Dr. Geraldo Bezerra - Médico e Membro da SOBRAMES-CE |
UMA ESPOSA DESCONFIADA
O atual muito bem sucedido anestesista um
dia já foi um recém-formado, recém-casado, recém-contratado pela Casa de Saúde
de determinada pequena cidade cearense. Sua respeitável esposa, hoje doutora em
leis, exemplar mãe de família, um dia já foi uma ciumenta jovem recém-casada,
sem grandes preocupações ou quifazeres.
Foi o bastante: sabendo do marido jovem, inteligente,
possuidor de razoáveis atrativos físicos e bastante simpático e, ainda mais,
médico, numa cidade minúscula no interior do Ceará, aquela jovem senhora
danou-se a tirar precipitadas conclusões: “E você vai é namorar, e isto não vai
dar certo, e eu estou é sendo besta, e aquelas vagabundas...” etc e muito mais.
Com o saco muito cheio, mas ainda com uns
saldos de paciência, teve o doutor uma idéia:
- Minha querida, pois vamos passar uma
semana lá comigo.
- E eu vou mesmo, que é para aquelas
sirigaitas ficarem sabendo que você tem
dona. E vamos logo!
O ônibus chegou à cidadezinha umas quatro
horas da tarde daquela segunda-feira trazendo uma nova passageira. Desceu meio
assustada com a desimportância da cidade, mas seguiu direto para o hospital
onde o marido a aguar-dava, ele que viera antes. Enquanto caminhava,
(des)apreciando tudo que via, um redemoinho varreu logo ao seu redor,
condecorando-a com generosas porções de terra em formato de poeira vermelha.
Limpou os olhos e seguiu sob curiosos
olhares que a incomodavam mais que o vento e a poeira. Chegou ao que se
convencionara chamar de hospital e encontrou seu marido ocupado em
consultar
vasta multidão, mas não viu ainda as belas mulheres que certamente o atacariam
mais tarde (mas iam ver!). O marido a recebeu contente, gentil, mas no íntimo
antegozando as inúmeras decepções que sofreria sua bem-amada.
Terminado o expediente, convidou-a ao
banho no apartamentozinho que ocupava no andar superior. Ela detestou o serviço
de jogar água no corpo com aquela lata de óleo de cozinha. Terminado o
desconfortável banho, desceram para o jantar. A carne de bode estava meio dura
e salgada, a farofa e o macarrão muito oleosos e o arroz não vira sal. A
Coca-cola teria salvo o momento, se estivesse gelada. Fome maior que a vaidade,
depois de saber que não existia restaurante ou pizzaria na cidade, andou
comendo seus pedaços de bode conformadamente.
Subiram ao apartamento já na hora em que o
rádio chiava a Ave-Maria. Para jovens recém-casados, tudo é festa, menos uma
nuvem de muriçocas que entrem sem bater e todas com seus motores ligados e seus
ferrões em riste. Entre
tapas e gritos de protesto ia se defendendo das agressivas e barulhentas
voadoras, ajudada por possante ventilador, mas, para completar seu infortúnio e
aumentar seu desespero, o diabo daquele ventilador era movido a energia
elétrica e esta resolveu faltar e faltou. A tudo isto o maridão assistia
passivo e mal disfarçando o zombeteiro sorriso. Desesperada, sentou-se na
janela, a ver se recebia qualquer migalha de vento, que por sinal se fazia
ausência. Melhorou um pouco com a chegada do vento Aracati, mas só conseguiu
dormir já bem tarde, quando voltou a funcionar o ventilador, com o retorno da
energia.
Não esperou o sol nascer. Mal quebrou a barra,
antes dos primeiros trinados com que a passarinhada costuma saudar o dia que
chega ao sertão, aprontou-se e acordou o marido só para dizer-lhe estas
palavras:
- Se tu não tens sentimento, nem
acanhamento de trabalhar numa merda desta, é problema teu, mas eu que não fico
mais aqui!
E ele, muito gozador:
- Mas, minha filha, não vai passar ao
menos uns dois ou três dias neste lugar tão bom, segundo suas opiniões?!
Virou uma arara...
Caro colega Geraldo, mas como ri lendo essa crônica. E as muriçocas então.Genial.Dava até para fazer um quadro de humor na Globo. Miguel Falabella que se cuide.
ResponderExcluirAbraços,
Fátima Azevêdo