Diário de uma quarentena (60º dias)
Devagar com o andor, que o santo é de barro
Por Arruda Bastos
No último dia 25 de maio de 2020, completei o meu sexagésimo dia de quarentena e as últimas notícias são de leve melhoria dos indicadores de casos novos e de procura de atendimento em hospitais das Operadoras de Plano de Saúde e em alguns equipamentos da saúde pública em nossa Fortaleza.
O governador Camilo Santana tem falado na possibilidade de, a partir de segunda-feira, dia 1° de junho, iniciar um gradativo programa da reabertura da economia no Ceará. O detalhe do plano de flexibilização deve ser divulgado nos próximos dias.
Com essas informações, lembrei-me do ditado popular que diz “devagar com o andor, que o santo é de barro”. O ditado, sem dúvida, cabe como uma luva no momento atual. Para lembrar, destaco: em muitas procissões, as imagens dos santos são carregadas em andores, que são tablados de madeira com duas barras e paralelas, que servem para apoiar nos ombros dos que carregam as imagens.
O ditado tem como moral que tudo na vida precisa ser feito com cuidado e calma, senão o santo pode escorregar, cair e quebrar, pois é feito de barro (louça ou cerâmica). Assim, a expressão "devagar com o andor, que o santo é de barro" passou a ser usada para significar "Calma! Não se apresse, pois a precipitação pode causar problemas." No caso da pandemia, esse cuidado é fundamental.
Continuando no mote de hoje, digo que no início da semana recebi do meu colega e grande amigo Manoel Fonseca uma minuta de uma carta aberta para ser encaminhada ao Governador Camilo Santana. O documento alertava para a necessidade da continuidade do isolamento social por mais algum tempo, pois os números ainda preocupam.
Depois de ler o texto, trocar algumas mensagens e ligar para o Fonseca, resolvi fazer, durante a noite, algumas pequenas mudanças no documento e depois publicar nas redes sociais da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia do Ceará. Com o alerta do colega, editamos o documento e divulgamos com mais intensidade. A parceria, mais uma vez, deu certo, apesar de parecer no início um pouco capenga.
Para resumir a crônica de hoje, vou copiar e colar a Carta aberta ao Governador com nossas reflexões. Espero que o texto sirva de alerta, pois, como falei anteriormente, “devagar com o andor, pois o santo é de barro”.
“Carta aberta ao Governador Camilo Santana
Sabemos das pressões do setor produtivo sobre nosso governador, Camilo Santana, para a retomada das atividades e término do isolamento social.
Compreendemos a apreensão dos trabalhadores, desempregados e dos que vivem de pequenos negócios, em conseguir recursos para suas famílias, principalmente porque o Governo Bolsonaro põe mil e uma dificuldades para liberar o auxílio emergencial de R$ 600,00 e o crédito para pequenas e médias empresas, aprovados pelo Congresso Nacional.
Entendemos que a epidemia em Fortaleza chegou ao ponto mais alto e parece começar a estabilizar, lentamente, o número de casos e óbitos, chegando-se a um platô. Mas o Ceará, com 35.595 confirmados até este domingo, é o terceiro Estado em letalidade (6,5%), superando a média do Brasil (6,2%), só sobrepujado por Rio de Janeiro, com letalidade de 10,52% e Pernambuco, com letalidade de 7,9%.
Fortaleza, que se apresenta como epicentro da epidemia no Ceará, tem uma letalidade da mesma magnitude de Pernambuco e a expansão de casos e óbitos está ainda acelerada nos bairros da periferia.
O Sistema de Saúde, público e privado, está operando próximo ao limite de sua capacidade de oferta de leitos de UTI e de respiradores mecânicos.
Será preciso manter o isolamento social rígido por mais tempo, até que a curva de crescimento da epidemia comece a cair, permitindo avaliar a oportunidade de abertura programada das atividades econômicas e redução do isolamento social, persistindo os cuidados de proteção, para evitar uma nova onda de casos e óbitos.
Esperamos, sinceramente, que o Sr. Governador análise com sabedoria este quadro preocupante.
Será que não seria uma temeridade, no início da tendência de estabilização de casos e óbitos, afrouxar as medidas de isolamento social?
Fazemos um apelo ao Governador Camilo Santana, para que resista, por um pouco mais de tempo, às pressões e esperamos que a sociedade mantenha seu espirito de solidariedade, compreensão e generosidade, no sentido de salvar mais vidas, particularmente da população de bairros da periferia, onde a epidemia está concentrada agora e em expansão ainda acelerada.
Sr. Governador Camilo Santana, amplie por mais tempo o isolamento social rígido e proteja mais vidas de nosso povo. Que o povo possa, então, se reencontrar, após a quarentena, mais livre, de forma mais segura e sempre com cuidado e proteção.
Nosso apoio e confiança, Sr. Governador Camilo Santana, e que V. Sia. se ilumine para tomar a decisão mais sábia e correta.
Fortaleza, 25 de maio de 2020
Manoel Fonseca é Médico Sanitarista, Especialista em Epidemiologia, Mestre em Saúde Pública, Ex-Secretário de Saúde de Fortaleza
Arruda Bastos é Médico Sanitarista, Oncologista, Gestor em Saúde, Prof. Universitário e Ex-Secretário de Saúde do Estado do Ceará
Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Essa foi a do dia 60. #FiqueEmCasa
Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES – CE.
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