A mordida do cachorro louco [1]
William Moffitt Harris [2] |
Quando estive no
Rio de Janeiro, em 1986, para participar do Congresso de Pediatria Comunitária, eu me vi diante de uma diária proibitiva no Hotel Glória e resolvi procurar algum lugar lá por perto em condições mais modestas. Indicaram-me um hotel nas
imediações, cujo nome, no
momento, não me recordo. Era
numa rua estreita, a duas ou três quadras da
Praia do Flamengo com uma calçada larga, talvez
até mesmo um calçadão. Já estava
escurecendo.
Ao me aproximar
do balcão, o
recepcionista foi logo perguntando:
⎯ O senhor vai querer companhia para esta noite?
Expliquei que
procurava um quarto ou apartamento para deixar minhas coisas já que viera participar de um congresso no Glória. Estava sozinho e assim queria continuar. Ele me olhou de uma forma
meio esquisita e continuou:
⎯ É melhor o senhor ficar aí no apartamento da frente, porque lá em cima, o prédio inteiro treme durante a noite.
Fiquei pensando:
será que os alicerces
não são firmes e o trânsito da avenida se faz sentir ou será que no Rio existiriam abalos sísmicos quase imperceptíveis a não ser no alto dos edifícios, como no espigão da Av. Paulista em São Paulo (Paraíso, Avenida Paulista, Av. Dr. Arnaldo e Av.
Alfonso Bovero)?
Olhei o
apartamento e tudo parecia em ordem. Por via das dúvidas, fechei as venezianas e baixei as duas
folhas da janela em guilhotina, que dava para a calçada. Guardei minhas coisas, apanhei a pasta do
evento, larguei a chave na portaria e fui para o Glória.
Havia viajado boa
parte do dia para chegar ao Rio e estava com sono e cansado. Assisti à abertura do evento e voltei, após comer alguma coisinha. Tomei um banho e fui
dormir. Era uma noite quente.
Lá pelas onze e meia da noite acordei sufocado. Um
espasmo de glote me atormentava. Não conseguia respirar e fiquei desesperado. Abri a porta e fui
parar no meio da calçada. Apoiei-me
num poste e de relance percebi que minhas unhas arroxeavam. Não conseguia respirar e estava tudo escurecendo.
Não era a primeira vez que eu havia passado por
isto, em consequência da fumaça de cigarro, e eu sabia que não podia perder a calma. Respirando
superficialmente, sem forçar a garganta,
devagarzinho tudo se resolveria.
Na calçada havia umas dez pessoas sentadas às mesas de ferro, tomando cerveja e fumando.
Pela janela do meu apartamento entrava direto a fumaça dos rapazes que estavam defronte à mesma.
Um senhor mais
idoso, bastante preocupado, aproximou-se e fez duas perguntas, que jamais
esquecerei pela sua sinceridade, sua inocência e seu impacto.
⎯ O senhor foi mordido por um cachorro louco? O
senhor quer que chamemos uma ambulância?
Dei sinal para
que não se preocupasse
e comecei a rir pelas circunstâncias. Fui
melhorando aos poucos e daí a uns dez
minutos já havia voltado ao
restitutio ad integrum.
Voltei ao meu
quarto e fui dormir.
No dia seguinte,
num dos intervalos, tomando um cafezinho com outros congressistas, perguntei
inocentemente ao Paulo César, um amigo
novo que havia ganho havia alguns anos no Rio, se abalos sísmicos no Rio ocorriam com frequência. Contei a história do hotel. A turma caiu na gargalhada.
Disseram-me que aquela área era a da “luz vermelha” e que o hotel era de alta rotatividade. 3
Paulo César fez-me apanhar minhas coisas e levou-me para
a sua casa.
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1-
Capítulo do livro do autor Era Uma Vez Um Menino Travesso. São Paulo: Legnar
Editora, 2004. (esgotado) Apresentado nas seguintes tertúlias literárias do
Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL; 90ª em 13/12/08 em
Sto. André, na 104ª em 20/06/09 em Piracicaba, na 106ª em 15/08/09 em S.
Caetano do Sul, na 107ª em 19/08/09 em Sorocaba e na 117ª em 05/12/09 em
Taubaté. Apresentado também na reunião da Academia em Poesia da Academia
Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” em 18/10/09
no Clube Elos em S. Vicente – SP.
2-
(Dados atualizados) Pediatra Sanitarista. Prof. Dr. (aposentado) da Faculdade
de Saúde Pública – USP. Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do Movimento
Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL. Membro Titular ativo da
Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES desde 2003, nível
central SOBRAMES-BR, níveis regionais SOBRAMES-PE, SOBRAMES-RS. Membro
Honorário e Titular da SOBRAMES-CE. Dissidente e separatista da SOBRAMES-SP.
Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras. Sócio Titular da
Associação Paulista de Medicina e Associado da Associação dos Médicos de
Santos. Membro Associado da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei
Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente – SP. “Padrinho” do MLSS - Movimento
Literário Saberes e Sabores de S. Gonçalo do Sapucaí – MG.
Professor, um grave engano que, por pouco, nao abalou seriamente sua estrutura física... Coisas que acontecem!
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