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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

POR FLÁVIO LEITÃO - A EXECUÇÃO



Dr. Flávio Leitão - Médico e Ex-Presidente da SOBRAMES-CE
                                          A EXECUÇÃO


 Quanto menos sabedoria, maior a felicidade – Erasmus de Rotterdam


Não se sabe ao certo porque o professor Absalão, um protestante fundamentalista, conhecedor de cor do significado de todos os milhares de nomes bíblicos que povoam as incontáveis histórias do Sagrado Livro, dera aos seus 12 filhos epítetos de personagens do livro santo.

Dizem os mais aproximados a ele que se tratava de tradição familiar quincentenária, iniciada no tataravô de seu tataravô, para comprovar sua origem judaica da qual sentia um santo orgulho.

Por exigência da mulher, contudo, que por seu turno primava em ser uma  católica ortodoxa, ao nascer-lhe o primeiro da numerosa prole, levou-o à pia batismal da igrejinha de sua cidade natal, onde paranifado pelo piedoso padre Moacir, recebeu o incomum nome de Obede .

Parecia ter o pai poderes de pitonisa, pois se o significado do esdrúxulo nome é definir “aquele que serve”, passou realmente Obede toda sua vida servindo, desinteressadamente, com esfuziante alegria que lhe era inerente, aos mais necessitados da sociedade moderna – os sofridos e injustiçados operários. Serviço aliás, duro de ser desempenhado mas que ele executava com afinco e denodo, na qualidade de advogado trabalhista.

É do conhecimento de todos que a Lei Trabalhista é benevolente para com o operário, fugindo assim, ao raciocínio lógico do sofista Cálicles de que a Lei é a vontade do tirano.

Mas, apesar da assertiva grega de ser justo o que convém ao mais forte, o Dr. Obede saia-se vitorioso, na maioria de suas lides a favor de seus constituintes, indiscutivelmente os mais fracos nesse tipo de contenda.

Mesmo diante da justíssima sugestão de Santo Agostinho, o bispo de Hipona de que a Lei deva tratar diferentemente, os socialmente desiguais, havia um grande fosso cultural, separando as duas partes, dificultando, sobremaneira, o trabalho de Obede.

De um lado as matreirices de alguns patrões, tudo contribuindo para anular a aparente benesse da Lei e, consequentemente tornar árduo o trabalho de Obede, do outro lado o operário bobo, analfabeto, desconhecedor de seu valor intrínseco.

Com o passar do tempo, entretanto, primando por se comportar como intransigente defensor do operariado, nas frequentes contendas entre patrão e operário, tornou-se Obede conhecido e próspero advogado, detentor de famosa banca advocatícia, mesmo tendo optado pelo lado mais fraco da contenda.

Recusara, em várias ocasiões, quando ainda jovem, tentadoras ofertas para engajar-se em escritórios de grandes empresas que o compensariam com substancial e invejável salario.

A  todo canto de sereia recusou-se ouvi-lo, sem desdém, mas com determinismo, mantendo-se fiel aos ditames de seu foro íntimo que o impelia ao devotamento total aos pertencentes ao lumpemproletariado, no dizer do jargão marxista.

Certa tarde reaparece-lhe no escritório, fim de expediente, um  cliente operário, praticamente analfabeto, muito cioso da religião que abraçara - o pentecostalismo -.

Era desses que se julgam arautos da fé cristã, passando ao exercício intempestivo e enfadonho da citação automática de alguns dísticos bíblicos, que logo identificam os seguidores de Lutero, terminando pelo “Deus seja louvado!”. Terminada a litania indaga ao Dr. Obede pelo seu processo.

Verificadas as fichas cadastrais de todos os constituintes iniciados pela letra J, finalmente chega-se à do senhor José Ataliba da Silva Beraldo.

O Dr. Obede faz uma leitura dinâmica da ficha e abre-se em um agradável sorriso, afirmando: seu Beraldo, o Juiz deu-nos ganho de causa. Infelizmente seu ex-patrão recusou-se a pagar, razão porque vou ter que executá-lo.

Seu Beraldo demonstrou certo grau de alegria, mas depois, entre constrangido pelo inusitado da proposta que acabara de ouvir de seu advogado e ao mesmo tempo, querendo um mínimo de Justiça replicou: Doutor eu sou da religião Pentecostal, assim, não concordo em executar o ex-patrão, muito embora ele o mereça.

Prefiro, portanto, por causa desta santa religião, que o senhor mande apenas dar uma boa pisa no homem...
                                                                       Flávio Leitão

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