REFLEXÃO SOBRE A PANDEMIA CAUSADA PELA COVID-19
De repente...
o vírus que estava tão longínquo, do outro lado do mundo, chegou ao Brasil modificando radicalmente a vida das pessoas.
o vírus que estava tão longínquo, do outro lado do mundo, chegou ao Brasil modificando radicalmente a vida das pessoas.
Vindo de diversos países
em aeronaves, albergado nos corpos de nossa elite endinheirada e viajada, o
vírus SARS-CoV-2 (coronavírus) desembarcou no Brasil, causando uma crise
sanitária sem precedentes.
Ao penetrar em um país
debilitado pelas crises: econômica e política, o vírus mostrou à sociedade
brasileira, já tão fraturada, machucada e dividida pelos embates na política,
que o problema maior do Brasil é a profunda e cruel desigualdade social.
Após a OMS, no dia
11/3/2020, declarar que a covid-19, nome da doença causada pelo coronavírus,
tornara-se uma pandemia, o mundo parou. O prepotente e poderoso Trump, que no
início desdenhou da epidemia, fez uma genuflexão diante do vírus, cuja
virulência era tamanha que feria de morte os sistemas de saúde e econômico do
mundo. As bolsas despencaram e o planeta entrou em pânico e em guerra contra um
inimigo invisível e mortal.
A PESTE BATE À PORTA DE TODOS
Segundo o historiador Yuval
Noah Harari, construir muros, restringir viagens, reduzir o comércio, embora necessário
nesse momento para deter a pandemia da covid-19, não vai proteger a humanidade
contra as doenças infecciosas. O verdadeiro antídoto para as epidemias não é a
segregação, mas a cooperação, frisa Harari.
Bem antes da
globalização, as epidemias matavam milhões de pessoas. No século XIV, antes do
avião e dos cruzeiros, a peste negra disseminou-se da Ásia Oriental à Europa Ocidental
em pouco mais de uma década, matando entre 75 a 200 milhões de pessoas (mais de
¼ da população da Eurásia). Na Inglaterra,
quase metade da população morreu. Em Florença, 50 mil de seus 100 mil
habitantes foram dizimados pela peste negra.
Em 1520, um único
hospedeiro de varíola que desembarcou no México, em março, disseminou a doença
e, em dezembro, uma epidemia de varíola devastou a América Central.
Em 1918, uma cepa de
gripe virulenta (gripe espanhola) se propagou por todos os cantos do planeta, infectando meio bilhão
de pessoas e matando 100 milhões delas, em menos de 1 ano.
Hoje, com o crescimento
populacional e a eficácia dos meios de transportes, os microorganismos se
espalham com maior facilidade, mas, por outro lado, temos uma arma poderosa
para vencê-los, a INFORMAÇÃO, diz Harari. Cientistas compartilham informações e
compreendem os mecanismos por trás das epidemias e o modo de combatê-las. Enquanto
os medievos nunca puderam saber a causa da peste negra, os cientistas, em
poucos dias, identificaram o genoma do coranavírus e já estudam o
desenvolvimento de uma vacina e medicamentos para cura da doença que nos assola.
COOPERAÇÃO E
SOLIDARIEDADE NOS SALVA
A covid-19 nos atinge
independente de classe social, raça, gênero e crença religiosa. Porém os
desvalidos são mais vulneráveis e pagarão preço mais alto. Por outro lado, a
solidariedade aflora forte, mostrando que faz bem a psique humana a compaixão
com os que sofrem. Criativas formas de ajuda foram colocadas em prática e as
pessoas passaram a valorizar as empregadas domésticas, as babás, os porteiros,
os entregadores, os lixeiros, enfim, toda uma classe social até então invisível
e, muitas vezes, menosprezada. Os médicos e os demais profissionais de saúde,
que estão na linha de frente dessa guerra, são os grandes heróis.
Não é a primeira e nem
será a última vez que uma peste atinge o mundo. Mas certamente é a primeira vez
que chega ao mundo globalizado e escancara as fragilidades do sistema. A crise
do liberalismo, que já estava posta por desencadear o crescimento da
desigualdade social no mundo, se acentua com a evidencia de que quanto mais
pobre é uma população pior é o efeito da epidemia. Ficou clara a necessidade de
fortalecer o Estado de bem-estar social. O neoliberalismo mais extremado, que
entrega a saúde e a previdência ao MERCADO, certamente será questionado, pois
em um momento de grande emergência é o ESTADO e não o MERCADO que pode resolver
as ameaças ao nosso bem maior, a vida.
Talvez a humanidade
compreenda que não podemos ter um sistema econômico baseado apenas na lógica do
custo, do lucro e da competição. Esse é o sistema atual do neoliberalismo
clássico que espero seja mitigado com outros valores. Acredito que o Estado de
bem-estar social sairá fortalecido dessa pandemia.
A finalidade de um SISTEMA
deve ser sempre o aumento do número de pessoas felizes e não a produção
desenfreada de objetos de consumo e uma renda per capita gigantesca que
aprofunda as desigualdades. Um país
realizado não é o país mais próspero, mas aquele em que o maior número de
pessoas tem acesso a saúde, educação, previdência, saneamento, cultura e lazer.
Um país realizado não é o mais eficaz economicamente, porque a competição
desenfreada produz eficácia a custo humano grande. Para cada vencedor há
dezenas de perdedores. Isso é desumano.
O sistema econômico, como
o sistema político, é uma construção cultural. Os valores que a gente escolhe
podem ser de um tipo ou de outro. A coisa mais importante que devemos entender
sobre a natureza das epidemias é que sua propagação em qualquer país põe em
risco toda a espécie humana.
Os vírus sofrem mutações
e precisamos proteger todas as pessoas em todos os países, diz Harari. Há
centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo sem acesso aos serviços mais
básicos de saúde. Oferecer assistência médica aos povos dos países pobres
protege os povos dos países ricos.
A ROTINA DA QUARENTENA
As pessoas confinadas em
suas casas com seus medos e angustias, retomados dos dramas históricos, tiveram
que entrar em uma rotina jamais imaginada: ler livros, assistir filmes, ouvir
músicas, cozinhar, faxinar, lavar roupa, cuidar dos filhos, meditar, exercitar
o corpo e até refletir sobre a vida, a morte e a finitude. Aliás, meditar sobre
a morte e a finitude é um dos exercícios filosóficos antigos que está presente
em Sócrates e Plutarco, entre outros.
Esse momento de quarentena nos
oferece alternativas de recriação de práticas, como a mudança de trocas
econômicas, sociais e psíquicas e nos mostra que a grave crise requer um
governo forte para nos salvar. A reflexão sobre como
estávamos vivendo nos faz questionar os nossos valores. Diante de uma tragédia
dessa dimensão, a solidariedade e a cooperação que afloram nas pessoas mostram a
importância de domesticar laços simbólicos para nos amparar e nos ajudar. Os
economistas dizem que todos nós sairemos mais pobres dessa pandemia. Os ricos
perdem quando as bolsas despencam, mas os pobres perdem muito mais. Na fase de
recuperação é importante tratar desigualmente os desiguais.
COMO SERÁ O MUNDO PÓS CORONAVÍRUS
O vírus desestruturou o
sistema de saúde e econômico de todo o planeta, alterando o eixo do mundo que
está se movendo rapidamente do Atlântico Norte, entre EEUU e Europa, em direção
ao Pacífico, na Ásia, onde estão: China, Japão, Coreia do Sul, Singapura, Hong
Kong, Malásia, Índia e Indonésia.
A história nos ensina que
o eixo do mundo não é fixo. Como a terra
e os astros do cosmos, ele se move. Na Antiguidade, estava no Crescente Fértil
(Egito, Mesopotâmia, Palestina e Fenícia). Depois, deslocou-se para o
Mediterrâneo em torno das cidades mercantis como: Veneza, Gênova e Florença.
Com as grandes navegações e a descoberta do Novo Mundo, o eixo começou a subir
passando pela Espanha, Portugal e Holanda, indo se fixar no Atlântico Norte entre os Estados Unidos e Europa.
É difícil fazer uma
previsão de como será o mundo pós pandemia do coronavírus, pois estamos atravessando
uma nebulosa. Certamente o mundo vai mudar. Depois da 2ª Guerra Mundial houve
mudanças importantes que ficaram evidentes com a Guerra Fria, a criação da ONU,
OIT, OMS. Isso vai ocorrer novamente. A saúde vai estar no centro das atenções.
Quando surgiu o Ebola, houve discussões sobre a importância do financiamento de
sistemas de saúde nacionais e internacionais e sobre a capacidade da OMS de
enfrentar as pandemias. Infelizmente a OMS perdeu recursos. Nesse novo mundo há
que se ter uma visão que leve em conta as condições de trabalho e da saúde das
populações. O coronavírus vai marcar o fim do “FIM DA HISTÓRIA” de Fukuyama. As
pessoas serão medidas não por suas visões ideológicas, mas pela capacidade de
enfrentar as crises que afetam a vida, o emprego e a renda mínima.
Segundo Daniel Cohen, professor
da Escola de Economia da França e Diretor do Departamento de Economia da Escola
Normal Superior, estamos entrando em uma nova forma de capitalismo: o capitalismo
digital. O mesmo está sendo acelerado pelas tecnologias que estão em funcionamento
hoje e que permitem viver e trabalhar à distância. A vida feita “on-line” vai
aumentar, cada vez mais, pós pandemia do coronavírus.
A ESPERANÇA
Depois que a peste negra,
no século XIV, golpeou a Europa sem dó e piedade, houve uma fase de recuperação
com o Renascimento. O século XVII foi desastroso com a peste bubônica, as
guerras religiosas e a guerra dos 30 anos, mas o século XVIII foi de superação.
Existe uma certa
evidencia de que depois de grandes choques há sempre uma recuperação. Essa é a
ESPERANÇA que devemos alimentar. A ESPERANÇA da superação da crise do coronavírus
e do alvorecer de um mundo melhor, mais igualitário, humano e justo.
ana margarida
arruda rosemberg
Fortaleza, 9 de
abril de 2020
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