Porque sons de notas graves, as
burguesas ele escuta, não vale a pena, são cantos tristes, quase agourentos. Esforça-se
para ouvir música, um suplício a privação do cântico.
Os zumbidos, também, atormentam-lhe o
sono. No silêncio da noite eles crescem.
Não consegue dormir. Faz lucubrações sobre a causa da enfermidade, o trabalho
no reparo de motores de locomotivas. Os estrondos, uma desgraça! Não pode
largar o emprego, tem responsabilidades, mulher e filhos.
O mecânico
da estação, que padece de surdez e zumbidos, volta à escola. Almeja ser
contador, tem facilidades com os algarismos, quer melhorar de vida, fugir do
ruído. Estuda à noite, com dificuldades, não compreende as palavras do
professor, não distingue bem os fonemas. Malditos zumbidos! Muda os hábitos.
Afasta-se dos amigos, não há conversas quando se perde a audição e tem
zumbidos. Despreza a sociabilidade humana, perde o gosto pela vida.
A cigarra
está em toda parte, os estrídulos são constantes e atrozes. Audição difícil,
ele perde quase toda a informação do noticiário e custa-lhe muito acompanhar um
elenco de novelas. A mulher reclama o volume da televisão. Discutem baixinho
para não acordar os meninos. Chateia-se o mecânico da estação. Não pode largar
o emprego, ainda não é contador. Desespera-se. Deixa a casa e vai ao bar do seu
Neci. Os zumbidos, exacerbados pela cachaça, descontrolam-no. Um tiro os
silenciaria de vez, os zumbidos enlouquecedores. Lembra-se, com angústia, de
pessoas que transformaram o sintoma em tragédia. Entra no quarto escuro com o
equilíbrio afetado pelo álcool, tateia a gaveta da cômoda com desespero. A
sinistra operação desperta a mulher.
- O que você
está procurando, Souza?
O mecânico
da estação reconcilia-se com a razão, repõe a pavorosa peça no lugar. Procura
conformar o tinido, gerenciar a madrugada insone. Alcança a graça da claridade
do dia. No vigor do sol da manhã comparece
à delegacia, como determina a lei, e desfaz-se do sinistro objeto
da tentação. Com o prêmio concedido pela
campanha do desarmamento, compra o equipamento para proteger-lhe a sobra de
audição, que o ruído excessivo do enorme galpão, a ferrovia não cuidou. E pede
a Deus que o proteja para o trabalho de contador.
Sebastião Diógenes.
Em 20/setembro/2012.
Parabéns, Dr. Sebastião! Belo texto e bela lição pelo desarmamento. abraço
ResponderExcluiranamargarida
Parabéns, maravilhoso texto! E nesse domingo de carnaval, ficar em casa lendo belos textos na net, é muito gratificante...
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