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terça-feira, 24 de março de 2020

POR ISAAC FURTADO: SILÊNCIO

            
           SILÊNCIO

Estou aprendendo com o silêncio.
A ouvi-lo, senti-lo no ar,
o seu som assustador e vazio.
Mas, antes do silêncio escutava sapos.
Muitos deles em sinfonia no parque.
Os grilos escondidos no seu ofício.
Os Três-potes estridentes.
Os reticentes Bem-ti-vis da tarde.
Mas, dentre todos esses penosos,
nenhum, nada é mais meloso
e sereno do que o Sabiá afinado,
com o seu doce e arrastado canto.

Mas, voltemos ao silêncio.
Ao ensurdecedor silêncio do medo.
Da calmaria no oceano sem vento.
Silêncio da noite sem lua, ou intento.
Sim, no escuro também há silêncio.
O silêncio perdido do desconhecido,
do passado imperfeito de ontem,
do futuro pretérito interrompido.
E da morte? Ah! Silêncio maior não há.
Um pranto mudo não merecido.
É tanto silêncio, que uma folha seca
caindo no chão soa como um grito.

E as crianças? Se estão em silêncio,
boa coisa não estão fazendo.
Do idoso, o silêncio do esquecimento.
O silêncio engasgado do pecador,
no momento da última confissão.
De uma segunda-feira igual ao domingo.
Do freio de um ônibus quase vazio.
Da quadra de futebol proibida.
Do cachorro latindo distante.
Das ruas quase desertas.
Há silêncio por todo canto,
por toda parte um espanto.

Mas, e se eu soubesse do amanhã?
Se eu iluminasse a noite escura?
Soprando as velas dos jangadeiros?
Ou, mesmo se nada eu fizesse,
ainda assim haveria um silêncio.
O silêncio da ignorância,
da pergunta sem resposta.
O silêncio velado do amor,
ou da tímida inocência.
Do abraço amputado
e do beijo estalado?
Nem se fala!

Que o silêncio se transforme em oração,
não o resultado de um castigo divino.
Num momento forçado para reflexão.
Ou num pedido desesperado de Gaia.
O silêncio de toda uma nação,
de um planeta ajoelhado
em comunhão, que implora uníssono:

Não saia!

Amanhã eu te conto
e quebro esse silêncio
que esmaga o meu peito.
Amanhã, ou mês que vem.


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