Dra. Celina Côrte Pinheiro - Médica e Presidente da SOBRAMES-CE |
ARTE
MODERNA
Se feiúra
matasse, Joselindo nem teria nascido. Aliás, para falar a verdade, sequer teria
sido concebido. Não que ele fosse deformado ou portador de alguma anomalia
congênita. Nada tinha a mais, nem a menos. Era simplesmente feio, muito feio!
Magro, compridão, rosto quadrado e escaveirado, dentuço, com olhos assimétricos
e escondidos por trás de dois fundos de garrafa, orelhas de abano, sem contar o
cabelo ralo e desordenado. O conjunto decepcionava à primeira vista e talvez o
nome Joselindo decorresse de uma tentativa frustra de seus pais para disfarçar
tanta feiúra. Chegou a receber uma proposta de emprego como espantalho em uma
fazenda qualquer da região, o máximo da hostilidade social. Rejeitou-a, naturalmente!
O estandarte de Joselindo não era o seu aspecto físico. Sobrepunha-se a isto de
maneira elegante. Tinha a alma boa, a auto-estima elevada, era inteligente, bem
humorado e captava amigos com facilidade.
Como paixão
não avisa, nem mede distância, aproximou-se de Doralice, fina flor de
pessegueiro, cheirosa, suave e cobiçada pela maioria dos rapazes do bairro. A
moça, como era previsto, não se interessou por ele. Ao contrário, considerou o
desejo do rapaz um verdadeiro acinte! Ela se sentia a própria princesa dos
contos infantis, contudo não nutria qualquer interesse por sapos encantados.
Joselindo, porém, não desistia e seguidamente lançava olhares lânguidos à bela
dos seus sonhos. Insiste daqui, insiste
dali e Doralice se esquivando, até certo dia, quando a moça pareceu disposta a
ceder às reivindicações afetivas de Joselindo. Propôs conversar com ele na
pracinha, ao cair da tarde. O moço acreditou que finalmente seu sonho de amor
iria se realizar. Sua mente voou a ponto de se imaginar em trajes de noivo,
aguardando a entrada triunfal de Doralice, ladeada por damas de honra bailantes
como colibris. Ao se encontrarem, a moça, querendo dar um definitivo fim ao
sonho do rapaz, lançou-lhe um olhar profundo e, insensível, falou:
- Joselindo,
vou ser absolutamente sincera e honesta com você. Sabe por que não quero
namorá-lo? É porque você é ho- rro- ro-so!
Não
satisfeita em acentuar cada sílaba, ainda repetiu: - Está entendendo?
Ho-rro-ro-so! Não combina comigo!
Joselindo
conteve a emoção negativa com muita galhardia. Ergueu um pouco a cabeça, como
se desejasse exibir ainda mais a feiúra, coçou uma espinha vaidosa no canto
esquerdo do queixo e retrucou:
- Minha
linda, sabe qual é o seu grande problema? É a mais pura ignorância... Você não
entende nada, ab-so-lu-ta-men-te naaa-da, de arte moderna!
Celina Côrte
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