Dr. Marcelo Gurgel - Médico e Membro da SOBRAMES-CE |
O BRONCO OU O SORRISO
1001
Publicado In: SOBRAMES –
CEARÁ. Ressonâncias literárias. Fortaleza: Expressão, 2009. 224p. p.164-5.
No Bloco Didático, disposto no andar superior da
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências da Saúde, da UFC, reinava, nos anos
setenta, quase soberanamente, um bedel encarregado da manutenção das salas de
aula e de prover os equipamentos audiovisuais aos professores que iam ministrar
aulas naquele recinto.
Esse funcionário, nascido na Colônia Antônio Diogo, era
um tipo robusto, com físico muito assemelhado ao do personagem “Bronco”,
imortalizado pelo comediante Ronald Golias, do Programa de TV “A Família
Trapo”, e muito chegado a fazer brincadeiras e gozações, nos moldes do seu
digamos “quase aparentado” artista.
Às vezes, ele adentrava, de súbito, na sala de aula e
provocava os alunos presentes com um dito engraçado e fartamente audível, ao
tempo em que exibia um largo sorriso, do tipo “1001”, expondo os seus
caninos superiores, com um vasto hiato decorrente da exodontia dos incisivos
mediais e laterais, o que servia para “quebrar” as tensões nos momentos que
antecediam a aplicação de provas.
Devido à reclamação de certos professores, que o
consideravam inconveniente, mas à revelia dos alunos, ele foi transferido para
o Departamento de Fisiologia e Farmacologia, tornando-se, oficiosamente, o
grande captador de caninos vadios (no caso, os quadrúpedes e não os seus
dentes), capturados nos arrebaldes do Porangabuçu, para as aulas práticas e
experimentos desse departamento.
Dizia-se que a sua excepcional performance estava atrelada à técnica que desenvolvera: esfregava
os genitais de uma cadela no cio em suas calças e punha-se a caminhar pelas
ruas adjacentes, atraindo, com o seu ardil, um bom número de cães, que, uma vez
enlaçados, eram conduzidos ao canil do Curso de Medicina, e, posteriormente,
imolados em prol da ciência e do ensino médicos.
O dito sósia do “Golias” permaneceu nesse serviço até
quando, em um entrevero com um importante docente, revelou a sua força física
ao erguer, desafiando a Lei da Gravidade, o brilhante mestre pelas “bitacas”,
fazendo-o subir às alturas, e sendo, por tal desacato, punido com o
remanejamento para trabalhar no campus
do Pici.
Sua transferência diminuiu a “graça” no Campus do
Porangabuçu. Com isso, quem saiu perdendo, em parte, foi o alunado, privado da
alegria do bedel que teve a ousadia, não de parecer com o “Golias” da TV
Record, mas de querer ser um Davi ao contrário, banguela, e sem a funda que
caracterizou o atirador de pedras no descomunal antagonista bíblico.
Marcelo Gurgel Carlos
da Silva
Sobramista/CE e membro da ACM
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