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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

POR WILLIAM HARRIS - A MORDIDA DO CACHORRO LOUCO



A mordida do cachorro louco [1]
William Moffitt Harris [2]


Quando estive no Rio de Janeiro, em 1986, para participar do Congresso de Pediatria Comunitária, eu me vi diante de uma diária proibitiva no Hotel Glória e resolvi procurar algum lugar lá por perto em condições mais modestas. Indicaram-me um hotel nas imediações, cujo nome, no momento, não me recordo. Era numa rua estreita, a duas ou três quadras da Praia do Flamengo com uma calçada larga, talvez até mesmo um calçadão. Já estava escurecendo.

Ao me aproximar do balcão, o recepcionista foi logo perguntando:

O senhor vai querer companhia para esta noite?

Expliquei que procurava um quarto ou apartamento para deixar minhas coisas já que viera participar de um congresso no Glória. Estava sozinho e assim  queria continuar. Ele me olhou de uma forma meio esquisita e continuou:

É melhor o senhor ficar aí no apartamento da frente, porque lá em cima, o prédio inteiro treme durante a noite.

Fiquei pensando: será que os alicerces não são firmes e o trânsito da avenida se faz sentir ou será que no Rio existiriam abalos sísmicos quase imperceptíveis a não ser no alto dos edifícios, como no espigão da Av. Paulista em São Paulo (Paraíso, Avenida Paulista, Av. Dr. Arnaldo e Av. Alfonso Bovero)?

Olhei o apartamento e tudo parecia em ordem. Por via das dúvidas, fechei as venezianas e baixei as duas folhas da janela em guilhotina, que dava para a calçada. Guardei minhas coisas, apanhei a pasta do evento, larguei a chave na portaria e fui para o Glória.

Havia viajado boa parte do dia para chegar ao Rio e estava com sono e cansado. Assisti à abertura do evento e voltei, após comer alguma coisinha. Tomei um banho e fui dormir. Era uma noite quente.

Lá pelas onze e meia da noite acordei sufocado. Um espasmo de glote me atormentava. Não conseguia respirar e fiquei desesperado. Abri a porta e fui parar no meio da calçada. Apoiei-me num poste e de relance percebi que minhas unhas arroxeavam. Não conseguia respirar e estava tudo escurecendo.

Não era a primeira vez que eu havia passado por isto, em consequência da fumaça de cigarro, e eu sabia que não podia perder a calma. Respirando superficialmente, sem forçar a garganta, devagarzinho tudo se resolveria.

Na calçada havia umas dez pessoas sentadas às mesas de ferro, tomando cerveja e fumando. Pela janela do meu apartamento entrava direto a fumaça dos rapazes que estavam defronte à mesma.

Um senhor mais idoso, bastante preocupado, aproximou-se e fez duas perguntas, que jamais esquecerei pela sua sinceridade, sua inocência e seu impacto.

O senhor foi mordido por um cachorro louco? O senhor quer que chamemos uma ambulância?

Dei sinal para que não se preocupasse e comecei a rir pelas circunstâncias. Fui melhorando aos poucos e daí a uns dez minutos já havia voltado ao restitutio ad integrum.

Voltei ao meu quarto e fui dormir.

No dia seguinte, num dos intervalos, tomando um cafezinho com outros congressistas, perguntei inocentemente ao Paulo César, um amigo novo que havia ganho havia alguns anos no Rio, se abalos sísmicos no Rio ocorriam com frequência. Contei a história do hotel. A turma caiu na gargalhada. Disseram-me que aquela área era a da luz vermelha e que o hotel era de alta rotatividade. 3

Paulo César fez-me apanhar minhas coisas e levou-me para a sua casa.

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1-​ Capítulo do livro do autor Era Uma Vez Um Menino Travesso. São Paulo: Legnar Editora, 2004. (esgotado) Apresentado nas seguintes tertúlias literárias do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL; 90ª em 13/12/08 em Sto. André, na 104ª em 20/06/09 em Piracicaba, na 106ª em 15/08/09 em S. Caetano do Sul, na 107ª em 19/08/09 em Sorocaba e na 117ª em 05/12/09 em Taubaté. Apresentado também na reunião da Academia em Poesia da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” em 18/10/09 no Clube Elos em S. Vicente – SP.



2- ​(Dados atualizados) Pediatra Sanitarista. Prof. Dr. (aposentado) da Faculdade de Saúde Pública – USP. Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL. Membro Titular ativo da Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES desde 2003, nível central SOBRAMES-BR, níveis regionais SOBRAMES-PE, SOBRAMES-RS. Membro Honorário e Titular da SOBRAMES-CE. Dissidente e separatista da SOBRAMES-SP. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras. Sócio Titular da Associação Paulista de Medicina e Associado da Associação dos Médicos de Santos. Membro Associado da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente – SP. “Padrinho” do MLSS - Movimento Literário Saberes e Sabores de S. Gonçalo do Sapucaí – MG.


3Dr. Paulo César de Almeida Mattos, assessor há mais de vinte anos da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e professor associado da Fiocruz, Dr. Jeiel Correa Ferreira de Souza (RIP) médico e pastor da Igreja Batista, também do Rio, Dr. José Carlos Piccolotto, de Campinas-SP e o autor da presente crônica, com mais meia dúzia de colegas refundaram a ABRASE – Associação Brasileira de Saúde Escolar em 1984 que promoveu seu primeiro congresso em Vitória-ES em 1988.





Um comentário:

  1. Professor, um grave engano que, por pouco, nao abalou seriamente sua estrutura física... Coisas que acontecem!

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