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quinta-feira, 9 de abril de 2020

POR: ANA MARGARIDA ROSEMBERG - Reflexão sobre a pandemia causada pela covid-19


REFLEXÃO SOBRE A PANDEMIA CAUSADA PELA COVID-19

De repente... 
o vírus que estava tão longínquo, do outro lado do mundo, chegou ao Brasil modificando radicalmente a vida das pessoas.

Vindo de diversos países em aeronaves, albergado nos corpos de nossa elite endinheirada e viajada, o vírus SARS-CoV-2 (coronavírus) desembarcou no Brasil, causando uma crise sanitária sem precedentes.  

Ao penetrar em um país debilitado pelas crises: econômica e política, o vírus mostrou à sociedade brasileira, já tão fraturada, machucada e dividida pelos embates na política, que o problema maior do Brasil é a profunda e cruel desigualdade social.

Após a OMS, no dia 11/3/2020, declarar que a covid-19, nome da doença causada pelo coronavírus, tornara-se uma pandemia, o mundo parou. O prepotente e poderoso Trump, que no início desdenhou da epidemia, fez uma genuflexão diante do vírus, cuja virulência era tamanha que feria de morte os sistemas de saúde e econômico do mundo. As bolsas despencaram e o planeta entrou em pânico e em guerra contra um inimigo invisível e mortal.

A PESTE BATE À PORTA DE TODOS

Segundo o historiador Yuval Noah Harari, construir muros, restringir viagens, reduzir o comércio, embora necessário nesse momento para deter a pandemia da covid-19, não vai proteger a humanidade contra as doenças infecciosas. O verdadeiro antídoto para as epidemias não é a segregação, mas a cooperação, frisa Harari.

Bem antes da globalização, as epidemias matavam milhões de pessoas. No século XIV, antes do avião e dos cruzeiros, a peste negra disseminou-se da Ásia Oriental à Europa Ocidental em pouco mais de uma década, matando entre 75 a 200 milhões de pessoas (mais de ¼ da população da Eurásia).  Na Inglaterra, quase metade da população morreu. Em Florença, 50 mil de seus 100 mil habitantes foram dizimados pela peste negra.

Em 1520, um único hospedeiro de varíola que desembarcou no México, em março, disseminou a doença e, em dezembro, uma epidemia de varíola devastou a América Central.

Em 1918, uma cepa de gripe virulenta (gripe espanhola) se propagou por todos os cantos do planeta, infectando meio bilhão de pessoas e matando 100 milhões delas, em menos de 1 ano.

Hoje, com o crescimento populacional e a eficácia dos meios de transportes, os microorganismos se espalham com maior facilidade, mas, por outro lado, temos uma arma poderosa para vencê-los, a INFORMAÇÃO, diz Harari. Cientistas compartilham informações e compreendem os mecanismos por trás das epidemias e o modo de combatê-las. Enquanto os medievos nunca puderam saber a causa da peste negra, os cientistas, em poucos dias, identificaram o genoma do coranavírus e já estudam o desenvolvimento de uma vacina e medicamentos para cura da doença que nos assola.

 COOPERAÇÃO E SOLIDARIEDADE NOS SALVA

A covid-19 nos atinge independente de classe social, raça, gênero e crença religiosa. Porém os desvalidos são mais vulneráveis e pagarão preço mais alto. Por outro lado, a solidariedade aflora forte, mostrando que faz bem a psique humana a compaixão com os que sofrem. Criativas formas de ajuda foram colocadas em prática e as pessoas passaram a valorizar as empregadas domésticas, as babás, os porteiros, os entregadores, os lixeiros, enfim, toda uma classe social até então invisível e, muitas vezes, menosprezada. Os médicos e os demais profissionais de saúde, que estão na linha de frente dessa guerra, são os grandes heróis.

Não é a primeira e nem será a última vez que uma peste atinge o mundo. Mas certamente é a primeira vez que chega ao mundo globalizado e escancara as fragilidades do sistema. A crise do liberalismo, que já estava posta por desencadear o crescimento da desigualdade social no mundo, se acentua com a evidencia de que quanto mais pobre é uma população pior é o efeito da epidemia. Ficou clara a necessidade de fortalecer o Estado de bem-estar social. O neoliberalismo mais extremado, que entrega a saúde e a previdência ao MERCADO, certamente será questionado, pois em um momento de grande emergência é o ESTADO e não o MERCADO que pode resolver as ameaças ao nosso bem maior, a vida.

Talvez a humanidade compreenda que não podemos ter um sistema econômico baseado apenas na lógica do custo, do lucro e da competição. Esse é o sistema atual do neoliberalismo clássico que espero seja mitigado com outros valores. Acredito que o Estado de bem-estar social sairá fortalecido dessa pandemia.

A finalidade de um SISTEMA deve ser sempre o aumento do número de pessoas felizes e não a produção desenfreada de objetos de consumo e uma renda per capita gigantesca que aprofunda as desigualdades.  Um país realizado não é o país mais próspero, mas aquele em que o maior número de pessoas tem acesso a saúde, educação, previdência, saneamento, cultura e lazer. Um país realizado não é o mais eficaz economicamente, porque a competição desenfreada produz eficácia a custo humano grande. Para cada vencedor há dezenas de perdedores. Isso é desumano.

O sistema econômico, como o sistema político, é uma construção cultural. Os valores que a gente escolhe podem ser de um tipo ou de outro. A coisa mais importante que devemos entender sobre a natureza das epidemias é que sua propagação em qualquer país põe em risco toda a espécie humana.

Os vírus sofrem mutações e precisamos proteger todas as pessoas em todos os países, diz Harari. Há centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo sem acesso aos serviços mais básicos de saúde. Oferecer assistência médica aos povos dos países pobres protege os povos dos países ricos. 

A ROTINA DA QUARENTENA

As pessoas confinadas em suas casas com seus medos e angustias, retomados dos dramas históricos, tiveram que entrar em uma rotina jamais imaginada: ler livros, assistir filmes, ouvir músicas, cozinhar, faxinar, lavar roupa, cuidar dos filhos, meditar, exercitar o corpo e até refletir sobre a vida, a morte e a finitude. Aliás, meditar sobre a morte e a finitude é um dos exercícios filosóficos antigos que está presente em Sócrates e Plutarco, entre outros.

            Esse momento de quarentena nos oferece alternativas de recriação de práticas, como a mudança de trocas econômicas, sociais e psíquicas e nos mostra que a grave crise requer um governo forte para nos salvar. A reflexão sobre como estávamos vivendo nos faz questionar os nossos valores. Diante de uma tragédia dessa dimensão, a solidariedade e a cooperação que afloram nas pessoas mostram a importância de domesticar laços simbólicos para nos amparar e nos ajudar. Os economistas dizem que todos nós sairemos mais pobres dessa pandemia. Os ricos perdem quando as bolsas despencam, mas os pobres perdem muito mais. Na fase de recuperação é importante tratar desigualmente os desiguais.

COMO SERÁ O MUNDO PÓS CORONAVÍRUS

O vírus desestruturou o sistema de saúde e econômico de todo o planeta, alterando o eixo do mundo que está se movendo rapidamente do Atlântico Norte, entre EEUU e Europa, em direção ao Pacífico, na Ásia, onde estão: China, Japão, Coreia do Sul, Singapura, Hong Kong, Malásia, Índia e Indonésia.

A história nos ensina que o eixo do mundo não é fixo.  Como a terra e os astros do cosmos, ele se move. Na Antiguidade, estava no Crescente Fértil (Egito, Mesopotâmia, Palestina e Fenícia). Depois, deslocou-se para o Mediterrâneo em torno das cidades mercantis como: Veneza, Gênova e Florença. Com as grandes navegações e a descoberta do Novo Mundo, o eixo começou a subir passando pela Espanha, Portugal e Holanda, indo se fixar no Atlântico Norte entre os Estados Unidos e Europa.  

É difícil fazer uma previsão de como será o mundo pós pandemia do coronavírus, pois estamos atravessando uma nebulosa. Certamente o mundo vai mudar. Depois da 2ª Guerra Mundial houve mudanças importantes que ficaram evidentes com a Guerra Fria, a criação da ONU, OIT, OMS. Isso vai ocorrer novamente. A saúde vai estar no centro das atenções. Quando surgiu o Ebola, houve discussões sobre a importância do financiamento de sistemas de saúde nacionais e internacionais e sobre a capacidade da OMS de enfrentar as pandemias. Infelizmente a OMS perdeu recursos. Nesse novo mundo há que se ter uma visão que leve em conta as condições de trabalho e da saúde das populações. O coronavírus vai marcar o fim do “FIM DA HISTÓRIA” de Fukuyama. As pessoas serão medidas não por suas visões ideológicas, mas pela capacidade de enfrentar as crises que afetam a vida, o emprego e a renda mínima.

Segundo Daniel Cohen, professor da Escola de Economia da França e Diretor do Departamento de Economia da Escola Normal Superior, estamos entrando em uma nova forma de capitalismo: o capitalismo digital. O mesmo está sendo acelerado pelas tecnologias que estão em funcionamento hoje e que permitem viver e trabalhar à distância. A vida feita “on-line” vai aumentar, cada vez mais, pós pandemia do coronavírus.

A ESPERANÇA

Depois que a peste negra, no século XIV, golpeou a Europa sem dó e piedade, houve uma fase de recuperação com o Renascimento. O século XVII foi desastroso com a peste bubônica, as guerras religiosas e a guerra dos 30 anos, mas o século XVIII foi de superação.

Existe uma certa evidencia de que depois de grandes choques há sempre uma recuperação. Essa é a ESPERANÇA que devemos alimentar. A ESPERANÇA da superação da crise do coronavírus e do alvorecer de um mundo melhor, mais igualitário, humano e justo.

ana margarida arruda rosemberg

Fortaleza, 9 de abril de 2020




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