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domingo, 5 de abril de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (17º dia).


Diário de uma quarentena (17º dia).
O domingo, a lei de Chico de Brito e a dor no mucumbu
Por Arruda Bastos

Chegamos a mais um domingo de quarentena e agora especial: o de ramos, que para os católicos marca o início da Semana Santa. Com Marcilia, durante o dia, assisti a missa do Papa Francisco direto do Vaticano, do Padre Marcelo pela Globo e diversas outras pela Rede Vida, TV Aparecida, Evangelizar e Canção Nova.

Agora, já no pôr do sol, recordei dos meus pais e da sua religiosidade. Para eles, católicos fervorosos, a Semana Santa começava bem antes, com a confissão de todos os filhos na capela do Colégio Juvenal de Carvalho ou na Igreja dos Remédios, próximo da Reitoria da UFC.

No domingo, logo cedinho, papai puxava o nosso dedão do pé acordando para a missa das seis da manhã. A puxada era o despertador e não adiantava reclamar ou dizer que estava com sono e não era dia de aula, pois lá em casa a lei era de Chico de Brito e não tinha choro nem vela.

A expressão “Lei de Chico de Brito” teve origem em 1912, quando o austero Francisco de Brito assumiu as funções de intendente (prefeito) do Crato. Homem destemido, não queria conversa com quem andasse fora da lei, não importando se fosse pobre, rico ou importante, ele prendia e processava. Brito sempre dizia: "a lei é dura, mas é lei". Daí foi que surgiu a inspiração do meu pai, a "Lei do Chico de Brito”, que resumia: "quem faz a lei sou eu e não tem apelação".

Depois que acordávamos, sacudíamos a poeira e caminhávamos por três longos quarteirões para a capela do colégio. Na missa, fazíamos a oferenda de alguns trocados que mamãe nos dava e comungávamos com devoção. Na volta para casa, mimetizávamos os sete anões da Branca de Neve cantando “Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou”. Na minha família, não sete, mas sim nove, o número de filhos do casal César Bastos e Maria de Lourdes.

Meus leitores devem perguntar: e essa dor no mucumbu, o que tem a ver com a crônica de hoje, será que entrou de gaiato no navio ou como Pilatos, no credo? Digo que tenham paciência, que ainda vou explicar. Primeiro, devo esclarecer em qual região do corpo fica a aludida dor. O termo é muito utilizado no interior e quer dizer fim do espinhaço e anca de rês.

Para quem ainda não entendeu, vou me valer do dicionário informal que exemplifica com a frase: “essa menina usa uma calça tão baixa que aparece o mucumbu todim”. Acho que agora não vai ser preciso desenhar. Mucumbu é a região das costas acima das nádegas.

Antes de concluir minhas crônicas, sempre leio o título e consulto Marcilia para saber da sua opinião. Digo que hoje ela não ficou nada satisfeita com o termo “mucumbu” e até pediu para eu retirar. Falou que as pessoas poderiam não entender e até comentar com gozação. Embora entendendo os seus argumentos, vou dar uma de papai e de “Chico de Brito”.

Quem está sentindo a dor sou eu, essa dor vinha incomodando um pouco nos últimos dias e na manhã de hoje resolveu travar tudo. Não consigo sentar direito, andar e, só mesmo deitado com o mucumbu pra cima, sinto alguma melhora. Acho que foi o primeiro efeito colateral da quarentena e de tantas atividades que exageradamente coloquei no meu dia a dia.

Se ainda fosse criança, digo que teria um excelente álibi para quando tivesse meu dedo puxado por papai. Até mesmo porque não conseguiria andar os quilômetros da minha casa para a capela do colégio. Agora é seguir as orientações da Marcilia, repouso, compressa morna e massagem com cânfora. Com seu carinho, acho que vou me recuperar em tempo recorde.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 17. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE)

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