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sábado, 9 de fevereiro de 2013

POR CELINA CÔRTE - ARTE MODERNA



Dra. Celina Côrte Pinheiro - Médica e Presidente da SOBRAMES-CE


                                         ARTE MODERNA

  
Se feiúra matasse, Joselindo nem teria nascido. Aliás, para falar a verdade, sequer teria sido concebido. Não que ele fosse deformado ou portador de alguma anomalia congênita. Nada tinha a mais, nem a menos. Era simplesmente feio, muito feio! Magro, compridão, rosto quadrado e escaveirado, dentuço, com olhos assimétricos e escondidos por trás de dois fundos de garrafa, orelhas de abano, sem contar o cabelo ralo e desordenado. O conjunto decepcionava à primeira vista e talvez o nome Joselindo decorresse de uma tentativa frustra de seus pais para disfarçar tanta feiúra. Chegou a receber uma proposta de emprego como espantalho em uma fazenda qualquer da região, o máximo da hostilidade social. Rejeitou-a, naturalmente! O estandarte de Joselindo não era o seu aspecto físico. Sobrepunha-se a isto de maneira elegante. Tinha a alma boa, a auto-estima elevada, era inteligente, bem humorado e captava amigos com facilidade.
Como paixão não avisa, nem mede distância, aproximou-se de Doralice, fina flor de pessegueiro, cheirosa, suave e cobiçada pela maioria dos rapazes do bairro. A moça, como era previsto, não se interessou por ele. Ao contrário, considerou o desejo do rapaz um verdadeiro acinte! Ela se sentia a própria princesa dos contos infantis, contudo não nutria qualquer interesse por sapos encantados. Joselindo, porém, não desistia e seguidamente lançava olhares lânguidos à bela dos seus sonhos.  Insiste daqui, insiste dali e Doralice se esquivando, até certo dia, quando a moça pareceu disposta a ceder às reivindicações afetivas de Joselindo. Propôs conversar com ele na pracinha, ao cair da tarde. O moço acreditou que finalmente seu sonho de amor iria se realizar. Sua mente voou a ponto de se imaginar em trajes de noivo, aguardando a entrada triunfal de Doralice, ladeada por damas de honra bailantes como colibris. Ao se encontrarem, a moça, querendo dar um definitivo fim ao sonho do rapaz, lançou-lhe um olhar profundo e, insensível, falou:
- Joselindo, vou ser absolutamente sincera e honesta com você. Sabe por que não quero namorá-lo? É porque você é ho- rro- ro-so!
Não satisfeita em acentuar cada sílaba, ainda repetiu: - Está entendendo? Ho-rro-ro-so! Não combina comigo!
Joselindo conteve a emoção negativa com muita galhardia. Ergueu um pouco a cabeça, como se desejasse exibir ainda mais a feiúra, coçou uma espinha vaidosa no canto esquerdo do queixo e retrucou:
- Minha linda, sabe qual é o seu grande problema? É a mais pura ignorância... Você não entende nada, ab-so-lu-ta-men-te naaa-da, de arte moderna!
                                                  Celina Côrte

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