Dr. Manoel Fonseca - Diretor de Cultura da Sobrames-CE |
Quarentena: itinerário de viagem em casa.
Acordo às 8hs, num dia qualquer da semana,
ao som do canto de um bem-te-vi que insiste, do alto de um palmito, com seus
cachos de frutos vermelhos, em augurar-me "te vi bem, bem te vi".
Vou ao banheiro,
miro no espelho meus cabelos cor de algodão doce, faço minha higiene pessoal e
me preparo para enfrentar a "frenética" jornada diária no oitavo dia
de quarentena.
Caminho até o
jardim para aguar nossos cinquenta "bonsai", alguns vivendo conosco
há trinta anos. Bonsai significa, segundo os chineses, "árvore em
bandeja", pois são árvores em miniatura, escolhidas em montanhas por seu
poder de cura e plantadas em pequenos jarros bem rasos. A arte do bonsai guarda
três princípios filosóficos: o shizen, que significa naturalidade e não
afetação, o wabi, que significa simplicidade e desapego e sabi, que significa
sabedoria e introspecção meditativa.
Após aguar as
outras plantas do jardim, arrodeio o quintal para dar água e comida à Nina,
nossa cadela labrador e fazer massagem em suas duas orelhas. Ela adora e quase
cochila.
Depois deste
primeiro tour, volto ao quarto de dormir e acordo Iracema que, com um sorriso
em seus lábios de mel e olhos cor de girassol, deseja-me bom dia.
Percorremos novo
tour rumo à cozinha, onde degustamos uma frugal primeira refeição. Café com
leite para nós dois, saboreio uma tapioca feita por mim e Iracema, que está com
a glicemia nos trinques, come tareco e bolo de banana. Ao falar em tapioca,
lembramos o uso da mandioca por nossos indígenas, descrito nos versos de nosso
livro "Meu povo ancestral":
"Da raiz de mani, colhida
na roça,
Se faz farinha, produto
essencial,
Na caça e pesca a mistura
reforça,
Para os curumins, chibé e
mingau.
Nos folguedos e rituais
sagrados,
Na alegria, dor e celebração,
O cauim, de mani, o fermentado,
Libera sentimentos e
emoção."
Após o café da
manhã, voltamos ao quarto para pôr em dia o Whatsapp, ao leve balanço de
nossas redes sol-a-sol coloridas. Primeiro vejo grupos familiares para saber se
filhos e netos e as sete irmãs e famílias estão bem. Depois dou uma olhada no
grupo Médicos pela Democracia e do grupo relacionado com meu pensamento
político. Muita informação sobre o coronavirus e sobre a leniência e
incompetência do presidente Bolsonaro no enfrentamento da epidemia de COVID-19.
Participo também de um grupo Associações Brasil Mundo de profissionais de
saúde, dirigido a brasileiros que moram em países da Europa, visando prestar
informações solidárias. Damos, então, uma parada nas mídias sociais e vamos
fazer trabalhos manuais. Iracema, que é bióloga, está retomando trabalhos
artesanais com folhas desidratadas, as exsicatas, para criar pássaros,
paisagens, mandalas e recobrí-las com resina liquida, fazendo bandejas,
porta-copos, quadros de parede e também marca-livros. E eu vou cuidar dos
"bonsai", pois está em tempo de fazer a poda da folhagem e das raízes
e renovar a mistura de areia grossa com adubo de minhoca, para alimentá-las.
Durante a
tarde/noite conversamos com amigos pela internet, com os filhos e netos que
moram longe, proseamos com nossa filha, nossa vizinha e apoio, lemos,
escrevemos e nos divertimos um pouco com jogos inteligentes.
Ontem à tarde
aconteceu um fato inusitado: a visita de um soim em busca de comida.
Encarapitado em frondoso pé de Noni, com olhar pidão, esperava quieto. Minha
filha deu-lhe uma banana, que comeu com satisfação. Um presente da mãe
natureza, como a dizer que a vida continua, apesar deste tempo de
tormenta.
Manoel Fonseca
Movimento Poetas del Mundo
Associação Brasileira de
Médicas e de Médicos pela Democracia - Ceará
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