Publicada no DN em 22/09/2013
O
Programa de Governo “Mais Médicos”, gerador de tantas polêmicas, fez-me voltar
no tempo e recordar minha participação no Projeto Rondon, em 1972, quando já
doutoranda. A meta daquele programa era inserir profissionais de diferentes
áreas, sobretudo a médica, em cidades brasileiras desassistidas e de poucos
recursos. Fui designada para Corguinho, no Mato Grosso. Prometeram-nos o
deslocamento por avião. Exultei! Contudo, de Ribeirão Preto a São Paulo, conduziram-nos
de trem, por horas a fio, em um percurso que seria feito confortavelmente, já
àquela época, de ônibus, em apenas quatro horas. Não havia assentos disponíveis
e viajei a noite toda sentada sobre minha mala. Apenas lá pelas cinco ou seis
horas da manhã, consegui sentar-me em um dos bancos desocupados pelos
passageiros. De São Paulo a Corguinho, fomos de ônibus. No total, quase dois dias
de viagem desconfortável e exaustiva. Porém, nosso sonho de ajudar e colocar em
prática o que havíamos aprendido, falava mais alto. Foram 45 dias de trabalho,
quando pude perceber que, por trás do bem que fazíamos, havia, sobretudo, o
desejo político de manutenção do poder. A população era carente de tudo e não
possuía noções mínimas de educação sanitária. A cidade, por sua vez, destituída
de saneamento básico. O experiente prefeito sugeria o acréscimo de complexo B
ao nosso receituário onde predominavam os vermífugos. Nosso raciocínio se afunilava
pela monotonia de diagnósticos. Tampouco havia condição de algo mais... Nossa
presença se constituía uma bênção para a população extremamente carente e sem
noção de que as medidas eram meramente paliativas. Satisfazia-se com pouco. Saímos
dali, enaltecidos pelos moradores e felizes com nosso exercício de
solidariedade. Eles, por sua vez, continuariam a ingerir água contaminada e a
ter diarreia...
No
atual Programa, diferenças gritantes no transporte e no receptivo. No mais,
talvez a mesma farsa e o mesmo viés eleitoreiro. Comprove-se sua efetividade
através da comparação honesta, sem mascarar a realidade, entre os indicadores
atuais e após dois ou três anos do programa. Sonhamos com a real melhoria da
qualidade de vida da população!
***
Belo resgate histórico. Parabéns! Também, participei , quase na mesma época, do Projeto Rondon, aqui no sul do Ceará.
ResponderExcluirBj ana margarida
Exatamente isso, Celina! Excelente análise e comparação.
ResponderExcluirAbraços,
Marcos Salun