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terça-feira, 31 de março de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (12º dia)


Por Arruda Bastos
Diário de uma quarentena (12º dia)
Armagedom

Na manhã de hoje, 31 de março de 2020, acordei com uma palavra martelando na minha cabeça e colada tipo chiclete. Acho que o programa “Roda Viva” de ontem da TV Cultura em que o entrevistado foi o biólogo, pesquisador e comunicador científico, Atila Iamarino, foi o responsável por isso. 

A entrevista foi excelente, esclarecedora e bem conduzida pela jornalista e apresentadora Vera Magalhães. As perguntas muito pertinentes e as respostas de uma clareza técnica irrefutável. O programa teve o seu tempo prorrogado por vários minutos graças à audiência e à participação de telespectadores nas redes sociais. 

Depois do programa, fiquei por algum tempo a meditar sobre algumas assertivas e previsões do pesquisador. Segundo ele, o isolamento vai ser fundamental para frear o número de mortes no Brasil e a pandemia de Covid-19 deve mudar para sempre a ciência, a imprensa, a política, o trabalho e os relacionamentos.

Depois de pegar no sono, os sonhos fluíram em sequência e a noite foi longa e entrecortada com muitos espasmos de pensamentos, sempre sobrepostos, sem uma lógica definida. Os filmes de ficção do meu passado povoaram uma boa parte do meu devaneio noturno.

Lembro-me de ter sonhado com alguns trechos do filme Armageddon que foi exibido em 1998. A trama do filme mostrava a saga de astronautas encaminhados a um asteróide para evitar o seu choque com a Terra. Para cumprir tal missão, é convocado o mais famoso perfurador (Bruce Willis), que compõe uma equipe de comportamento nada convencional. O certo é que, mesmo assim, o planeta foi salvo.

Armagedom é identificado na Bíblia como a batalha final de Deus contra a sociedade humana iníqua, em que numerosos exércitos de todas as nações da Terra encontrar-se-ão numa condição ou situação, em oposição a Deus e seu Reino por Jesus Cristo no simbólico "Monte Megido". Segundo Jeremias (46,10) essa guerra será perto do Rio Eufrates.

Muitas vezes a palavra armagedom está relacionada com o fim dos tempos, através de uma última batalha de destruição total. Também costuma ser usada para descrever um grande e importante conflito. Por esse motivo, esta palavra é bastante comum em vários filmes e seriados.

Não desejo que ninguém fique sugestionado com minha crônica de hoje. O filme teve um final feliz, com a salvação do planeta, e a Bíblia entrou de propósito no final para lembrar que ela pode ser uma grande companheira na nossa longa jornada de quarentena.  

Armagedom era a palavra da minha cabeça.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 12. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE).

POR TIAGO STUDART SINDEAUX: À vil metade

Dr. Tiago Studart Sindeaux
À vil metade 

Sua verve se insinua 
pelas brechas mal deixadas
Segue calma noite surda
madrugadas bem caladas

No seu grito se mistura 
a mordaça colocada 
Brado alto que machuca 
canto raso pela escada

De uma vida segue espúria
passo tão acorrentada 
Sombra é o que futura 
seu caminho está cansada 

Pobre bela branca pura 
era quando em casa estava 
Hoje segue apanha e suga
grana alma enterrada 

O tempo curto encena
se demora ilusão 
Dor figura obscena 
Pulsa escorre compaixão 

Carne cheiro olhos negros 
pele moça já rasgada 
Tua forma deixa em cada
cama solo macerada

Bocas braços pêlos vultos
Companhia de viagem
Ventos botes e sussurros
violentam cada parte 
Te separa de quem tudo 
fez te um dia baluarte 

Para e pensa num segundo
Nasce o dia cai a tarde 
Hoje à noite não tem mundo
que te tire te invade 
Segue a vida outro rumo
Dá-lhe norte 
À vil metade

Tiago Studart Sindeaux

POR MARCELO GURGEL CARLOS DA SILVA: O MENINO PRECOCE

Dr. Marcelo Gurgel Carlos da Silva - Ex Presidente da Sobrames-CE

O MENINO PRECOCE
Os irmãos do Prof. Eilson Goes de Oliveira, Suzana, Maria Amélia e Adbeel, como ele próprio, tinham verdadeira veneração pelo pai. O Dr. Luís era um homem simples, mas nem por isso, desprovido de classe. O porte ereto, o cuidado com a higiene e a indumentária, aliados à sua retidão de caráter e à cultura, de que era possuidor, faziam com que ele estivesse transitando, permanentemente, nos círculos sociais, entre artistas e políticos da época. O caçula Eilson era sua companhia frequente.
Um belo dia, o menino, aos cinco anos de idade, em meio a um evento político, na companhia do pai, subiu em uma cadeira, e, interrompendo a algazarra dos homens presentes, iniciou um discurso político em defesa do Senador Meneses Pimentel. E pasmem! Foi ouvido com atenção, aplaudido e convidado para repetir seu discurso, para o próprio senador, que o nomeou seu principal cabo eleitoral.
O certo é que o menino Eilson nunca se distanciou do adulto, Dr. Eilson; em que pese ter sido um estudioso sério e um cientista aplicado, a figura do menino jamais o abandonou, na intimidade, com a galhofa, a generosa risada, e a molecagem sadia norteando a sua vida e a dos seus irmãos.
Outro “causo” da infância aconteceu no dia que o pai daquele moleque tão politizado levou-o a um comício na Praça José de Alencar. O cantor Rui Ray era o responsável por animar a plateia. Em um determinado momento, ele começou a gritar o refrão “are, are, are...”, enquanto, num ponto da multidão, logo se formou uma nuvem de poeira. Foi quando o Dr. Luís deu conta do menino Eilson, lançando areia para cima, efusivamente. Perguntado porque fazia aquilo, ele respondeu convicto: – tô jogando areia...; o cantor tá pedindo!
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Ex-Presidente da Sobrames - Ceará
* Publicado, originalmente, In: SILVA, M.G.C. da. Contando Causos: de médicos e de mestres. Fortaleza: Expressão, 2011.112p. p. 13.
Fonte: SILVA, M.G.C. da. O menino precoce. In: SOBRAMES – CEARÁ. Pontos de vista. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2019. 352p. p.229.

POR SEBASTIÃO DIÓGENES: Minha primeira quarentena

Dr. Sebastião Diógenes

                                                Minha primeira quarentena


         A quarentena tem sido fértil em lembranças do passado.” (Arruda Bastos in Diário de uma quarentena; 11º. dia)
            Sempre tive sobrosso com quarentena. No início deste isolamento social, a primeira coisa que me veio à memória foi a lembrança dolorida da minha primeira quarentena. Foi o sarampo a causa deste sobrosso, que não me larga há 66 anos. Rogo a Deus, contudo, que não deixe o diabo do vírus chinês se meter no sobrosso do menino que fui.
O sarampo me foi um martírio. Fui levado para a casa do tio Astério, onde não havia crianças. Importante medida preventiva para não transmitir a doença para os irmãos. Esse isolamento, embora necessário, não o compreendia. Por isso me marcou profundamente na alma, porque passei dias e dias longe de casa. Dias de tristeza. Longe dos meus irmãos. Longe da Maria Pifane, que se autoproclamava minha mãe de criação. Ademais, era uma casa triste, a casa do tio, onde só habitavam adultos. Um deles, cronicamente enfermo. Ainda hoje escuto o gemido do irmão do papai, que já apresentava sintomas de uma doença neurológica, provavelmente de natureza degenerativa, que o levaria à morte muitos anos depois.
Tio Astério passava o dia deitado em uma rede, estendida na sala da frente, e não parava de gemer. Levantava-se somente para fazer as refeições à mesa e atender as necessidades corpóreas. À noite, recolhia-se ao quarto, mas continuava o mesmo tom lastimoso. O gemido tornava-se mais intenso, mais pungente, certamente, devido ao silêncio da noite.
Eu sentia muitas saudades de casa, que eram amenizadas com as visitas diárias da Maria Pifane, que chegava à noitinha. Eram momentos de felicidade, e esquecia o infortúnio do degredo. Quando adormecia, ela saia de mansinho para não me acordar, e pegava a estrada de volta, a pé. Na época, morávamos na fazenda Juiz, a meia légua dos Campos, a propriedade do tio.  Na manhã seguinte, ao despertar da noite feliz, Maria já não estava, e eu voltava a sofrer. E o tio, ainda no quarto, continuava anunciando a sua dor, que não cessava.  E eu chorava de saudade, baixinho, para não lhe atrapalhar o gemido. Pois, considerava aquele som plangente a coisa mais respeitável da casa.
Sebastião Diógenes
31-03-2020


segunda-feira, 30 de março de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (11º dia)



Por Arruda Bastos
Meu amigo de fé e um irmão camarada: o celular.

Nessa segunda-feira com cara de sexta, cheguei à conclusão que não posso me queixar da minha imaginação.  A quarentena tem sido fértil em lembranças do passado, motes inesperados e, mesmo faltando o cotidiano das ruas, que é o que mais me inspira, mesmo no dia que estava com a cabeça oca, sem pensamento e vazia de tudo, saiu alguma coisa na crônica do 5º dia.

Hoje, lembrei de um bordão que ficou famoso na novela “O Clone” da Rede Globo, exibida no ano 2000. A personagem era a Odete, protagonizada pela atriz Mara Manzan. Na trama, ela adorava holofotes e tinha como “point” preferencial o Piscinão de Ramos. Odete utilizava a frase “cada mergulho é um flash” para se referir ao assédio dos “paparazzi” que frequentavam o local.

Como na nossa quarentena as piscinas e praias não são permitidas, só me resta dizer que “cada dia é um flash”. E, no dia de hoje, o flash vai para o meu amigo e companheiro, o celular. Sei que ele não é mais um garoto, pois chegou ao Brasil em 1990 e a tecnologia para desenvolver o primeiro data de 1956, e o telefone móvel, de 1973. Ele, portanto, já pertence até ao grupo de risco.

Recordo do meu primeiro celular, um Motorola tijolão. De tão grande que era fiquei até com uma pequena escoliose. A bateria era um problema e durava pouco tempo. Depois veio um Nokia e outros menos charmosos. O certo mesmo é que ele era sinal de status e, mesmo sem usar muito, pois não tinha dinheiro para pagar a conta, era um sucesso na época.

Fui fazer as contas e já são trinta anos de união com meus celulares, que podem até ter mudado de cara e incorporado novas tecnologias, mas continuam os mesmos de sempre, juntinho ao corpo, companheiro e me acompanhando em todos os momentos de alegria, de preocupação e até de tristezas. 

Digo que nunca tinha pensado com carinho do meu celular e até antes do isolamento social sua importância era só para a comunicação. Hoje, depois de onze dias, sinto que ele é muito mais do que isso e se vier a me faltar agora, não sei como vai ser. O que será do meu whatsapp, das minhas redes sociais, das minhas aulas virtuais, das conferências pelo aplicativo Zoom.

O celular deixou de ser nessa quarentena um objeto ou ferramenta tecnológica para ser um sujeito que tem vida. São 24 horas acariciando, admirando, abraçando, andando, comendo e conversando com alguém inseparável. Acho até que ganhei mais um amigo de fé e um irmão camarada, como na música “Amigo” de Roberto Carlos. 

É importante ter carinho pelo seu celular e, se a lavagem das mãos e a higienização com álcool em gel são de extrema importância para conter o avanço do novo coronavírus, a limpeza dos celulares (que são tocados aproximadamente 2.600 vezes por dia), também merece sua atenção redobrada em tempos de pandemia.

Não devemos deixar de limpar o celular com carinho. Primeiro, desligue o bichinho e desconecte fios e cabos, retire a capa protetora (que deve ser higienizada separadamente), pegue um pano macio como flanelas ou iguais aos usados para limpar óculos, umedeça o tecido em álcool isopropílico 70% (específico para produtos eletrônicos) e, por fim, passe com carinho no seu amigo.

Não sabemos bem quanto tempo ainda vamos passar isolados, o certo é que sem um amigo celular não dá.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 11. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE).

POR JOSÉ FÁBIO BASTOS SANTANA: Tenho um novo herói

Dr. Fábio Santana 

Tenho um novo herói

            Lembram-se dos heróis da infância? Habitualmente, nossos primeiros heróis são os nossos pais. Herói, heroína, exemplos a serem seguidos. Depois o professor, sabe tudo!
            Ah! Tem também os heróis das histórias em quadrinhos, do cinema, da televisão e dos jogos de videogame. Afinal, o herói pode tudo! É forte, toma decisões acertadas, combate e vence os inimigos do mundo.
            Nesses momentos atípicos, o terror com o que não podemos ver, nos impõem novos heróis. Os heróis de agora podem ser os médicos, no extenuante trabalho de tratar enfermos. Enfermeiros, auxiliares, fisioterapeutas, funcionários da limpeza, todos exercendo suas funções com afinco, mesmo se expondo à famigerada infecção.
            O herói pode ser o papa que, mesmo aos de pouca fé, impressionou com seu caminhar solitário, parecendo carregar sobre os ombros o pesar do mundo.
            Não, Bial, os heróis não são os confinados em um programa televisivo como cometeste o descalabro de sugerir em uma de suas interlocuções.
            Existiram os heróis de guerra, embora guerras não devessem existir. Chamemos de herói somente bombeiros e gente da polícia que nos socorrem.
            Eu tenho um novo herói. Um jovem que saiu de casa para realizar um sonho. Galgado com dificuldade, entre documentações, visto de estudante, prazos curtos e despedidas, chegou à Salamanca, na Espanha, para um intercâmbio acadêmico. A Universidade de Salamanca, a mais antiga da Espanha, foi fundada no século XII. Escuela Politécnica Superior de Zamora, o campus de ingeniería civil.
            Nas fotos via-se a alegria estampada no rosto. Tudo ia bem, até viagem para as terras da rainha rolou. Na cidade, além das obrigações universitárias, aulas de espanhol. E, claro, muita interação com outros intercambistas. Sabemos dos agitos das cidades universitárias.
            De repente, tudo mudou. Nos noticiários só se fala do avanço de um famigerado vírus. O vírus, com sua virulência, tem nome, sobrenome e apelido: SARS-CoV-2, Novo Coronavírus ou COVID-19. Veio lá da China, que antes nos parecia tão distante. Mas, hoje, está a poucas horas de distância. Nas manchetes, não mais sorrisos estampados.
            Decisão de ficar. Enfrentar o momento, as adversidades. De quarentena, como o mundo inteiro, só que sozinho, longe, distante. Distância que se acentua, mais e mais, a cada fechamento de fronteira, a cada voo cancelado. Nas fotos, antes em animados encontros, sorridente, agora, ruas vazias e os poucos ângulos da janela.
            Saiu daqui um jovem sonhador, inexperiente, ainda por descobrir as agruras do mundo. Sei que voltará um homem, formado pelas vicissitudes da vida.
Tenho um novo herói, meu filho Tiago.

José Fábio Bastos Santana
                                                             

POR MANOEL FONSECA: Até quando deve persistir o isolamento social?


Até quando deve persistir o isolamento social?

A epidemia de Covid-19 está em franca expansão no Brasil e no Ceará, praticamente dobrando o número de casos a cada dia e, consequentemente, o número de óbitos. As medidas de isolamento social definidas pelos Governadores foram decisivas para reduzir a força da transmissibilidade viral nas comunidades. No entanto, como a testagem laboratorial só está sendo feita nos casos moderados e graves que chegam aos hospitais, devemos multiplicar, pelo menos, por cinco o quantitativo de casos, incluindo os 80% de casos leves, que não chegam a ser testados. Teríamos, então, em torno de 22.000 casos no Brasil e prováveis 1800 casos no Ceará. A tendência, portanto, é de expansão significativa de casos novos nas próximas semanas, mesmo com as medidas de isolamento social e, consequentemente, o aumento de casos moderados e graves, o que demandará a necessidade de uso de um maior número de respiradores artificiais, de leitos de UTI e de pessoal de saúde qualificado em cuidados intensivistas, sobrecarregando o sistema de saúde, que pode entrar em colapso.  A infraestrutura hospitalar está sendo expandida por governadores e prefeitos das capitais, com aumento de número de leitos de UTI e de respiradores, mas é fundamental persistir em medidas protetivas e de isolamento social por um tempo bem maior, para evitar a explosão da transmissão e, consequentemente, do aumento de casos graves e possíveis óbitos. O isolamento social só deve ser abrandado quando a curva epidêmica de casos novos estiver em descenso ou, pelo menos, estável e jamais quando estiver em ascensão, como vai acontecer por todo o mês de abril. A ampliação do número de testes é fundamental para o diagnóstico precoce e isolamento mais rigoroso das pessoas com teste positivo para Covid19,  mesmo nos casos leves, bem como a oferta de equipamento de proteção individual -EPI para os profissionais de saúde, para que não se contaminem, como já tem ocorrido no Ceará e no Brasil. Liberar o isolamento social neste fase de curva epidêmica ascendente é uma temeridade, que aumenta significativamente os riscos de explosão de casos e óbitos. A pressão dos governadores deve voltar-se agora para o Governo Federal, no sentido de agilizar a transferência de renda mínima para a população mais vulnerável, os autônomos, os desempregados e micro empreendedores individuais, para que possam suportar o tempo necessário de isolamento social.

Manoel Fonseca - médico epidemiologista e 
Mestre em Saúde Pública
Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia - Ceará

domingo, 29 de março de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (10º dia)


Diário de uma quarentena (10º dia)
Mãezinha, que falta a senhora me faz.

Estamos no décimo dia de quarentena e as notícias continuam cada vez mais preocupantes. No Ceará, as medidas de isolamento social implantadas, e agora prorrogadas, pelo governo levam à expectativa de um achatamento na onda do pico da epidemia, o que propiciará, se Deus quiser, uma melhor assistência aos enfermos.  

Eu, Marcilia e nossos filhos já perdemos a conta de quantas missas e terços que participamos e rezamos. Na manhã de hoje não foi diferente: rezamos o “Cerco de Jericó” da família Arruda Bastos. Quando iniciávamos, recordei da figura da minha querida mãe, Maria de Lourdes. Ela era uma católica fervorosa e, conjuntamente com meu amado pai, César Bastos, formava um abençoado casal. Eles, todos os dias, rezavam durante a madrugada um terço para cada filho e suas famílias, e veja que somos nove.

Sempre me considerei protegido pelas orações dos dois e, quando passava por alguma dificuldade, atribulação ou necessitava alcançar um difícil objetivo, ligava para mãezinha e solicitava uma cota extra de orações. Digo, como já escrevi em outras crônicas, que parecia que ela tinha uma linha direta com Deus, pois, na maioria das vezes, os seus pedidos eram atendidos.

Quando entre nós, eu considerava minha mãe uma santa de fato e, depois da sua morte, passei a considerá-la uma santa de direito. Por isso, quando recordo da sua figura iluminada e das suas virtudes, não me furto de pedir a sua intercessão a Deus e a Nossa Senhora. Sei que muitos dos meus irmãos estão fazendo o mesmo. 

Se você, meu leitor, ainda é abençoado e tem seus pais nesse plano terreno, é importante que tenha todo o cuidado com eles, principalmente os que se encontram no grupo de risco. É hora também de rezarmos e, na medida do possível, providenciarmos o conforto e o isolamento necessário.

Sei que existem também muitas famílias desajustadas e com graves problemas de relacionamento. Para elas, sugiro que procurem uma reconciliação. Que tal aproveitar o momento atual de dificuldade e de aproximação com Deus para fazer o mesmo com os pais e irmãos? O dia de amanhã é incerto, por isso o tempo urge.

Vamos ligar para nossos pais, irmãos e amigos. Estender a mão para aqueles mais necessitados e frágeis. O momento requer desprendimento, carinho, amor e fraternidade. A verdade é que ninguém sairá dessa como entrou. Alguns vão, com toda certeza, sair menores. Seja você do majoritário grupo que vai sair desse momento muito melhor do que entrou.

Para concluir o compromisso de ontem, bem cedinho tomei, com minha amada Marcilia, a vacina da gripe, enfrentando, como falei na crônica anterior, mais uma odisséia e a terra dos vírus gigantes. Voltamos ao mesmo Shopping e, ainda com o sol “friinho”, das mãos de carinhosas profissionais de saúde, vencemos mais essa etapa. Aleluia!

Para animar um pouquinho o nosso domingo, vou transcrever o post de um banner dos “minions sinceros e irônicos” que recebi da minha filha Lívia logo que acordei. Nele estava escrito: “Quando eu contar pros meus netinhos o que a gente viveu nesses meses de quarentena de 2020 eles vão dizer: pronto lá vem a véia mentirosa!”. Eu não duvido nada, mas para provar, sei que Lívia vai lembrar de procurar no fundo do baú as crônicas do seu pai “Diário de uma quarentena”.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 10. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE).

POR TIAGO STUDART SINDEAUX: Nunca para mim antes fora envolvente o tal do vídeo game, asseguro!


Nunca para mim antes fora envolvente o tal do vídeo game, asseguro! 

Nem mesmo na sua época áurea, pelos idos dos anos 80, quando o Atari era a febre, não diferente aqui na província de Alencar. 
Ainda que apesar da habilidade característica, sempre desbancando; no Enduro, River Raid e Pitfall; assanhados primos que apinhavam a ampla e ventilada sala cor de carne, na Praia do Futuro. 

Quem sabe fazendo respeitar o dito "Deus não dá asa à cobra". 

Isto posto, e entretanto, como para tudo na vida, "nunca diga nunca" nem mesmo "desta água não beberei", aqui estou, com barbas brancas e cabelos prateados defronte a um exemplar d'ele, do futuro! 

O bendito, de nome reduzido à duas letras e um número (PS4), sem sal! 
Mas de luzes aí sim envolventes, com imagens e nitidez de assombrar qualquer alienígena, quanto mais a mim, brabo que sou, aliás, talvez que era, visto que me hipnotizado encontro, pedindo licença apenas para escrever estas linhas que já me atrasam de volta ao "Play".

"Respeita lhe os queridos enganos: Nunca se deve tirar o brinquedo de uma criança.
Tenha ela oito ou oitenta anos" 
Mário Quintana 

Fortaleza, 29 de março de 2020

POR MANOEL FONSECA: Renda mínima para pessoas vulneráveis



Renda mínima para pessoas vulneráveis

É fundamental e urgente a necessidade do governo federal implementar estratégias rápidas e eficazes de oferecer recursos financeiros para que pessoas mais vulneráveis economicamente possam praticar o isolamento social e não passar fome. A decisão de transferir renda (de até 1200,00 por família vulnerável) tomada pelo Congresso é corretíssima e o governo Bolsonaro, infelizmente, retardou por um mês esta tomada de decisão, questionando o distanciamento social, dizendo que a COVID-19 era uma "gripezinha", instigando o não isolamento devido à economia, o que "autorizou" empresários inescrupulosos a fazerem perversa propaganda contra o isolamento e mesmo médicos, como Osmar Terra, que contraria a OMS e as evidencias científicas e zomba do isolamento social. O Ministério da Saúde foi lento em adquirir testes e usá-lo em massa, como aconteceu na Coreia do Sul, pois o diagnóstico precoce ajuda as medidas de controle e reduz drasticamente os óbitos. 
Nós estamos na fase crítica de ascensão da contaminação. O isolamento social, estabelecido pelos governadores, preservando o funcionamento dos serviços essenciais, permitiu um tempo minimo para criar a infraestrutura de suporte para o enfrentamento do pico da epidemia que acontecerá no próximo mês. Faz-se necessário ampliar radicalmente a oferta de testes e o controle rigoroso dos positivos, para prevenir o agravamento do quadro clinico e reduzir o número de óbitos, antecipando cuidados. Mas é decisivo agilizar a transferência de renda para os mais vulneráveis socialmente, ampliar radicalmente o bolsa-família, amparar os trabalhadores informais e microempreendedores individuais, dando-lhes condições minimas de sobrevivência para suportar a calamidade causada pelo COVID-19. 

UNIDOS SOMOS MAIS FORTES.

Manoel Fonseca - médico epidemiólogo e mestre em saúde pública.
Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia-Ceará

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (9º dia)

Dr.Arruda Bastos e sua esposa.
Por Arruda Bastos

Uma odisseia na terra dos vírus gigantes

No dia de hoje, após nove dias de quarentena sem colocar nem o pé fora do apartamento, resolvi, graças aos pedidos da Marcilia, aproveitar a bela tarde de sol desse sábado para nos vacinarmos contra a gripe. Pesquisamos e escolhemos para isso o estacionamento do Shopping Rio Mar Papicu, aqui em Fortaleza. O sistema drive thru, implantado para vacinação sem sair do carro, pareceu-me seguro.
Os preparativos para descer do apartamento e pegar o beco rumo ao Shopping lembrou a música “Tudo OK”, sucesso da cantora Mila, muito executada no último carnaval. A letra diz: “É hoje que ele paga todo o mal que ele te fez / Cabelo ok, marquinha ok, sobrancelha ok, unha tá ok / Brota no bailão pro desespero do seu ex / Se ele te trombar vai se arrepender / Uma bebê dessas nunca mais ele vai ter”.
Para a odisséia, tomamos banho, pegamos as máscaras, o álcool em gel, lenços descartáveis e tratamos de limpar os bolsos e as carteiras, só levando mesmo nossas identidades. Fundamentais, pois, depois que tirei a barba, poderia ser confundido com um broto, e Marcilia, com a quarentena, cada vez fica mais bela e jovem.
Depois de passar pela barreira do elevador usando muito álcool em gel nos botões e na porta, chegamos ao nosso bunker. Ao entrar, nova esterilização agora do volante, na marcha e em outras partes do painel. Ao ligar o carro, observei que o combustível estava na reserva. Lá foi mais estresse com a necessidade de abrir o vidro no posto, passagem do cartão na maquineta e digitação da senha. Novamente uma chuva de álcool em gel.
Não sei bem o motivo de, no caminho, lembrar do seriado “Terra de gigantes” que foi exibido na televisão brasileira por volta de 1968. Na época, eu era um rapaz e me recordo do enredo. A série mostrava a tripulação de uma nave espacial chamada Spindrift que, durante uma viagem de Los Angeles até Londres, entra numa dobra espacial e cai num planeta onde todos os habitantes são gigantes.
Na “viagem” ao nosso destino também recordei do filme “Uma Odisseia no Espaço”, exibido em 2001, e que tratava de uma missão espacial rumo ao planeta Júpiter, em que os astronautas se vêem à mercê do computador HAL 9000, que controla a nave. HAL cometeu um erro, mas recusa-se a admiti-lo. Seu orgulho de máquina perfeita impede que aceite a evidência da falha. Por isso, para encobrir a própria e insuspeitada imperfeição, começa a eliminar os membros da equipe.
Digo que passamos mesmo por uma Odisseia no Espaço e que o nosso cuidado de não contrair o coronavírus justificou a lembrança da série “Terra de gigantes”, só que o medo agora é de seres microscópicos e não de gigantes, como no seriado. Os ditos gigantes, na conjuntura atual, somos nós.
Para terminar, digo que o nosso intento não foi alcançado, pois depois de esperarmos mais de duas horas na reta, recebemos a triste notícia de que a vacina tinha acabado. Só nos restou voltar, com o rabo entre as pernas, e planejar uma nova odisseia na terra dos minúsculos vírus amanhã.
Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médico Escritores – SOBRAMES – CE.

POR: ANA MARGARIDA FURTADO ARRUDA ROSEMBERG - A HISTERIA CONTRA O ESCARRO NA GUERRA CONTRA A PESTE BRANCA


Ana Margarida Rosemberg e a Dama d'Auxerre - Louvre-Paris - setembro de 2019
A HISTERIA CONTRA O ESCARRO NA GUERRA CONTRA A PESTE BRANCA


A transmissibilidade da tuberculose (peste branca) foi controvérsia secular, pois a doutrina hipocrática da hereditariedade chegou a constituir um dogma até o século XIX. 
Em 1865, o francês Villemin provou que a tuberculose era transmissível inoculando material de animais doentes em outros sadios, tuberculizando-os. Porém, em 1882, coube ao alemão Robert Koch (1843-1910) o grande feito de identificar o agente causal da doença, o Mycobacterium tuberculose, que passou a ser chamado de bacilo de Koch.

Quando Koch apresentou o bacilo à comunidade científica, a tuberculose era responsável por 1/7 da mortalidade no mundo e um só tuberculoso era capaz de expelir, por dia, sete milhões de bacilos. 
O escarro, visto como o grande veículo do bacilo, passou a ser combatido com rigor. Até então, as pessoas expectoravam abundantemente atapetando o solo, as paredes, os móveis, os lenços e as roupas. Era preciso conscientizar a população a mudar esse hábito nefasto e, para isso, leis foram criadas para combater o péssimo costume de escarrar no chão e nas paredes.

Irromperam campanhas em diversos países do mundo orientando o uso das escarradeiras públicas e de bolso, contendo líquidos antissépticos. Por volta de 1890, surgiram na França as escarradeiras públicas e portáteis. As primeiras eram pesadas, de difícil manejo, com abertura de diâmetro reduzido, que dificultava o ato de escarrar sem molhar suas bordas e sem formar verdadeiras estalactites. Além disso, o ácido fênico, usado para neutralizar o bacilo, era tóxico e exalava mal cheiro, provocando náuseas e acessos de tosse nos tísicos.

Inúmeros cartazes com dizeres sobre o risco de escarrar no chão foram editados em vários países do mundo. 
No Brasil, as Ligas de Combate à Tuberculose e a Inspetoria de Profilaxia de Tuberculose (IPT) do Departamento Nacional de Saúde (DNS) do Distrito Federal encamparam esta forma de luta.  

Criou-se uma verdadeira guerra contra o escarro, chegando-se a uma histeria coletiva desencadeada pelas campanhas das instituições médicas. Em todos os países, viam-se cartazes afixados em diversos locais. Folhetos foram distribuídos às populações alertando-as sobre a transmissão da tuberculose. O comércio tirou proveito. Anunciavam-se escarradeiras próprias para hospitais, escritórios, fábricas, restaurantes, teatros, transportes coletivos etc.

Em Paris, empresas faziam propaganda de escarradeiras de bolso e porta-lenços antissépticos descartáveis. Em Berlim, inventaram um preparado aderente para colar nas solas dos sapatos que matava os bacilos. Usavam-se impermeabilizadores de assoalhos com substancias bactericidas. Uma empresa internacional vendeu colchões e travesseiros com antissépticos que matavam os bacilos. Nos Estados Unidos, foi promulgada portaria proibindo escarrar nos assoalhos, plataformas das estações e viaturas públicas. Os contraventores eram multados com 25 dólares ou 10 dias de prisão. Em Viena, a multa ia de 2 a 200 coroas com prisão de 6 horas até 20 dias. Os hotéis da Europa ofereciam apartamentos sem tapetes e sem cortinas.

No Brasil, a Liga Paulista Contra a Tuberculose solicitou o apoio da imprensa diária e a maior parte dos jornais da capital Paulistana inseriu em suas páginas, por muito tempo, essas máximas de profilaxia contra a tuberculose criando no espírito popular uma consciência sanitária. Foi votada uma lei que proibia escarrar nos teatros, igrejas, hotéis, casas de pensão, circos, frontões, prados de corridas, cafés, confeitarias, mercados etc. Esses estabelecimentos foram obrigados a instalar escarradeiras higiênicas coletivas, contendo líquido antissépticos, elevadas de um metro sobre o solo ou suspensas nas paredes.

Na guerra ao escarro foi relevante o papel que as escarradeiras desempenharam. As antigas de madeira cheias de areia e serradura foram, irremediavelmente, condenadas pela higiene. Aquelas de metal, vidro ou ferro esmaltado, apesar de mais asseadas, não foram toleradas por muito tempo por apresentarem pequeno tamanho e não permitirem a colocação de uma camada suficiente de líquido antisséptico para impedir a dessecação dos escarros. Depois, por serem instáveis, podiam tombar com facilidade, contaminando o chão com seu conteúdo e, por serem colocadas ao nível do solo, dificultavam a projeção dos escarros em seus interiores, principalmente quando suas aberturas não eram suficientemente amplas. Outro problema era a dificuldade para limpá-las e esterilizá-las por causa de suas reentrâncias. Todos esses inconvenientes das “cuspideiras” comuns justificavam sua condenação pela ciência sanitária como uma peça anti-higiênica para ser usada, principalmente, nos lugares públicos.

As escarradeiras fixas, de fácil limpeza e desinfecção, adaptadas às paredes e sempre a certa altura do assoalho, eram as mais aconselhadas. Afinal, essas escarradeiras higiênicas estavam sendo utilizadas nos países civilizados. Existiam vários tipos e modelos de escarradeiras e as mesmas tornaram-se objetos requintados que ornamentavam as residências dos ricos.  Os pobres escarravam no chão, dentro de seus dormitórios escuros e sem ventilação, espalhando bacilos e contaminando facilmente seus familiares.

É interessante observar que com o mesmo slogan, “É PROIBIDO”, o destino de dois objetos, escarradeira e cinzeiro, nas lutas contra a tuberculose e contra o tabaco, foi completamente diferente. Na primeira, as escarradeiras entraram na moda e se disseminaram por todos os lugares. Na segunda, os cinzeiros foram, paulatinamente, saindo de moda e desaparecendo, pouco a pouco, das residências e demais locais públicos.

Enquanto a profilaxia da tuberculose era feita através do combate ao escarro, o alemão Carl Georg Friedrich Wilhelm Flügge (1847-1923) mostrou, no finalzinho do século XIX, que não só a poeira seca (fruto da dessecação do escarro) era responsável pela transmissão do bacilo, mas, principalmente, a poeira líquida que o tuberculoso, a cada instante, projetava ao falar, tossir, espirrar e cantar. Essas gotículas carregadas de bacilos passaram a ser chamadas de gotículas de Flügge e tornaram-se as principais responsáveis pela propagação da tuberculose.

Porém, a ideia do perigo do escarro persistiu por muito tempo e só, paulatinamente, deu lugar a ideia de que as gotículas de Flüggle eram bem mais poderosas na transmissão da tuberculose. A partir de então, o tísico passou a ser visto como perigoso, não só pela sua expectoração, mas, principalmente, por sua presença.

 Hoje, sabe-se que a tuberculose se transmite através das gotículas de Flügge e só excepcionalmente através do escarro. Na época da guerra ao escarro, teria sido mais viável uma guerra às gotículas. Porém, elas não eram visíveis como o escarro e foi nele que Koch descobriu o bacilo.

Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg

Fortaleza, 29 de março e 2020

Fonte: ROSEMBERG, Ana Margarida Furtado Arruda. Guerra à Peste Branca – Clemente Ferreira e a Liga Paulista contra a Tuberculose - 1899-1947. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 2008.
 
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