Dra. Celina Côrte Pinheiro - Médica e Presidente da SOBRAMES-CE |
CELINO
Encontrava-me ainda ligada com unhas e sem
dentes a um invólucro aquecido, espiando através da minha primeira janela do mundo e já podia divisar a discussão que se travava a meu respeito. Nasci franzina,
com mãos magras e dedos longos, comparados
imediatamente aos pés de uma galinha. Mau começo, sem contar aquela respiração rápida, arquejante, acompanhada de um gemido,
Apgar-mente nada recomendável.
À minha presença, a discussão se acirrou. Eu deveria receber um nome
marcante já que, com aquele aspecto tão depauperado, muito deixava a desejar. Além disso, meu nome deveria obrigatoriamente se
iniciar com a letra C, não porque isso tivesse algo a ver com
a minha cara um tanto quanto estranha. Na verdade, eu iria compor mais um Cê na família.
A “enfremeira” (mistura de freira com enfermeira) tentando
ajudar na definição de meu nome, perguntou à minha mãe:
- Que santo ela trouxe?
Minha mãe, ainda surpresa comigo, um verdadeiro
projeto de gente, não entendeu a pergunta e devolveu:
- Nenhum!!
A freira só conseguiu esboçar um “que pena!”, benzeu-se e saiu. Para piorar ainda mais
minha condição feminina, nascera também herege! Nenhum santo para me acompanhar...
Nem à distância! Um caos!
Seguiram-se mil e uma sugestões relativas ao meu futuro nome: Cristina,
Carolina, Catarina, Creolina, Crisantina, Cleide, Clélia, Carmem e finalmente Celina, em homenagem
a velho amigo de meu tio, um tal Celino. Este último nome foi rejeitado por oito votos contra
um e minha mãe, tomando a palavra, decretou que
eu seria Carmem Sílvia. Respirei aliviada, pois meu
destino poderia ter sido pior.
Meu pai saiu para o cartório, empunhando o nome sugerido,
cuidadosamente anotado em um papelzinho. O problema foi ele haver cedido ao impulso
bastante compreensível de arriscar a sorte no jogo do
bicho, com o número do quarto onde minha mãe se encontrava. Caso o resultado fosse favorável, a grana ajudaria a reduzir as despesas
hospitalares geradas com a minha chegada. Carmem Sílvia virou aposta, por trás de um papelucho com uma centena, do primeiro
ao quinto. Meu pai, no cartório, por mais que tentasse, não conseguiu se recordar do nome proposto para
mim, cuidadosamente selecionado dentre aquela enxurrada antroponímica. Sem titubear, registrou o primeiro que
lhe veio à mente: Celina. Minha mãe, desde o princípio rejeitou tal escolha, passando a me
classificar como Celi.
Graças, porém, ao meu verdadeiro nome, cresci às voltas com o assédio do homenageado Celino, um senhor já apanhado nos anos, gorducho e de bochechas
rosadas que prometia se casar comigo quando eu crescesse. Apesar de nossa
diferença de idade em quase sessenta anos,
eu acreditava e me apavorava na inocência dos meus cinco ou seis anos. Como eu o
detestava! Felizmente, sua presença era eventual em minha vida.
Cresci, perdi um pouco daquele ar desnutrido e
me assumi como Celina, com prazer e orgulho. O velho Celino já desaparecera e eu não tinha mais por que temer. Pelo menos é o que imaginava até participar de uma coletânea onde eu era a única presença feminina, junto a um exército masculino. Por conta de uma falha gráfica, nomearam-me Celino, em uma desaforada
reminiscência ao meu passado conflituoso.
E agora lhes pergunto: - Será que a alma do velho Celino continua me atentando?
Que Deus o tenha!
Celina Côrte
Celina Côrte
DO FACE BOOK
ResponderExcluirAna Margarida Arruda Rosemberg
Excelente texto. Parece mais um conto, porém isto não importa. O que importa é que é criativo e muito bem escrito. PARABÉNS!
há 43 minutos · Curtir
Celina Côrte
E com trezenas de verdades... A santa do dia 24/7 e Santa Cristina... Hj eu poderia ser Cristina se minha mãe houvesse entendido a pergunta da freira...
há 6 minutos · Curtir (desfazer) ·
Ana Margarida Arruda Rosemberg
Você combina mais com Celina... Cristina não tem nada a ver com vc. Que sorte a sua...
alguns segundos atrás · Curtir