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quarta-feira, 15 de abril de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (27º dia)

Diário de uma quarentena (27º dia)
Naquela mesa tá faltando ele
Por Arruda Bastos

Acordei saudoso no dia de hoje, 15 de abril de 2020, recordando do meu amado pai, que aniversaria nessa quarta-feira. Se não estivesse de quarentena, encontraria com toda a família no jazigo muito bem cuidado do Parque da Paz.  Minha amada mãe, enquanto viva, capitaneava e até exigia a presença de todos. Em sua homenagem, vou postar abaixo uma crônica que escrevi em 2017 quando do seu centenário de nascimento.

Para celebrarmos um século do seu nascimento, escrevo essa crônica em memória do meu querido pai, da falta que ele faz e do exemplo que deixou. Sua saga iniciou em Saboeiro, no interior do Ceará, em 15 de abril de 1917, e desde cedo vivenciou as agruras do sertão, da seca e de uma precoce orfandade paterna. Sua gênese representou o alvorecer do meu herói e uma vida de seriedade, coragem, honestidade, fé em Deus e amor. Euclides da Cunha escreveu que “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Assim era meu pai: um forte.

Em todas as famílias temos tradições e para que elas existam é necessário tempo e forte motivação. Uma delas, que participo desde criança, é o almoço dominical na casa dos meus pais. A família é numerosa, mamãe já tem bisnetos e mesmo assim a tradição se mantém. Meu pai foi o inspirador e era o grande motivador desse costume. A mesa de jantar sempre foi um dos destaques de nossas casas.

Com a passagem terrena de papai, poderia até se pensar no rompimento dessa tradição, mas felizmente ela persiste, a diferença é que naquela mesa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim. Como forma de amenizar sua ausência e ter sempre por perto a lembrança do seu amado esposo, minha mãe tomou a iniciativa de colocar um quadro com sua foto próximo da cabeceira da mesa e de manter sua cadeira sempre vazia.

A emoção de ser meu pai o protagonista dessa crônica é indescritível; não é fácil falar de quem marcou nossa vida com lindas e indeléveis recordações. Quando criança, a sua figura austera e altiva era para mim como um gigante a me proteger; na juventude aquele provedor que trabalhava diuturnamente para dar à família a melhor condição de vida possível; na maturidade ganhei um amigo, parceiro, colaborador e mais que seu filho eu fiquei seu fã.

Na literatura encontro inspiração para expressar do fundo do meu coração o sentimento que tenho com relação à figura do meu pai. Ele era um esposo fiel e dedicado, um pai exemplar e ciente da responsabilidade de criar nove filhos em um período de grande dificuldade, um filho carinhoso e protetor da minha querida avó, um irmão e tio sempre aberto a acolher aqueles que necessitavam, uma qualidade atestada pelos muitos sobrinhos e irmãos que ajudou.

Meu pai tinha uma saúde de ferro, não recordo de nenhum grave problema, nunca se hospitalizou. Fumou durante um período de sua vida e, por insistência e amor à família, parou e nunca mais voltou. Era um motorista sem muita experiência, pois passou a dirigir já na meia idade. Teve várias Kombis, único veículo que comportava toda a família e que nos levava diariamente em algazarra ao colégio. Como servidor público federal, honrou todas as funções e cargos que ocupou, um exemplo de dedicação e compromisso com a sua repartição. São muitas lembranças!

Recordo da sua elegância, do terno de linho branco, do sapato sempre engraxado, do cabelo com brilhantina e barba sempre bem cortados, do charme do seu bigode, do tingimento que usava quando os cabelos brancos surgiram, do pijama de listras que vestia em casa, das festas e casamentos da família que, com muito esmero, promovia, do cuidado de não ser pego no flagra como Papai Noel e até das belas curvas da sua letra. Lembro também de pequenos gestos como os presentes e guloseimas que de vez em quando comprava e da sua impoluta figura abrindo o portão de casa todos os dias voltando do trabalho trazendo aquele gostoso pão da Padaria Ideal.

Ah! Que saudade dos sábados pela manhã quando papai chegava com mamãe em nossas casas com as frutas da semana. Digo que cada um dos nove filhos tem recordações próprias. O importante é que todas elas são sempre de um pai e homem maravilhoso, fato que nos faz agradecer diariamente a benção de termos nascido seus filhos. A minha santa mãe, que com dedicação, amor e devoção encaminhou nossa família para o bem, o nosso eterno reconhecimento. Ao Altíssimo, o agradecimento pela sua força e por permanecer entre nós com lucidez e saúde.

Meu pai era um homem de muita fé, um cristão convicto, um companheiro dos terços que minha mãe rezava todos os dias, principalmente durante a madrugada (no mínimo nove, um para cada filho). Sempre cumpridor das suas obrigações de católico, lembro do puxar dos dedos para nos acordar no domingo muito cedo para irmos à missa. Ele formava, com minha mãe, um santo casal e nessa área foi novamente um exemplo. Sempre dizia que não queria dar trabalho a ninguém e quando chegasse a sua hora, que ela fosse rápida. Seu pedido, infelizmente para nós, foi atendido em 01 de setembro de 2001.

Meu herói executou todas as missões que Deus lhe confiou com ações excepcionais, sempre com responsabilidade, dedicação, coragem e amor. Ultrapassou os momentos de dificuldades que viveu, tendo como base princípios morais e éticos. O seu exemplo é um farol que ilumina a todos que o conheceram. Sei que muitos dos meus leitores tem pais semelhantes ao meu e é a eles que também dedico essa crônica. O padre António Vieira escreveu que: “Para falar ao vento bastam palavras, para falar ao coração são necessárias obras”. Assim foi meu pai.

Amanhã eu volto com uma nova crônica
Esta foi a do dia 27. #FiqueEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES - CE).

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