Total de visualizações de página

segunda-feira, 20 de abril de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (32º dia)

É de lascar
Diário de uma quarentena (32º dia)
Por Arruda Bastos

Hoje, dia 20 de abril de 2020, levantei, como popularmente se diz, “com a macaca”, digo mesmo “fumando numa quenga” e até “fulo da vida”. E isso tudo devido às imagens do Bom Dia Ceará e às primeiras reportagens do Jornal da CBN que escuto todos os dias bem cedinho na rádio O Povo.

As matérias mostravam manifestações de grupos que, sem noção do perigo, no dia anterior, pediam a flexibilização das medidas de isolamento social, o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e, pasmem, até da volta da ditadura militar e do AI-5.

Realmente foi demais “pro meu visual” deparar-me com as reportagens depois de trinta e dois dias de quarentena muito rigorosa. Só saí de casa uma única vez para tomar a vacina da gripe no Shopping Rio Mar e, mesmo assim, em drive thru, como relatei na crônica “Uma odisseia na terra dos vírus gigantes”.

Digo mesmo que é de “lascar” e dessa vez não vou “empurrar com a barriga”, nem “passar pano” e, “sem meias palavras”, vou “abrir o bico” e “chutar o pau da barraca” para alertar que tal manifestação inconstitucional não pode “passar em branco” e que quem “for podre que se quebre”, inclusive uma autoridade do Brasil que compareceu e fez até discurso.

Meus leitores devem estar estranhando a quantidade de aspas nessa crônica, mas só mesmo apelando para o Dicionário de Expressões Coloquiais Brasileiras, de Nelson Cunha Mello, para recuperar o humor e a inspiração em um dia de tamanha apreensão quando os números da Covid-19 no Ceará alcançam a marca de 3.487 casos confirmados e 206 óbitos. Durma-se com um barulho desse pra pedir liberação do isolamento.

Digo que “em rio que tem piranha, jacaré anda de costas” e que “quem brica com fogo quer se queimar”. Não “sou de me emprenhar pelos ouvidos”, pois conheço esta “história de cor e salteado”. Tenho 6.5 de idade e em 1964 era uma criança. Fiquei homem durante o regime militar e sei tudinho o que aconteceu, como relato na crônica que escrevi em 2016, intitulada “Da criança de 64 ao médico pela democracia”.

Para terminar, e falando sério, não desejo a ninguém a minha sina, nem que tenham que escrever daqui a alguns anos para seus filhos e netos, como faço agora, um texto lamentando as manifestações de tamanha insensatez. Não posso ficar calado e deixar a garganta sem os gritos conscientes de “ditadura nunca mais”.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Esta foi a do dia 32. #FiqueEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES - CE).

Nenhum comentário:

Postar um comentário