Dr. Airton Ferro Marinho - Médico e membro da SOBRAMES-CE |
DAMIÃO PEZÃO
Praticamente em todas as
cidades, quer nas interioranas, quer nas metrópoles e até nas megalópoles, encontramos tipos humanos bizarros, pitorescos
e até hilariantes.
Nas pequenas cidades é mais
fácil conhecermos de perto um destes tipos citados, enquanto que nas outras
maiores, temos conhecimento de um destes, em determinados pontos dos bairros,
nas ruas, nas praças do Centro e até nos subúrbios.
Gostaria de me referir ao Damião Pezão do Ipu,
conhecidíssimo por todos naquela cidade, ao pé da Serra da Ibiapaba, onde temos uma linda cachoeira de mais de 70 m de
altura, que pela sua beleza, é um dos pontos turísticos daquela cidade, que
segundo o grande escritor, o maior do
Ceará e ao meu ver, o maior romancista brasileiro e no gênero, o maior do
Planeta; filho de Sacristia, isto é, filho do padre do mesmo nome, que foi uma
grande figura política, ocupando altos postos, chegando até a senador e a
Governador da Província. O notável escritor silvícola, o nº 1 no gênero: José Martiniano de Alencar Barros
Filho, também seguiu os passos do pai na política. O pai depois de algum tempo,
casou-se. O filho nasceu em Messejana ( Ce ), formou-se bacharel em Direito em
Recife, indo para o Rio de Janeiro na época do Império, onde foi político, em
vários cargos, não sendo, no entanto, tão brilhante nesta profissão como o pai.
Escreveu o seu mais conhecido livro: “Iracema”, onde a protagonista da lenda do
Ceará, teve este nome tirado da palavra
América, em letras alteradas na ordem, que era da grande tribo Tabajaras do
Ipu. José de Alencar adoeceu de tuberculose, indo procurar tratamento na Europa
e voltou ao Rio de Janeiro, onde morreu aos 47 anos, deixando todos os seus
escritos naquela Cidade. Deixou o legado de mais de 20 livros com a mesma
temática e peças de teatro.
Damião
Pezão era uma figura estereotipada, de uns 30 anos de idade, com cerca de 1,70m
de altura, tez queimada pelo sol, delgado, que vinha gritando pela cidade,
notadamente à noite, quebrando o silêncio da madrugada da bucólica Ipu: o
Damião é Coronel, o Damião é coronel, o Damião é coronel, o Damião é … e
repetia muitas vezes, madrugada a dentro, indefinidamente.
Diziam que eram 2 irmãos: Cosme e Damião ( padroeiros dos
cirurgiões), não sei se eram gêmeos. Ouvira falar do primeiro, não me
recordando do seu tipo físico e nem se era doente também. Diziam que ambos
moravam com a mãe, lá para o morro do cemitério. À noite ouvíamos o Damião
falar sozinho frases dispersas: o Damião
é coronel, o Damião é coronel, o Damião é coronel… e a voz paulatinamente se
aproximava, tinha seu ápice nos pés de monguba próximos à nossa calçada, onde
ficava por algum tempo e saía dizendo as suas
repetitivas frases e se ia afastando gradativamente. Não nos era motivo
de medo e as outras crianças apenas diziam que ele era doido, porém nunca agrediu ninguém. Achávamos esquisito, pois
andava maltrapilho, dando a impressão de sempre estar sujo e com facies empapuçado
devido ao uso da cachaça, como de um alcoólatra crônico. Sabíamos que era muito
pobre e naquela época, não sabia pormenores de sua saúde física e mental.
Socialmente bebia a cachaça que alguém lhe oferecia e comia o sobejo que alguém
lhe dava. Não sabia se era chamado de doido, devido às suas atitudes e
comportamento, vestimenta esquisita, todo sujo, pelas suas frases ou era doente
mental ( portador de psicose ou esquizofrenia ), ou era somente alcoólatra ou as duas coisas. Não se
sabia de seus delírios, alucinações, ansiedades e fobias. Também não se
sabia que usava algum medicamento para
tratar-lhe a doença ou controlá-la. Tinha o rosto inchado e olhos empapuçados,
sui generis, de etilismo crônico. Também não usava sandálias ou chinelos, andava
descalço. Naquela época não havia antipsicóticos ( neurolépticos ), nem
hipnóticos, nem mesmo ansiolíticos. Se dormia, era devido à cachaça ou à
exaustão física. Não sei do que se passava naquela mente diferente, nem de seus
sofrimentos de alienado, nem se era feliz ou infeliz, pois guardava consigo um
segredo impenetrável e mítico. Era um arquétipo e estereótipo inesquecível.
Ainda soa nos meus ouvidos aquela voz que se aproximava e se
afastava: o Damião é coronel, o Damião é coronel… o Damião é…ou: faz três dias qu’eu não ca.., também eu não
como!
Dizem
que morreu de desnutrição e de tuberculose.
Parabéns, Airton! Seu texto me remeteu à minha cidade natal, Baturité, que também tinha uma figura assim. Era conhecido como Raimundo dos cachimbos. anamargarida
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