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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

POR WILLIAM HARRIS - SOBRE GAMBÁS E FUINHAS


Dr. William Moffitt Harris 





SOBRE GAMBÁS E FUINHAS

William Moffitt Harris 1

Um destes domingos pela manhã, enquanto ensacava o lixo reciclável, selecionado e guardado durante a semana, a fim de colocá-lo na rua na segunda- feira logo cedo, fui chamado para recolher um cadáver no corredor em frente à janela da cozinha. Era de um gambá.
Por um triz, fui salvo pelo gongo, pois a nossa preclara Presidente da SOBRAMES-CE, Celina Côrte Pinheiro, me alertou que talvez tivesse havido algum engano de nosso ex-jardineiro, oriundo do Nordeste brasileiro, que o chamou, há já alguns anos, de fuinha.  Motivou-me a pesquisar e fui ver na Internet, na Wikipédia e na Enciclopédia Britânica; donde, além de me esclarecer melhor sobre o assunto, inteirei-me de aspectos da vida e hábitos deste marsupial que desconhecia (Gambá, cuja classificação científica é Classe Mammalia, Infraclasse Marsupialia, Ordem Didelphimorphia, Famílias Didelphidae e Mephitidae, Subfamília Didelphinae, Gênero Didelphis, Linnaeus, 1758).2
Proponho-me, consequentemente, a repassar aos prezados leitores um pouco do que aprendi e copiei. Guardarei a matéria num local adequado. Achei realmente estranho quase nada conhecer sobre nossos ocasionais visitantes que, há tanto tempo, aparecem por aqui em casa, embora não convidados. Cada uma das referências listadas na bibliografia consultada contém por sua vez muitas referências bibliográficas, material riquíssimo para quem tiver o interesse em prosseguir com minhas anotações.
Quase cometo uma asneira afirmando, como de antanho, que este nosso gambá seria conhecido no nordeste como fuinha, que não é marsupial e não tem parentesco algum com o gambá. Pertence à família das martas (Mustelidae) e habita toda Europa continental exceto a Escandinávia e algumas ilhas do Mediterrâneo.  Muitas espécies vivem nos países do Pacífico Sul. 2, 3   
A fuinha é também conhecida como gardunha em Portugal onde é considerada uma verdadeira praga por não possuir predadores naturais e ser costumeira visita de galinheiros à noite. Na classificação científica, a fuinha (Martes foina) pertence à Classe Mammalia, Ordem Carnívora, Família Mustelidae, Gênero Martes, Erxleben, 1777. Tem hábitos noturnos, como os gambás, alimentando-se de roedores, pequenos répteis, aves pequenas e ovos, insetos e frutas como mamão, goiaba, uvas e tomates, além de lixo humano, pois vive bem nas áreas urbanas salvo quando vítima de atropelamento devido ao ofuscamento causado pelos faróis. 
É considerado um animal útil devido ao ataque direto a ratazanas e, em alguns países do Pacífico, algumas espécies enfrentam cobras venenosas de forma rápida, apanhando-as na coluna perto da cabeça. Segundo alguns relatos, algumas espécies de fuinha podem receber um número enorme de picadas de cobras venenosas sem sofrer efeitos deletérios. É um carnívoro pequeno pesando de um a dois quilos e meio, de pelagem abundante em vários tons de castanho com peito branco, característica esta muito apreciada na indústria de pincéis de barba e pincéis para pintura. A tosquia para fabricação de pincéis está proibida em alguns países sendo considerada crime ambiental (no sub-capítulo de crime cosmético). É um animal solitário, um dos menores carnívoros existentes no planeta, pesando entre 1 e 2,5 quilos vivendo em tocas, ou na terra ou em árvores. Além de ser veloz saltitando no chão, é um excelente trepador em árvores. Seu acasalamento produz crias de três a sete filhotes que, aos dois meses de idade, já saem com as mães em busca de alimentos, ficando logo em seguida independentes. A fuinha se adapta bem à presença humana e é muito comum em vilas e cidades, embora seja bastante arisca.2, 4, 5
O gambá pesa bem mais do que a fuinha, variando, conforme a espécie, de 2 a 4 quilos. Tem nomes diferentes conforme a região do nosso país. Chama-se mucura na Amazônia, na região sul sarigué”, sariguê”, saruê”, sariguéia, na Bahia timbu ou cassaco, de Pernambuco ao Ceará micurê” assim como no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul além de raposa ou texugo e no Paraná taibu, tacacá”, saurê” e ticaca. (Acrescento aqui que o marido de uma de minhas netas, que trabalhou por algum tempo no Mato Grosso do Sul, ouviu lá para texugo as duas pronúncias: tecsugo e techugo; ficou sem saber qual seria o certo!).2, 5
Quanto à origem destas denominações em nosso meio, nesta mesma fonte referencial, a palavra gambá” procede do termo tupi gã’bá que significa seio oco referindo-se ao marsúpio. Mucura e micurê” procedem do tupi mukura. Tacaca e ticaca procedem do tupi que significa coisa ruidosa. H.D.DOMENICO em seu livro, citando L.C.TIBIRIÇÁ, menciona que o vocábulo gambá seja alteração de ygué-ambá = barriga oca através de guá-ambá”. Assinala em seu léxico que o termo mucura vem de mo-cura que significa ...faz que absorva ou se oculte dentro de si mesmo alusão ao fato dos filhos serem escondidos na bolsa (marsúpio).2, 6, 7
Em A.G.CUNHA verifica-se a presença do gambá em livros de muitos de nossos autores clássicos e históricos como: CASAL (aqui saróhê) (1817), J.M.MACEDO (1856), J.ALENCAR (1872), A.AZEVEDO (1890), J.VERÍSSIMO (1895), M.ANDRADE (1928), G.ARANHA (1929), GUIMARÃES ROSA (1946 e 1956).8
No Exterior, o gambá, em suas dez ou doze espécies, é conhecido desde o século das descobertas e há registros desde a década de 1630 nos Estados Unidos, com referências a pesos variando de meio a oito quilos. Há uma grande variedade nas colorações, conforme a espécie ou família de marsupial, e disposição de faixas em geral brancas ou prateadas no dorso, nos lados, na cauda e mesmo nas pernas. Algumas espécies da família Dasyuridae, como a Myrmecobius fasciatus, têm estrias esbranquiçadas intervaladas lhes atravessando de lado a lado no sentido perpendicular ao dorso e a Dasyurops maculatus é toda coberta de pintas brancas da cabeça à ponta da cauda e das pernas. Entre os Didelphídae, como o nosso de casa, existe o gambá d’água (water opossum) Chironectes minimus que possue faixas lhe atravessando de lado a lado do corpo, da cabeça e das pernas.3, 5, 9
Os gambás são onívoros, variando a dieta conforme a estação do ano. Comem larvas, insetos, minhocas, pequenos roedores, lagartixas, sapos, rãs, cobras, toupeiras, pássaros pequenos, raízes, frutas, folhas, capins e gramas, nozes e cogumelos. Nas áreas habitadas pelo homem, os gambás comem lixo doméstico, dejetos de animais e rações guardadas em garagens ou porões. Por vezes invadem casas buscando frutas e outros alimentos na cozinha.9
Em algumas áreas da América do Norte é permitida a domesticação dos gambás, como animais de estimação, sendo a espécie mais utilizada o Mephitis mephitis  que é muito dócil e cujas glândulas odoríferas são em geral removidas cirurgicamente. É extremamente raro humanos serem mordidos por gambás. Isto só aconteceu nos poucos casos confirmados de raiva. A expectativa de vida dos gambás na natureza é em torno de 3 a 5 anos mas em cativeiro, quando bem tratados, podem durar até quinze. 5, 9
Em suas andanças pelo Interior do Paraguai, do lado oriental do rio do mesmo nome, entre 1919 e 1924, logo após a Primeira Guerra Mundial, meu pai encontrou nas vilas indígenas muitos animais silvestres domesticados. Os índios, ao caçarem para alimentar ou agasalhar os membros de suas tribos, traziam para suas comunidades os filhotes encontrados nas tocas e ninhos para serem cuidados e criados pelas mulheres e crianças. Só comiam estes animais do cativeiro muito excepcionalmente, em circunstâncias extremas, como relato no livro que estou escrevendo sobre as viagens, aventuras e observações do meu pai entre os índios do Paraguai. O ambiente era de grande harmonia e além de pequenos pássaros, répteis e roedores engaiolados, corriam soltos cães (devido à contínua mestiçagem, nunca viu cães de raça pura), gatos, coelhos, gambás, guaxinins, quatis, cotias, ouriços, capivaras, porcos-do-mato, bichos-preguiça, cachorros-do-mato, papagaios, tuins, araras e outros. Muitas vezes viu crianças confabulando, cada qual com um animalzinho trepado em seus ombros. Faziam trocas entre si e com visitantes de aldeias vizinhas. Quando fazia frio, os mamíferos se juntavam, um em cima do outro ou encostados entre si, quando adormecidos.10
O gambá é conhecido como sanguinário. Ao entrar num galinheiro, ataca as as aves no pescoço, atinge a veia jugular, chupa-lhes o sangue, deixando-as mortas. Inebria-se e entra num estado torporoso, frequentemente assim encontrado de manhã, como se estivesse de ressaca. Daí a expressão popular bêbedo como um gambá”.11
Nossa gambazinho daqui de casa é marsupial, mas nunca expeliu aquele material fedorento entre nós para afugentar seus predadores. Difere um pouco da maioria dos gambás que têm suas fotografias impressas na literatura consultada quanto à faixa que vai do pescoço à cauda, aqui ilustrado na figura acima. É de cor acinzentada/marrom escura.
As cadelas haviam-na pego de madrugada. Estava de costas, era fêmea e provavelmente ia a caminho de nossas amoreiras, jabuticabas ou uvaias. Membros desta espécie nos visitavam, antigamente, para desfrutar também das goiabas e nonas que tínhamos no quintal. Eu e minhas filhas, além do jardineiro,  tivemos a oportunidade várias vezes de afugentá-los daqui, antes de serem pegos pelos cães. São bichos bravos e valentes, mas ao deitar de costas para atacar o predador pela garganta, levavam a pior porque quase todos nossos cães têm ou tiveram pelagem abundante no pescoço, não podendo os gambás afundarem seus dentinhos afiados na região das carótidas ou jugulares. Nesses trinta e quatro anos que aqui habitamos, já foram mortos, provavelmente, uma boa dezena deles. Há cerca de dez anos, uma fêmea estava com alguns filhotinhos de poucas gramas que ainda se mexiam dentro do marsúpio rompido. Fui eu que a recolhi.
Na pressa de fugir, certa vez, um deles ficou com a perna presa numa forquilha de uma das amoreiras e tive de lhe dar uma mão empurrando-o pelos fundilhos para cima com a vassoura
Quase todas as obras consultadas fazem referência a duas bolsas ou glândulas perto do orifício anal, uma de cada lado e que são manipuladas por contração muscular, uma de cada vez para se prevenir contra um novo ataque de um predador, pois o líquido amarelo-amarronzado, semi-gelatinoso, leva alguns dias para se recompor. Apenas em dois trabalhos vistos na Internet é dito que as glândulas que expelem tal material estão localizadas nas axilas.3, 5, 11
Sua composição é conhecida. Contém substâncias químicas com enxofre [tióis, tradicionalmente denominados de mercaptanas (2-buteno-1-tiol, 3-metil-1butanetiol e 2-quinolinemetanetiol) assim como acetatos tiésteres destes compostos]. O cheiro pode ser descrito como uma mistura de ovos podres, alho e borracha queimada e, conforme a direção do vento, pode ser sentido pelo ser humano a quase dois quilômetros de distância, quando a concentração no ar é tão pequena quanto dez partes por bilhão. 5
Os gambás têm uma pontaria com acuidade de três a quatro metros o que mantém alguns predadores (ursos, lobos, lontras, cachorros-do-mato, ariranhas, etc.) bem longe ao avistá-los. O gavião-de-penacho, a harpia e a coruja branca-de-penacho são praticamente os únicos predadores reais do gambá por terem péssimo olfato e excelente acuidade visual, podendo avistar a vítima a milhares de metros. O vôo em mergulho ou rasante destas aves faz com que escapar se torne praticamente impossível para estes pequenos animais. 5
Antes de esguichar o líquido, o gambá, que se sinta ameaçado por algum possível predador, costuma chiar alto de forma sibilante, pisar duro nas patas (como que sapateando) e, levantando a cauda, mostrar sua parte traseira. O líquido pode causar cegueira temporária se atingir os olhos e seu horrível odor é muito difícil de ser removido da roupa ou do pelo dos animais. O cão doméstico não tem este treinamento natural e é frequentemente vítima deste contra-ataque. 5
O odor é também utilizado pelas fêmeas para atrair machos da mesma espécie por ocasião do período fértil para o acoplamento sexual. Durante a estação de procriação, a fêmea geralmente entra no cio, que dura um ou dois dias, a cada 28 dias. Em geral, nascem no máximo dez filhotinhos, mas já foram relatados casos de vinte e cinco. Pesam de uma a duas gramas e com alguma dificuldade acham o caminho para o marsúpio onde encontram abrigo, aquecimento e nutrição nas tetas da mãe. Os filhotes nascem cegos e surdos cobertos de uma camada de pelo. Desmamam aos dois meses de idade, permanecendo com a mãe que os carrega no marsúpio e posteriormente nas costas até estarem maduros para se tornarem independentes e prontos para se reproduzirem em torno de um ano de idade.3, 5, 9, 11
É um animal relativamente bonito, parecido com uma raposinha, pesando uns dois a dois quilos e meio. Ele usa a ponta do seu enorme rabo para se enganchar nos galhos das ávores. O rabo é descrito por alguns como uma cauda preênsil, redonda e grossa.11


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1 - Pediatra Sanitarista. Prof. Dr. (aposentado) da Faculdade de Saúde Pública USP. Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário MMCL. Membro Titular ativo da Associação Brasileira de Médicos Escritores SOBRAMES desde 2003, nível central SOBRAMES-BR, níveis regionais SOBRAMES-PE, SOBRAMES-RS.  Membro Honorário e Titular da SOBRAMES-CE. Dissidente e separatista da SOBRAMES-SP. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras (Cadeira 94 Patrono Dr. José Afonso Tavares Filho). Sócio Titular da Associação Paulista de Medicina e Associado da Associação dos Médicos de Santos. Membro Associado da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios Frei Gaspar da Madre de Deus de S. Vicente SP. Padrinho do MLSS - Movimento Literário Saberes e Sabores de S. Gonçalo do Sapucaí MG.

2 Wikipédia, A Enciclopédia Livre (http://www.google.com.br/search?hl=pt&source=...)

3 Wikipédia, A Enciclopédia Livre (http://www.suapesquisa.com/mundoanimal/gambá.htm)

4 Wikipédia, A Enciclopédia Livre (http://pt.wikipedia.org/wiki/Fuinha)

5The New Encyclopaedia Britannica. By Encyclopaedia Britannica Inc., 15th ed., 1980. Chicago/London/Toronto/Geneva/Sydney/Tokyo/Manila/Seoul.   - Printed in U.S.A.   
Micropaedia,   Vol. IX p. 262 e   Macropaedia,   Vol.7 p.814,   Vol.11 p.537-545 e   Vol.14 p.151

6 DOMENICO, H.D. Léxico Tupi-Português: com aditamento de vocábulos de outras procedências indígenas / Hugo Di Domenico; Colaboração de Cláudio Ferrari Righi. Taubaté-SP: UNITAU, 2008. [(Nota do autor desta crônica: O Professor Doutor Hugo Di Domenico, medico, co-fundador da Faculdade de Medicina de Taubaté, embrião da Universidade Federal de Taubaté, estava com 93 anos de idade em 2008 quando foi lançado este compêndio. É Membro Benemérito da Academia Taubateana de Letras. Foi membro participante assíduo do núcleo de Taubaté do MMCL - Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário. Em tamanho A-4, o alfarrábio possue 1.081 páginas e perto de 60 mil verbetes. Compilou esta obra após 20 anos viajando pelos Brasís a fora e quase cinco redigindo a obra. Como diz o jornalista Alexandre Marcos Lourenço Barbosa Aos 96 anos de idade, Di Domenico continua a ser bandeirante tupi ou dos tupis a abrir as veredas de brasilidade amalgamadas em nossa identidade. (In: Veredas de brasilidade. JORNAL o lince. Aparecida-SP: 20 de fevereiro de 2011. p.25) Seu léxico foi um destes presentões, recebido pessoalmente, que vieram a enriquecer consideravelmente nossa  biblioteca aqui em casa.]

7 TIBIRIÇÁ, L.C. Dicionário Tupi-Português.  São Paulo: Traço, 1984. Cit.por DOMENICO, H.D.

8 CUNHA, A.G. da Dicionário Histórico das Palavras Portuguesas de Origem Tupi (Prefácio-estudo de Antônio Houaiss). 4ª ed São Paulo-SP: Companhia Melhoramentos; Brasília: Universidade de Brasília, 1998.

9  Wikipedia, The Free Encyclopedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Skunk)

10 HARRIS, W.M. Tales From Paraguay As Told By Knub-Knock-See-Hay. (em fase final de composição)

11 InfoEscola (http://www.infoescola.com/mamiferos/gamba/