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domingo, 6 de outubro de 2013

POR: SEBASTIÃO DIÓGENES - A ENFERMIDADE DO DR. SEVERO


Dr. Sebastião Diógenes - Médico e Tesoureiro da SOBRAMES-CE
 
A enfermidade do Dr. Severo

      A enfermidade do Dr. Severo começou tempos depois da morte da árvore do Morro do Calabar. Tratava-se de uma árvore enorme, de tronco excessivo, e ocupava o oitão do edifício onde a filha morava. Era um baobá de semente africana! Antigamente, antes da especulação imobiliária, havia um grande terreiro de candomblé e a árvore era considerada o santuário sagrado pelos frequentadores de várias gerações de afrodescendentes.

      Arlete, pediatra e naturalista, amava aquela árvore desde criança! Em um determinado dia observou que ela estava secando, morrendo aos poucos. Ficou muito triste e passou a fazer diligências. Indagava a um e a outro o que havia acontecido com o lenhoso vegetal. Ficou indignada quando soube a pavorosa verdade.

      Ao julgar que a árvore estava pondo em risco a estrutura do edifício da filha, Dr. Severo furou o lenho com a pua e injetou-lhe o veneno. Imediatamente, sobreveio ao pensamento de Arlete que o impiedoso arborecida iria, um dia, se dar mal. Na época, chegou a comentar o caso com o marido, bem antes da doença se instalar no parente. O companheiro não deu crédito ao mau presságio da devota dos fenômenos sobrenaturais, disse-lhe apenas que era bobagem.

      Dr. Severo era um profissional liberal bem sucedido, chefe de família exemplar e de agradável convivência social. Era um homem cordial e respeitava os códigos. Causou, portanto, surpresa geral o delito perpetrado.

      Os primeiros sintomas da moléstia se manifestaram na escrita. Arlete foi a primeira a observar-lhe a alteração, a letra miúda e tremida. Depois, as mãos começaram a entortar. Pensou em Parkinson. Logo em seguida, lembrou-se da árvore sagrada do candomblé que fora executada. Veio-lhe, novamente, ao pensamento a ideia do  presságio lúgubre, que algo ruim aconteceria ao desatinado dentista, um cirurgião que havia sido ávido na prática das extrações. Observadora obstinada, ela sempre tem associado o quadro clínico do paciente com as agonias de morte do venerável baobá.

      A despeito de exames médicos realizados nos centros mais avançados do país e do exterior, a doença tem cursado o seu itinerário sombrio. Até hoje os especialistas consultados não fecharam o diagnóstico. Apresentaram como hipótese mais provável a doença de “Parkinson like”. Arlete tem discordado, continua argumentando com veemência que somente ela sabe o misterioso diagnóstico: “a vingança do baobá”.

     Falta consistência à tese fantástica de Arlete. Na Amazônia milhares de árvores são ceifadas diariamente e os criminosos não vão para a cadeia nem ficam entrevados. Arlete defende-se. Ficam-nos impunes porque a justiça dos homens é falha nesta parte do planeta. E não contraem entrevação nas junturas porque, com fazer parte das florestas, tais árvores jamais atuaram em celebrações de candomblé. Não possuem, por conseguinte, a essência da punição.

      Arlete sempre tem advertido as pessoas sobre os malefícios advindos da destruição das coisas sagradas. Para ela o caso do Dr. Severo lhe parece muito claro, pois, cliente da superstição, acredita piamente nos enigmas da vida. E um deles ajuda a fechar o diagnóstico do enfermo, como se fora um exame de imagem de alta resolução: “O enigma da vingança da árvore sagrada do Morro do Calabar”.

      Esse é o diagnóstico definitivo do paciente, à luz das crenças de Arlete.

      E o pior desse enredo, é que ainda tem gente que acredita na mística!        


Sebastião Diógenes.

2010.

 

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