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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

POR: MÁRCIA ETELLI COELHO - NAS CURVAS DO TEMPO


Dra. Márcia Etelli Coelho

Queridos sobramistas e amigos de letras,
Atendendo a pedidos, envio minha poesia vencedora na ABRAMES (Academia Brasileira de Médicos Escritores ) Rio de Janeiro.
Um abraço carinhoso,
Márcia

NAS CURVAS DO TEMPO



Márcia Etelli Coelho





A porta do tempo entreabriu nova vida

e mesmo com medo aceitei transpassar.

O sopro do vento me disse: “Bem vinda!

Que tenhas o dom de sorrir e sonhar.



Nas cordas do tempo aprendi diretrizes,

curei cicatrizes, refiz os meus planos.

Murmúrio do vento, momentos felizes,

amores incríveis, alguns levianos.



Nas dobras do tempo, desvio da trilha.

Pensei ser mais fácil atalhos sem dor.

Silêncio do vento... Fiquei tão sozinha.

Será que é possível viver sem rancor?



A borda do tempo mostrou que o dilema

apenas foi lances perdidos do olhar.

No embalo do vento escrevi um poema,

sorri pra mim mesma, voltei a sonhar.



Sonhei com o tempo em que eu era princesa,

brincando de fada em antigos quintais.

Sentia no vento a magia e a beleza

do abraço e aconchego dos meus ancestrais.



O tempo, por fim, completou uma volta,

marcando minha alma com fatos tão bons.

O vento, gentil, entreabriu nova porta:

Sorrisos e sonhos... Talvez, outros dons.

domingo, 8 de dezembro de 2013

POR: FLÁVIO LEITÃO - A EXECUÇÃO



Dr. Flávio Leitão - Médico e Ex-Presidente da Sobrames-CE


A EXECUÇÃO
  
Publicado em: Murmúrios Literários- 2012 (pg.104-106)


 Quanto menos sabedoria, maior a felicidade 
                                Erasmus de Rotterdam





Não se sabe ao certo porque o professor Absalão, um protestante fundamentalista, conhecedor de cor do significado de todos os milhares de nomes bíblicos que povoam as incontáveis histórias do Sagrado Livro, dera aos seus 12 filhos epítetos de personagens do livro santo.

Dizem os mais aproximados a ele que se tratava de tradição familiar quincentenária, iniciada no tataravô de seu tataravô, para comprovar sua origem judaica da qual sentia um santo orgulho.

Por exigência da mulher, contudo, que por seu turno primava em ser uma  católica ortodoxa, ao nascer-lhe o primeiro da numerosa prole, levou-o à pia batismal da igrejinha de sua cidade natal, onde paranifado pelo piedoso padre Moacir, recebeu o incomum nome de Obede .

Parecia ter o pai poderes de pitonisa, pois se o significado do esdrúxulo nome é definir “aquele que serve”, passou realmente Obede toda sua vida servindo, desinteressadamente, com esfuziante alegria que lhe era inerente, aos mais necessitados da sociedade moderna – os sofridos e injustiçados operários. Serviço aliás, duro de ser desempenhado mas que ele executava com afinco e denodo, na qualidade de advogado trabalhista.

É do conhecimento de todos que a Lei Trabalhista é benevolente para com o operário, fugindo assim, ao raciocínio lógico do sofista Cálicles de que a Lei é a vontade do tirano.

Mas, apesar da assertiva grega de ser justo o que convém ao mais forte, o Dr. Obede saia-se vitorioso, na maioria de suas lides a favor de seus constituintes, indiscutivelmente os mais fracos nesse tipo de contenda.

Mesmo diante da justíssima sugestão de Santo Agostinho, o bispo de Hipona de que a Lei deva tratar diferentemente, os socialmente desiguais, havia um grande fosso cultural, separando as duas partes, dificultando, sobremaneira, o trabalho de Obede.

De um lado as matreirices de alguns patrões, tudo contribuindo para anular a aparente benesse da Lei e, consequentemente tornar árduo o trabalho de Obede, do outro lado o operário bobo, analfabeto, desconhecedor de seu valor intrínseco.

Com o passar do tempo, entretanto, primando por se comportar como intransigente defensor do operariado, nas frequentes contendas entre patrão e operário, tornou-se Obede conhecido e próspero advogado, detentor de famosa banca advocatícia, mesmo tendo optado pelo lado mais fraco da contenda.

Recusara, em várias ocasiões, quando ainda jovem, tentadoras ofertas para engajar-se em escritórios de grandes empresas que o compensariam com substancial e invejável salario.

A  todo canto de sereia recusou-se ouvi-lo, sem desdém, mas com determinismo, mantendo-se fiel aos ditames de seu foro íntimo que o impelia ao devotamento total aos pertencentes ao lumpemproletariado, no dizer do jargão marxista.

Certa tarde reaparece-lhe no escritório, fim de expediente, um  cliente operário, praticamente analfabeto, muito cioso da religião que abraçara - o pentecostalismo -.

Era desses que se julgam arautos da fé cristã, passando ao exercício intempestivo e enfadonho da citação automática de alguns dísticos bíblicos, que logo identificam os seguidores de Lutero, terminando pelo “Deus seja louvado!”. Terminada a litania indaga ao Dr. Obede pelo seu processo.

Verificadas as fichas cadastrais de todos os constituintes iniciados pela letra J, finalmente chega-se à do senhor José Ataliba da Silva Beraldo.

O Dr. Obede faz uma leitura dinâmica da ficha e abre-se em um agradável sorriso, afirmando: seu Beraldo, o Juiz deu-nos ganho de causa. Infelizmente seu ex-patrão recusou-se a pagar, razão porque vou ter que executá-lo.

Seu Beraldo demonstrou certo grau de alegria, mas depois, entre constrangido pelo inusitado da proposta que acabara de ouvir de seu advogado e ao mesmo tempo, querendo um mínimo de Justiça replicou: Doutor eu sou da religião Pentecostal, assim, não concordo em executar o ex-patrão, muito embora ele o mereça.

Prefiro, portanto, por causa desta santa religião, que o senhor mande apenas dar uma boa pisa no homem...


MARCELO GURGEL NO INSTITUTO DO CEARÁ

 
Dr. Marcelo Gurgel

Temos o prazer de informar que o nosso colega sobramista Dr. Marcelo Gurgel Carlos da Silva foi eleito em 27/11/13, para integrar o quadro de sócio-efetivo do Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico).
Parabéns ao Dr. Marcelo por mais esta conquista!

CONVITE LANÇAMENTO DE LIVRO


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CONVITE - FESTA DE CONFRATERNIZAÇÃO SOBRAMES-CE


        

                              Prezado (a) sobramista,

Comunicamos que a Festa de Confraternização e Posse de novos membros titulares será em 9/12, segunda-feira, às 19h30, no auditório da Unimed Fortaleza, na Av. Santos Dumont, 877. Teremos, também, o lançamento do livro “Meia-volta, volver!”, composto por vários sobramistas e organizado por Dr. Marcelo Gurgel, com renda destinada às ações culturais da Sobrames-CE.

     Serão empossados seis novos sobramistas, nomeados abaixo:
1.       Maria de Fátima Vitoriano de Azevêdo
2.       José Cavalcante Fonteles
3.       Larissa Medeiros Barros Leal
4.       Alana de Cássia Bastos Maia
5.       Francisco José Costa Eleutério
6.       Leonardo Adolpho de Sá Sales

      Após a solenidade, será servido um coquetel oferecido pela Unimed Fortaleza.
      Contamos com sua presença que conferirá maior brilho ao evento.
                                  Nossas cordiais saudações.

                                      Celina Côrte Pinheiro
                                  Presidente da Sobrames-CE

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

POR: FÁTIMA AZEVÊDO - CLAVE DE FÁ

 
Dra. Fátima Azevêdo - Médica e Membro da Sobrames-CE
CLAVE DE FÁ 
 

De DÓ já não sei falar, porque a RÉ não vou passar.
Se ME esqueceste tão bem, pra ti eu nunca fui FÁ.
Do SOL eu posso dizer, muita força ele me dá.
Mas já se foram os sonhos e LÁ longe hão de ficar.
Mas SE acaso ‘inda me queres, são meus os DÓS
que tu tens aos  poucos que retirar, pra que possamos,
quem sabe, outra pauta começar.

POR: ANTERO COELHO NETO - CAUSAS E EFEITOS

Dr. Antero Coelho Neto - Médico e Membro da Sobrames-CE
 
                                     CAUSAS E EFEITOS
 
Publicado no Jornal "O POVO" 27/11/2013
 
          Continuando o assunto tratado em um nosso artigo anterior e, no momento atual do Brasil, é fundamental discutir sobre as Causas e Efeitos de nossa crise, para poder fazer um plano para o desenvolvimento futuro de nosso país. É necessário destacar que muitos Efeitos se transformam  em outras Causas de maior gravidade. É o que tem acontecido.
          Há vários anos atrás, passei a defender que as Causas Fundamentais de nossos grandes problemas,  seriam: 1. Má distribuição da renda - 2. Educação e 3. Saúde. Outros condicionantes discutidos e trabalhados seriam de menor valor. Também tenho destacado, desde há vários anos, inclusive neste Jornal, há 30 anos, o que tenho aprendido em saúde e educação, na América Latina, como Consultor e Representante da OMS/OPS em vários países latinos e no Brasil como Diretor, Reitor e Planejador de vários organizações e programas e projetos nessas áreas. E também, muito importantes, são as dimensões Qualidade e Quantidade de Vida dependentes diretas da nossa educação e saúde. Cito esta minha formação, não para destacar meus títulos, mas para justificar o valor que dou ao que aprendi e defendo. 
          O Brasil tem a 2ª pior distribuição de renda no Mundo (75% da riqueza pertence a 10% da população) e é a 4ª pior da América Latina (ONU). Tem melhorado alguma coisa nos últimos 10 anos, mas ainda insuficiente para compensar essa grave distorção. Por outra parte, os brasileiros contribuem excessivamente com outros tipos de impostos, o que complica ainda mais a solução desses problemas.
A Suécia é o país onde a alíquota máxima do imposto de renda (IR) para a pessoa física é a mais alta do mundo. Os suecos que ganham mais, entregam para o governo até 58,2% dos seus rendimentos
          No Brasil são milhões de habitantes pobres e muito pobres que o modelo adotado de distribuição de renda tenta esconder. Amigos, temos milhões e milhões de brasileiros sem renda suficiente para viver dignamente, sem educação e sem saúde. E como vão viver os que estão nas áreas miseráveis de nossas cidades periféricas? Passam a usar drogas, cometer violências, matar e perturbar a nossa sociedade. E também muita corrupção apareceu, inclusive na área política com muitos de “nossos” representantes elaborando processos escusos de roubos, em vários graus, de nossos sistemas de representação municipal, estadual e federal.
          Claro que, agora, fica muito difícil resolver esta situação através de uma simples melhoria na distribuição de renda da população. Vários outros problemas apareceram e o que nós considerávamos como Causas, se transformaram em Efeitos graves e de difícil solução política, financeira e social. E agora são Causas muito importantes.
          Como não temos notícias da elaboração de um Plano Nacional, articulando para o presente e para o futuro, como deveríamos ter, as Causas e os Efeitos estão todos misturados e sem nenhum significado para todos.
          Mas, “uma luz apareceu no fim do túnel” : esperemos, então,  ação do Supremo Tribunal Federal (STF) que, finalmente, funcione e perdure, para que, finalmente, nos livremos do aposto “Brasil país da impunidade”.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

POR: WILLIAM HARRIS - A VITÓRIA DA VIDA



Dr. William Harris - Médico e Membro da Sobrames-CE


A Vitória da Vida

Prof Catedrático Vicente de Sampaio Lara (RIP) USP
(Traduzido do Alemão - Autoria desconhecida)


Pobre de ti se pensas ser vencido;
tua derrota é caso decidido!
Queres vencer, mas como em ti não crês,
tua derrota esmaga-te de vez.

         Se imaginas perder, perdido estás.
         Quem não confia em si, marcha para traz;
         a força que te impele para a frente
         é a decisão firmada em tua mente.

Muita empresa termina em fracasso
inda antes do primeiro passo;
muito covarde tem capitulado
antes de haver a luta começado.

         Pensa em ser grande e os teus feitos crescerão;
         Pensa em ser pequeno e irás depressa ao chão.
         O querer é o poder arquipotente;
         é a decisão firmada em tua mente.

Fraco é aquele que fraco se imagina;
olha no alto o que ao alto se destina.
A confiança em si mesmo é trajetória
que leva aos altos cimos da vitória.

Nem sempre, o que mais ocorre, a meta alcança,
nem mais longe o mais forte o disco lança.
Mas, o que é certo em si, vai firme e em frente,
com a decisão firmada em sua mente.
______________________________________________________
Ofereço esta poesia, magnificamente traduzida pelo meu ex-professor de saúde materno-infantil da Fac.de Saúde Pública –USP, aos companheiros da Sobrames-CE na reunião periódica de dezembro de 2013.  WILLIAM MOFFITT HARRIS, Campinas-SP

POR: FLÁVIO LEITÃO - A VENTURA DE GAMALIELZINHO




Dr. Flávio Leitão - Médico e Ex- Presidente da Sobrames-CE
 Caricatura- Isaac Furtado
                                                
                                A VENTURA DE GAMALIELZINHO

Os Martins do Monte tinham sua origem, como a maioria dos que habitavam aquele requintado bairro, no velho Portugal. E se isto, por um lado lhes dava uma certa superioridade e lhes permitia uma posição sobranceira, por outro lado, lhes deixava meio inibidos. Não se aventuravam muito a perquirir origens. Quem sabe tivessem seus ancestrais sido “degredados filhos de Eva”, que o Senhor Rei banira, num ato de colérica majestade?
De qualquer modo, ou por pura sorte, ou por real mérito, a família toda era considerada e não havia desvelada mãe que não tentasse o acasalamento de suas filhas com um dos inúmeros varões da Martins do Monte. 
A matriarca tinha estranho nome que o pai, rico latifundiário, na paucidade dos seus conhecimentos, lhe dera – Rimada. Chamavam-na, na intimidade, carinhosamente, Dª. Rima, dourava-se, assim o esdrúxulo nome. O apodo rimava com o lindo rosto, onde expressivos negros olhos separavam um gracioso e arrebitado nariz, a tez morena como se fora misteriosa moura, o todo de mulher que sabe impor sua vontade pela sabedoria e pela coragem: uma senhora! Habitavam um casarão totalmente rodeado por trabalhadas colunas romanas, de puro mármore, que o avô trouxera diretamente da Itália e que sustentavam um largo alpendre, onde a meninada toda fazia suas estripulias, sem chegar a quebrar, com indesejável freqüência, ricos biscuits. 
Para maior pomposidade da casa dos Martins do Monte, o engenheiro a construíra elevando-a do chão, de modo a deixá-la mais alta que todas as outras residências da redondeza, encimada que estava sobre um porão. Destinava-se o mesmo à guarda da desusada parafernália da família e era admitido, pelas crianças da região, como mal-assombrado.
Dizia-se, em rodas noturnas, de pura charla da meninada, que furtivos vultos de escravos negros, os dorsos nus e reluzentes de suor, passavam esgueirando-se pelas entradas de luz do porão, guardadas por pequenas barras de ferro trabalhado. Não havia por ali, menino que não se tivesse quedado diante daquelas entradas, os olhos hipnotizados, à procura de desvendar os mistérios que dela se contavam. Havia até quem jurasse ter ouvido pungidos ais dessas pobres criaturas, após estalidos como o de chicote ferindo rija carne.
Nunca se soube até hoje se verdade ou não! Também nenhum dos meninos se aventurara a adentrar tão soturno porão.
Julho era o mês de férias e Dª. Rima, com a costumeira paciência, fizera as malas da família e partira para a indefectível temporada no sítio da Serra. Nada mais merecido prêmio que esta viagem, para coroar a labuta diária do Dr. Manoel Augusto que sofria de sol a sol, nos foros da cidade, em homéricas contendas jurídicas, conhecido que era como um dos melhores causídicos! Não que considerasse o lugar de morada pouco agradável. Longe disto, mas o ar puro da serra, o esmagador domínio do verde, o viço indescritível da punjante flora, tudo era motivo para aquisição de energia, de revigoramento do espírito. Certamente por mera maldade, dizia-se até que o Dr. “Manelaugusto” ansiava por esse período, quando longe das contendas jurídicas, esquecidos os débitos, adquiria maior vigor sexual. O fato é que voltava toda família, numa esfuziante alegria que ia definhando, lentamente, no correr dos meses, até que novas férias viessem.
A manhã seguinte era uma dessas manhãs frescas de julho. O velho casarão se deixa ver agora, banhado pelo sol de ouro que desenhava, no espaço, fachos tremulantes de luz. Filetes de luz escoavam por dentre as copas orvalhadas das seculares árvores, que suavemente, emolduravam o pomar.
Face ao primitivismo da cidade, para completar o encanto de tão bucólica manhã, dançavam no ar, vaporosas gotículas que emprestavam um certo ar de misterioso fog londrino, impedindo que as coisas fossem vistas nas suas plenitudes, em virtude da grumosa atmosfera.
Somava-se a isto inusitado silêncio. É que ficaram no casarão apenas os dois irmãos Tadeu e Gamaliel. Ficara também Teresa de Jesus, esbelta preta, de largas ancas, sorriso puro e branco como um chumaço de algodão, na beleza estonteante de seus dezoito anos. Senhora de uma macropigia graciosa e elegante, balouçava sensual, nas passadas despretensiosas da menina mulher. Ficara, segundo ordens maternas, para providenciar o sustento dos dois queridos rebentos que tomavam aulas particulares, na tentativa de diminuir a ignorância demonstrada nas notas finais. Deixara-os a mãe, com o coração partido.
Apesar do esplendor daquela manhã, Gamaliel acordara com o coração angustiado. Faziam-lhe falta as reclamações constantes da mãe, as refregas relâmpago com os irmãos, dissolvidas sempre com a terrível advertência materna – “Deixa seu pai chegar!”. Nem o brilho da manhã o estimulava a debruçar-se sobre os livros. Olhava indiferente para o pomar, quando percebeu de soslaio, a passagem fugidia de Maria Teresa para o velho porão.
Aguçou-lhe a curiosidade...O que levaria aquela serviçal da casa a entrar no lugar menos usado da residência?
Desceu célere a escadaria que desaguava ao lado da porta do porão. Entreabriu-a cuidadosamente, evitando o rangido que as cansadas enferrujadas dobradiças certamente fariam. E a escuridão desfeita, parcialmente, de espaço a espaço, pelas entradas de ar e luz, mal permitia ver, num canto de grossas e pesadas paredes, cobertas de mofo, o perfil desnudo de Maria Teresa, displicentemente, desfazendo o penteado, numa pose que parecia ter sido roubada de Renoir,  quando criou o seu “Banhista ajeitando o cabelo”.
É preciso esclarecer que Gamalielzinho fora iniciado no mundo das artes, ainda muito criança, de modo que tinha a mania, considerada esnobe pelos amigos, de o que visse de belo, comparar com obras de famosos impressionistas. Assim, não é de admirar que a nudez de Maria Teresa o tivesse levado a uma discussão do aspecto puramente estético, trazendo-lhe à mente, um sem número de famosos pintores clássicos.
Seria de Rubens, de Degas, de Delacroix ou de Cezane que fora roubada aquela visão?
Lembrou-se do famoso quadro “Toilete de Vênus”. Não, decididamente não! Maria Teresa não era opulenta como a Vênus do famoso Rubens, nem branca. Muito pelo contrário, sua cor era mais atraente, porque o negro evocava-lhe mistério, a vontade imensa de descobrir o desconhecido, mergulhar nele de olhos fechados e deixar que a escuridão transmitisse, por osmose, todos os seus segredos, os seus mistérios...
De repente, sem saber porque, uma gigantesca onda de voluptuosa concupiscência assomou-lhe o espírito, acelerando-lhe o ritmo cardíaco, aquecendo-lhe a alma toda, impulsionando-o em direção aquele maravilhoso quadro. Percebendo a intromissão, Maria Teresa correu como uma gazela assustada, diante da iminência de ataque de maldoso caçador.
Teriam decorridos minutos, horas, séculos? A verdade é que uma corrida desesperada pelo vasto porão, travou-se. Percebeu, agora, Gamalielzinho, que Maria Teresa, propositadamente, ora se deixava quase pegar, ora se afastava lépida, com uma agilidade ferina, escondendo-se em desabalada carreira nos inúmeros cubículos que o porão possuía.
Pobre Gamaliel! Via dois rijos seios, agredindo a lei da gravidade, apontando insolentes para os céus dois negros mamilos emoldurados por larga auréola de plúmbea cor, largas ancas alternando-se em movimentos rítmicos na sensual corrida e...não poder senti-los junto a seu corpo de adolescente imberbe!
Num esforço supremo que só aos moribundos é dado mostrar no instante última da vida, Gamalielzinho vence a corrida e...finalmente exaustos, os poros excitados, se deixaram abraçar como nunca tinha Gamaliel abraçado, juntando-se tanto um ao outro que já não eram mais dois, pois que se imiscuíram numa autofagia de doce encanto.
No andar superior, o irmão mais velho, ou porque quisesse mostrar falsa cultura ou porque fosse naturalmente fidalgo, ouvia numa velha e bolorenta eletrola, uma rapsódia de Paganini. A impureza do som extraído do cansado disco de cera cheirando a bafio, e de combalidas caixas acústicas, o bater cadenciados dos címbalos, o explodir metálico dos pratos e o som estridente dos trompetes e cornetas, serviram de marca-passo à cavalgada amorosa de Gamaliel e Maria Teresa.
Os corpos ora flutuavam harmonicamente como se fossem regidos por invisível maestro, ora passavam a um ritmo tão ativo e rápido qual o som do piano que agora se sobressaia, impar, na grandiloqüência de sua beleza musical.
Vezes outras, o tom nasalado dos oboés fazia coro aos gemidos abafados de sua deusa de ébano. É verdade que ele não a queria ver como deusa. Humilde por natureza, Gamaliel achava que a um simples mortal como ele, quando muito poder-se-ia permitir um relacionamento com uma princesa. Sim, era sem dúvidas, a dona de tão divinamente esculpido corpo, uma princesa africana que viera num desses famigerados navios negreiros.
Talvez o cansaço, talvez mesmo a enebriante sensação de pós- amor, fossem responsáveis por sentimentos tão contraditórios que agora açulavam-lhe a mente. De um lado tinha figadal ódio aos que criaram os tais navios, por outro lado agradecia a Deus, compungido (com os lábios ainda trêmulos de tanto terem sofregamente beijado) o rapto daqueles negros sem o qual não estaria ele vivendo aquele momento...
 Enfim, terminada a sôfrega peleja, cessada a eletrizante coreografia daquele idílico amor, arfantes, ainda, os desnudos e suarentos corpos expostos, num torpor decorrente do natural esforço e do próprio ambiente de vetustas paredes, tendo como travesseiro os macios pelos de sua princesa, Gamaliel adormeceu num desejo de um sono contínuo, perpetuado até as férias vindouras...