Dr. Airton Ferro Marinho - Médico e Membro da SOBRAMES-CE |
MÃE- RUIVA
É natural
que cada povo ou cada pessoa cante e saúde o (s) seu(s) heróis; isto já vimos
em Homero, em A Ilíada e em a A Odisséia e em Virgílio, na sua Eneida.
Quando a
conheci, já era septuagenária ou octogenária passando pela rua, a uma pequena
distância de nossa casa no Ipu. Vestía-se sempre de branco, com saia muito
longa, mangas compridas e sapatos da mesma cor. Assim, ficou marcada na minha
memória. Portava consigo um guarda- chuva ou guarda-sol; era branca, de pele
muito macia, de média estatura, esbelta, com os cabelos encanecidos presos
atrás por um cocó e de olhos azuis. É assim que me recordo daquela experiente
parteira- heroína da minha querida Ipu. A infatigável parteira-prática ajudara várias gerações a
nascer, através de suas hábeis mãos, agora pregueadas e envelhecidas. Atendia
no Ipu e adjacências, ora no sertão, ora na Serra da Ibiapaba e principalmente
na região urbana; era mais solicitada que os próprios médicos. Ajudara a nascer
centenas e até milhares de crianças. Tinha um grande desvelo pelas parturientes
e era carismática. Todas gostavam dela e a chamavam carinhosamente de
Mãe-Ruiva.
Quantos chamados
a desoras, quantas noites insones!
Quantas emoções, quantos estresses, quantas viagens a pé e quantas no lombo de
cavalos! Muitas vezes, à beira das camas ou das mesas com uma parturiente de primeiro filho, esperando
as contrações uterinas nos partos demorados de 4 a 12 horas ( nas primigestas e primíparas ), contando as
contrações e fazendo toques vaginais para avaliar as dilatações dos colos
uterinos e sua espessura, entre gritos,
gemido, choros e desesperos, no exercício devotado de sua profissão, quer nas
alcovas, quer nas camarinhas!
Utilizava somente uma tesoura, fios de algodão (zero), uma
bacia, água, sabão e álcool para completar a assepsia. Às vezes nem luvas
usava, mas a sua paciência, superava tudo isto. Não sei se usava fórceps de
alívio ou se era apanágio dos médicos. Havia no Ipu quase sempre 3 ou 4
médicos.
Havia um prédio
inacabado, onde funcionava a maternidade, ao lado de um Posto de Saúde. Mesmo
os médicos quando solicitados, faziam os partos em domicílios. Não havia as
chamadas” Casas de Parto”.
Mãe-Ruiva enfrentava
as mais diversas, intempéries, quer na chuva como no sol; não media distância.
Mesmo indisposta ela atendia aos chamados, levando consigo um penico para
alguma eventualidade. Mãe-Ruiva era uma verdadeira Florence Nightingale, a
famosa enfermeira-heroína, inglesa, a
notável ”Lady with the lamp! Que em uma guerra, iluminava o hospital, dando
assistência aos enfermos.
Lembro-me bem
que em nossa casa, quando se sentia o cheiro de alfazema e a alcova fechada,
era prenúncio de parto e logo ouvíamos o choro do recém-nascido. Era uma
alegria total! Após os serviços do parto
era comum enterrar no quintal: a
placenta, o cordão umbilical e alguns outros expurgos. O costuma da época era
guardar o coto umbilical, quando, depois
de uma semana a 10 dias, caía espontaneamente e era guardado como relíquia.
Airton Ferro
Belíssima homenagem à Mãe-Ruiva e às parteiras anônimas espalhadas por este imenso país. No Brasil Colônia, quando praticamente não tínhamos médicos, elas foram verdadeiras heroinas. Parabéns, Airton, pelo resgate histórico e o reconhecimento das mulheres parteiras.
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