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sábado, 9 de fevereiro de 2013

POR AIRTON FERRO - MÃE RUIVA

Dr. Airton Ferro Marinho - Médico e Membro da SOBRAMES-CE


                                             MÃE- RUIVA

           É natural que cada povo ou cada pessoa cante e saúde o (s) seu(s) heróis; isto já vimos em Homero, em A Ilíada e em a A Odisséia e em Virgílio, na sua Eneida.
           Quando a conheci, já era septuagenária ou octogenária passando pela rua, a uma pequena distância de nossa casa no Ipu. Vestía-se sempre de branco, com saia muito longa, mangas compridas e sapatos da mesma cor. Assim, ficou marcada na minha memória. Portava consigo um guarda- chuva ou guarda-sol; era branca, de pele muito macia, de média estatura, esbelta, com os cabelos encanecidos presos atrás por um cocó e de olhos azuis. É assim que me recordo daquela experiente parteira- heroína da minha querida Ipu. A infatigável  parteira-prática ajudara várias gerações a nascer, através de suas hábeis mãos, agora pregueadas e envelhecidas. Atendia no Ipu e adjacências, ora no sertão, ora na Serra da Ibiapaba e principalmente na região urbana; era mais solicitada que os próprios médicos. Ajudara a nascer centenas e até milhares de crianças. Tinha um grande desvelo pelas parturientes e era carismática. Todas gostavam dela e a chamavam carinhosamente de Mãe-Ruiva.
        Quantos chamados a desoras,  quantas noites insones! Quantas emoções, quantos estresses, quantas viagens a pé e quantas no lombo de cavalos! Muitas vezes, à beira das camas ou das mesas com  uma parturiente de primeiro filho, esperando as contrações uterinas nos partos demorados de 4 a 12 horas  ( nas primigestas e primíparas ), contando as contrações e fazendo toques vaginais para avaliar as dilatações dos colos uterinos  e sua espessura, entre gritos, gemido, choros e desesperos, no exercício devotado de sua profissão, quer nas alcovas, quer nas camarinhas! 
Utilizava somente uma tesoura, fios de algodão (zero), uma bacia, água, sabão e álcool para completar a assepsia. Às vezes nem luvas usava, mas a sua paciência, superava tudo isto. Não sei se usava fórceps de alívio ou se era apanágio dos médicos. Havia no Ipu quase sempre 3 ou 4 médicos.
          Havia um prédio inacabado, onde funcionava a maternidade, ao lado de um Posto de Saúde. Mesmo os médicos quando solicitados, faziam os partos em domicílios. Não havia as chamadas” Casas de Parto”.
         Mãe-Ruiva enfrentava as mais diversas, intempéries, quer na chuva como no sol; não media distância. Mesmo indisposta ela atendia aos chamados, levando consigo um penico para alguma eventualidade. Mãe-Ruiva era uma verdadeira Florence Nightingale, a famosa enfermeira-heroína, inglesa,  a notável ”Lady with the lamp! Que em uma guerra, iluminava o hospital, dando assistência aos enfermos.
       Lembro-me bem que em nossa casa, quando se sentia o cheiro de alfazema e a alcova fechada, era prenúncio de parto e logo ouvíamos o choro do recém-nascido. Era uma alegria total!  Após os serviços do parto era comum enterrar no quintal:  a placenta, o cordão umbilical e alguns outros expurgos. O costuma da época era guardar o coto umbilical, quando,  depois de uma semana a 10 dias, caía espontaneamente e era guardado como relíquia.
                                                                                Airton Ferro

Um comentário:

  1. Belíssima homenagem à Mãe-Ruiva e às parteiras anônimas espalhadas por este imenso país. No Brasil Colônia, quando praticamente não tínhamos médicos, elas foram verdadeiras heroinas. Parabéns, Airton, pelo resgate histórico e o reconhecimento das mulheres parteiras.
    anamargarida

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