A GUERRA AO ESCARRO NA LUTA CONTRA A TUBERCULOSE
Publicado no Jornal do Médico em Revista - Edição nº 49, Março e Abril 2013, pág. 7.
Quando, em 1882, Robert Koch descobriu o bacilo da tuberculose, a doença era responsável por 1/7 da mortalidade no mundo e um só tuberculoso era capaz de expelir, por dia, sete milhões de bacilos.
O escarro, visto como o grande veículo do bacilo, passou a ser combatido. As pessoas expectoravam abundantemente atapetando o solo, as paredes, os móveis e impregnando os lenços e as roupas.
Era preciso conscientizar a população a mudar esse hábito. Leis foram criadas para combater o hábito de escarrar no chão e nas paredes. Surgiram grandes campanhas em diversos países do mundo em favor do uso das escarradeiras públicas e de bolso contendo líquidos antissépticos. Assim, surgiram na França, por volta de 1890, os escarradores portáteis individuais e os públicos.
As primeiras escarradeiras eram pesadas, de difícil manejo e com abertura de diâmetro reduzido o que dificultava o ato de escarrar sem molhar suas bordas e sem formar verdadeiras estalactites. Além disso, o ácido fênico usado para neutralizar o bacilo era tóxico e exalava mal-cheiro provocando náuseas e acessos de tosse nos tísicos. As escarradeiras de diversos modelos e materiais tornaram-se objetos requintados que ornamentavam as residências dos ricos.
Inúmeros cartazes com dizeres sobre o risco de escarrar no chão foram editados em vários países do mundo. No Brasil, as Ligas de Combate à Tuberculose e a Inspetoria de Profilaxia de Tuberculose (IPT) do Departamento Nacional de Saúde (DNS) do Distrito Federal encamparam esta forma de luta.
Criou-se uma verdadeira guerra contra o escarro chegando-se a uma histeria desencadeada pelas campanhas das instituições médicas. Em todos os países, viam-se cartazes afixados em todos os locais. Folhetos foram distribuídos às populações alertando-as sobre a transmissão da tuberculose.
O comércio tirou proveito. Anunciavam-se escarradeiras próprias para hospitais, escritórios, fábricas, restaurantes, teatros, transportes coletivos etc. Em Paris, empresas faziam propaganda de escarradeiras de bolso e portas-lenço antissépticos descartáveis. Em Berlim, inventaram um preparado aderente para colar nas solas dos sapatos que matava os bacilos. Usavam-se impermeabilizadores de assoalhos com substancias bactericidas.
Uma empresa internacional vendeu colchões e travesseiros com antissépticos que matavam os bacilos. Nos Estados Unidos, foi promulgada portaria proibindo escarrar nos assoalhos, plataformas das estações e viaturas públicas. Os contraventores eram multados com 25 dólares ou 10 dias de prisão. Em Viena, a multa ia de 2 a 200 coroas com prisão de 6 horas até 20 dias. Os hotéis da Europa ofereciam apartamentos sem tapetes e sem cortinas.
Na guerra ao escarro, foi relevante o papel que as escarradeiras desempenharam. As antigas de madeira cheias de areia e serradura foram, irremediavelmente, condenadas pela higiene. Aquelas de metal, vidro ou ferro esmaltado,
apesar de mais asseadas, não foram toleradas por muito tempo. Com a
descoberta da quimioterapia contra a tuberculose elas caíram no
esquecimento e, hoje, são peças de museus.
Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg
São Paulo, 10 de abril de 2013.
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