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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

POR WILLIAM HARRIS - O LICOR IRLANDÊS



O LICOR IRLANDÊS  1
                                                         William Moffitt Harris 2

Eram já oito horas da noite daquele outono de 1962 e minha esposa lavava as coisas do jantar na cozinha. Resolvi telefonar para o Tavares e convidá-lo para bater uma prosa em casa. Já tinha também jantado.
Assim que chegou, falei:
¾ Tavares, hoje é o dia nacional da Irlanda e meus irmãos e eu, como bons descendentes daquele estóico e bravo povo, costumamos      festejar tomando um golinho - e apenas um golinho, (entendeu?) - de um licor que de lá veio especialmente para a gente. Tanto é assim, que dividimos a garrafa em quatro e cada um ficou com um pouco. Nem rótulo minha garrafa tem.
Fui buscar nossa garrafa na despensa e me desculpei enquanto tirava o pó e teias de aranhas, porque só a pegávamos, conforme fui adiantando, naquela data, uma vez por ano.
Tavares me acompanhava com o olhar. Era de falar pouco.
Derramei um pouquinho em dois pequenos cálices para licor, tomando o cuidado de não passar da metade e informei:
¾ Só tem uma coisa, Tavares: tome bem devagarzinho porque é forte; na verdade, é muito forte. Sabe como é o clima lá naquelas partes, Irlanda, Escócia, Noruega, etc. O povo de lá está acostumado com coisas mais fortes do que a gente aqui nos trópicos, mesmo em fins de outono, como agora.
E, bem lentamente, dava o exemplo. Não tínhamos nenhuma bolacha típica irlandesa para oferecer, mas a Maria Lúcia tinha torrado um pouco de amendoim. Continuamos a conversar trivialmente e eu observava meu amigo de perto, porque sabia o quanto ele era influenciável por uma boa conversa.
Não deu outra.
¾ Mas que bebida gostosa, William. Realmente é muito, muito forte. Acho que nunca tomei algo tão alcoólico em minha vida. E que sabor! Dá até impressão de ser de alguma dessas frutas exóticas dos Alpes que a gente nem conhece.
¾ Dos Alpes, não diria, Tavares, mas provavelmente dos morros perto de Cork, na Irlanda, onde viveram alguns de meus antepassados.
Já tínhamos quase esvaziado nossos cálices, tomando o famigerado licor, de golinho em golinho, de permeio ao amendoim.
¾ Mas que coisa forte, William. Sabe que estou até me sentindo meio tonto? Nem vou tomar este restinho aí.
¾ O que é isto, Tavares, imagine só se meio cálice deste vai lhe afetar. Eu servi só um pouquinho, principalmente porque o licor da garrafa precisa durar pelo menos mais dez anos.
¾ Não, fora de brincadeira, William, meu caro colega, já nem estou enxergando direito. Acho que você vai ter de me levar para casa, depois desta. Amanhã cedo venho buscar o jipe.
Fiquei, realmente, preocupado. E se o Tavares despencasse e tivesse um coma hipoglicêmico psico-induzido?
¾ Eta, doutor Tavares, sabe o que o nobre colega acabou de tomar?
¾ Ué, você não me disse que era licor irlandês?
¾ É, mas foi somente uma brincadeira. Acabamos de tomar Vinho Reconstituinte Silva Araújo Roussel do SARSA! Poderíamos tomar o vidro todo e certamente, acostumados que somos a uma boa caipirinha que você me ensinou a fazer, nada sentiríamos.
Recuperou-se na hora e sorriu. Ascendeu seu cigarro de palha e, entre tossidas, pigarreadas e baforadas, desandou a rir sem parar.
Continuamos grandes amigos até seu falecimento, lá em Oswaldo Cruz mesmo, em novembro de 2007. Seu nome foi perpetuado como meu patrono da cadeira 94 da Academia Maceioense de Letras.



1 – Primeira versão publicada inicialmente no livro do autor Era Uma Vez Um Menino Travesso. São Paulo: Legnar Editora, 2004. p. 65 (esgotado). Apresentado, ligeiramente modificado, na 110ª tertúlia literária do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL (Núcleo de Sto André - SP, em 12/09/09), na reunião “Academia em Poesia” da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente - SP em 14/09/09 no Clube Elos, na tertúlia literária do Movimento Literário Saberes e Sabores - MLSS de S. Gonçalo do Sapucaí – MG em 22/02/10 e numa das reuniões periódicas de 2011 do MMCL em Sorocaba-SP. Publicado em Roda Mundo 2009 – Antologia Internacional. Itu – SP: Ottoni Editora, 2009. p.168 e em Memórias Sapucaienses. Itu – SP: Ottoni Editora, 2011. p.274 (coletânea não periódica do Movimento Literário Saberes e Sabores - MLSS de S. Gonçalo do Sapucaí – MG)



2 - Pediatra Sanitarista. Prof. Dr. (aposentado) da Faculdade de Saúde Pública – USP. Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL. Membro Titular ativo da Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES desde 2003, nível central SOBRAMES-BR, níveis regionais SOBRAMES-PE, SOBRAMES-RS.  Membro Honorário e Titular da SOBRAMES-CE. Dissidente e separatista da SOBRAMES-SP. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras. Sócio Titular da Associação Paulista de Medicina e Associado da Associação dos Médicos de Santos. Membro Associado da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente – SP.