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sábado, 9 de fevereiro de 2013

POR SEBASTIÃO DIÓGENES - A CHACINA


Dr. Sebastião Diógenes - Médico e Tesoureiro da SOBRAMES-CE
                                            A CHACINA
                O tio materno trouxe o menino para criá-lo na cidade, a muitas léguas do norte de Minas, lugar da tragédia. As pessoas olhavam-no com grande compaixão, viam nele a graça do milagre, porque conheciam a história do assassínio da família. Único sobrevivente, o menino crescia, mostrava aos colegas na escola, com a natural inocência da idade, a cicatriz no braço que lhe dava uma ideia de herói.

            Conjecturas povoavam o imaginário popular. A irmã mais velha teria morrido com o meninozinho nos braços. A lâmina da faca, de muitas polegadas, ainda escorrendo o sangue dos pais e dos dois irmãos, atingiu-lhe o bíceps braquial antes de cortar o coração da irmã, que o continha contra o peito. O menino, que ainda não sabia falar, fora encontrado banhado de sangue ressequido ao lado do cadáver.

Eram seis horas quando o matador deu início o serviço de encomenda. O contrato seria para matar o pai, por uma suposta questão de terra, a disputa da nascente na divisa do terreno. Naquela fatídica hora, o pequeno fazendeiro estava no curral, sentado no banquinho de madeira tosca, fazendo a ordenha da manhã, quando foi mortalmente golpeado pelas costas. Não teve a chance de ver o assassino, só a mulher, nos afazeres da cozinha, o viu pela janela.

Deu-se sequência à tragédia: “Covarde, covarde”, correu a indefesa senhora em direção à porteira do curral. Os gritos desesperados acordaram os filhos, ainda meninos. Estremunhados, acorreram ao terreiro da casa, onde encontraram a mãe ensanguentada e agonizando. Tentaram escapar. Foram alcançados um por um pela mão assassina, esfaqueados, e jogados ao lado do corpo da mãe.

            O matador fazia as contas nos dedos banhados em sangue, faltava gente, conhecia a família: os pais e os quatro filhos, contando o novinho. Ficou atordoado, faltava gente, lembrou-se que havia uma menina, sim, quase mocinha. Ela escondera-se com o meninozinho no quarto dos arreios, um quartinho meio esquecido ao lado da casa. Teve a tenência de abafar o choro da criança com a concha da mão, não teve jeito. O malvado encontrou-os apavorados, ela encolhida a um canto, tremendo de medo, com os olhos arregalados em sugestão de súplica. O irmãozinho nos braços, contido contra o peito. O facínora não tivera piedade, aplicou-lhes um único golpe, os mataria de uma vez. Limpou a lâmina da faca de muitas polegadas na esteira que estava no cavalete das selas. Deu por encerrado o cruel serviço de encomenda. Certificou-se que não deixara testemunha e fugiu pela mata rala da caatinga dos gerais.

Apresentou-se ao mandante do crime para a prestação de contas do hediondo serviço. Os detalhes da matança. O desespero: o horror da elucidação.

- Você é louco?

Por outras mãos, o matador de encomenda não teria tido tempo de tomar ciência que o menino, que ainda não sabia falar, escapara com vida. Conjecturas, diligências...! Com o tempo caíram no esquecimento da polícia. Ninguém foi preso. E nunca se soube os verdadeiros nomes dos autores da chacina: nem do mandante, nem do Mata Cinco.

O menino da cicatriz no braço, que as pessoas da cidade viam nele a graça do milagre, vingou, amou, tornou-se pai e chegou a vovô, porque esta história é muito antiga.

                                                                   Sebastião Diógenes.

                                                                            21-10-2012.     

3 comentários:

  1. Parabéns Dr Sebastião! Muito triste, mas é um relato de uma realidade que aconteceu e ainda poderá acontecer...

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  2. Parabéns! O relato é cruel, mas real...

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