Dr. Sebastião Diógenes - Médico e Tesoureiro da SOBRAMES-CE |
A CHACINA
O tio
materno trouxe o menino para criá-lo na cidade, a muitas léguas do norte de
Minas, lugar da tragédia. As pessoas olhavam-no com grande compaixão, viam nele
a graça do milagre, porque conheciam a história do assassínio da família. Único
sobrevivente, o menino crescia, mostrava aos colegas na escola, com a natural
inocência da idade, a cicatriz no braço que lhe dava uma ideia de herói.
Conjecturas povoavam
o imaginário popular. A irmã mais velha teria morrido com o meninozinho nos
braços. A lâmina da faca, de muitas polegadas, ainda escorrendo o sangue dos
pais e dos dois irmãos, atingiu-lhe o bíceps braquial antes de cortar o coração
da irmã, que o continha contra o peito. O menino, que ainda não sabia falar,
fora encontrado banhado de sangue ressequido ao lado do cadáver.
Eram seis horas quando o matador deu
início o serviço de encomenda. O contrato seria para matar o pai, por uma
suposta questão de terra, a disputa da nascente na divisa do terreno. Naquela
fatídica hora, o pequeno fazendeiro estava no curral, sentado no banquinho de
madeira tosca, fazendo a ordenha da manhã, quando foi mortalmente golpeado
pelas costas. Não teve a chance de ver o assassino, só a mulher, nos afazeres da
cozinha, o viu pela janela.
Deu-se sequência à tragédia:
“Covarde, covarde”, correu a indefesa senhora em direção à porteira do curral.
Os gritos desesperados acordaram os filhos, ainda meninos. Estremunhados,
acorreram ao terreiro da casa, onde encontraram a mãe ensanguentada e
agonizando. Tentaram escapar. Foram alcançados um por um pela mão assassina,
esfaqueados, e jogados ao lado do corpo da mãe.
O matador
fazia as contas nos dedos banhados em sangue, faltava gente, conhecia a
família: os pais e os quatro filhos, contando o novinho. Ficou atordoado,
faltava gente, lembrou-se que havia uma menina, sim, quase mocinha. Ela
escondera-se com o meninozinho no quarto dos arreios, um quartinho meio
esquecido ao lado da casa. Teve a tenência de abafar o choro da criança com a
concha da mão, não teve jeito. O malvado encontrou-os apavorados, ela encolhida
a um canto, tremendo de medo, com os olhos arregalados em sugestão de súplica. O
irmãozinho nos braços, contido contra o peito. O facínora não tivera piedade, aplicou-lhes
um único golpe, os mataria de uma vez. Limpou a lâmina da faca de muitas
polegadas na esteira que estava no cavalete das selas. Deu por encerrado o cruel
serviço de encomenda. Certificou-se que não deixara testemunha e fugiu pela
mata rala da caatinga dos gerais.
Apresentou-se ao mandante do crime para
a prestação de contas do hediondo serviço. Os detalhes da matança. O desespero:
o horror da elucidação.
Por outras mãos, o matador de
encomenda não teria tido tempo de tomar ciência que o menino, que ainda não
sabia falar, escapara com vida. Conjecturas, diligências...! Com o tempo caíram
no esquecimento da polícia. Ninguém foi preso. E nunca se soube os verdadeiros
nomes dos autores da chacina: nem do mandante, nem do Mata Cinco.
O menino da cicatriz no braço, que as
pessoas da cidade viam nele a graça do milagre, vingou, amou, tornou-se pai e chegou
a vovô, porque esta história é muito antiga.
Sebastião Diógenes.
21-10-2012.
É uma história extremamente forte...
ResponderExcluirParabéns Dr Sebastião! Muito triste, mas é um relato de uma realidade que aconteceu e ainda poderá acontecer...
ResponderExcluirParabéns! O relato é cruel, mas real...
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