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quarta-feira, 15 de abril de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (26° dia)

Diário de uma quarentena (26° dia)
A quarentena da caneta azul
Por Arruda Bastos

Durante a quarentena, é importante a manutenção de uma rotina mínima. A minha continua rígida, com hora para acordar, para fazer exercícios, tomar banho de sol e tudo mais. Também tenho aproveitado para dar andamento a muitos projetos que, por falta de tempo, estavam adormecidos nos meus computadores.

Vasculhando meus alfarrábios virtuais, encontrei várias crônicas escritas pela metade, sem revisão ou que, de tão sem noção, não tinha levado a frente e nem tive coragem de publicar. Como no isolamento social vale tudo para se entreter, resolvi terminar uma que escrevi em dezembro do ano passado que tinha como titulo “A história da caneta azul”.

Para adaptar ao momento atual, resolvi mudar o nome para “A quarentena da caneta azul”, fato que vai justificar minha coragem de divulgar a história que escrevi quando pensava em ficar milionário no final do ano passado com a Mega Sena da Virada. Infelizmente, só acertei um número e mesmo que tivesse acertado todos, no atual quadro, não faria a menor diferença.

A crônica que escrevi relata: Depois de escutar a música “Caneta azul” do compositor maranhense, morador da cidade de Balsas,  Manoel Jardim Gomes, de ver suas participações na mídia e, agora no final do ano, na propaganda da Caixa da Mega Sena da Virada, fiquei com o hit definitivamente na cabeça.

Fui, então, pesquisar sobre a letra da música e sobre o autor. Descobri que a inspiração do compositor veio de um fato acontecido com ele no passado. Toda a inspiração veio do desaparecimento da sua caneta azul em uma escola. Ela estava marcada com o seu nome, escrito com sua própria letra.

Encontrei, também, que todo dia o autor viajava para o colégio levando uma caneta azul e outra amarela. Acontece que, numa bela manhã de sol, a de cor azul desapareceu. O trauma foi tão grande que o compositor decidiu escrever uma música solicitando, até pelo amor de Deus, a devolução do importante objeto. O fato acarretou, inclusive, em um atrito com a sua professora.

Na letra, Manuel desabafa e diz que foi repreendido pela mestra por não ter uma caneta azul. Ele ficou fulo da vida, pois a última que tinha era a desaparecida. Depois de calmo, e para amenizar o problema, prometeu à profa. que compraria uma nova logo que possível.

Manuel Jardim compõe desde os quinze anos e só atualmente, aos 49 anos, veio a fazer sucesso. Em outubro passado ele registrou a “Caneta Azul” em cartório. Atualmente, nas ruas de Balsas e na maioria das cidades do Brasil, os versos da melodia e a história são assuntos comentados.

O vídeo da sua interpretação, postado na internet, superou a marca de muitos milhões de visualizações, batendo inclusive a de muitos artistas famosos do nosso país. Não sei como Manuel vai de grana, espero que bem, e em isolamento social como a maioria de nós. Tenho convicção que a sua música continua a inspirar muitos escritores incautos como eu.

Para terminar, vou postar a música na íntegra para que você, meu leitor, possa cantar na noite de hoje e até quem sabe fazer uma serenata, com muito humor, para sua amada. O momento atual só será superado com muita perseverança e bom humor.

Amanhã eu volto com uma nova crônica
Esta foi a do dia 26. #FiqueEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES - CE).


Caneta Azul
Manoel Gomes

Caneta azul, azul caneta
Caneta azul tá marcada com minhas letra
Caneta azul, azul caneta
Caneta azul tá marcada com minhas letra

Todo dia eu viajo pra o colégio
Com uma caneta azul e uma caneta amarela
Eu perdi minha caneta e eu peço, por favor
Quem encontrou, me entrega ela

Caneta azul, azul caneta
Caneta azul tá marcada com minhas letra

A professora, ela veio brigar comigo
Porque eu perdi a última caneta que eu tinha
Não brigue, professora, porque eu vou comprar outra canetinha

Caneta azul, azul caneta
Caneta azul tá marcada com minhas letra
Caneta azul, azul caneta
Caneta azul tá marcada com minhas letra

segunda-feira, 13 de abril de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (25° dia)

Diário de uma quarentena (25° dia)
Fortaleza, a “arretada” loira desposada do sol.
Por Arruda Bastos

Hoje, 13 de abril de 2020, no meu vigésimo quinto dia de quarentena, a cidade de Fortaleza “intera” os seus 294 anos. Pensei até em escrever uma nova crônica, mas preferi postar a que escrevi em 2018 para o último Congresso da SOBRAMES em São Luís-MA, pois ela expressa todo o meu amor por Fortaleza.

Quando convidado a prosear para a antologia nacional da Sobrames – Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – sobre a capital cearense, fiquei “aperreado” com a missão de retratar tanta beleza e tanta história da nossa linda cidade de Fortaleza. Resolvi, então, apelar para o “cearensês” e incorporar ao texto algumas palavras do linguajar do nosso estado.

Para nós, “cabeças-chatas”, é uma dificuldade “arretada” tratar da capital isoladamente, sem falar da Terra da Luz. Por isso, resolvi “botar boneco” e, mesmo correndo o risco de ser chamado de “abestado”, encarar dessa forma o desafio.

Como não disponho do livro todo para a minha prosa, sendo limitado meu espaço para discorrer, vou “chinelar” e me deter a pincelar alguns aspectos da linda história de Fortaleza. A situação é “braba”, por isso vou abordar principalmente aspectos da alma do “arretado” povo fortalezense, desses “cabras bom da moléstia” e das belezas incontestes do nosso torrão abençoado por Deus.

Dando uma de “buliçoso” e “assuntando” a história, esclareço a alguns dos meus leitores que o cognome de Terra da Luz, dado ao estado do Ceará, não tem nada a ver com o forte sol tropical que apreciamos durante todo o ano por aqui. Esse honroso título, de autoria de José do Patrocínio, deve-se aos “cabras-da-peste” da então província que, “dando o grau”, libertaram os escravos cearenses antes mesmo do Brasil, em 25 de março de 1884.

Não nego que sou “arriado” e um apaixonado por minha terra natal, e não a trocaria por nenhuma outra, pois, além de suas “apetrechadas” praias, Fortaleza conserva inúmeros monumentos, belos conjuntos arquitetônicos e belezas naturais que deixam qualquer “curriola” de boca aberta. Ainda, aqui se respira muita cultura e não vou ser “besta” de esquecer o papel exercido pela nossa Sobrames tupiniquim.

Em Fortaleza, o sol sempre foi testemunha de muitas histórias e uma das mais “abirobadas” da cidade aconteceu no início da tarde do dia 30 de janeiro de 1942, quando uma “cambada de fuleiros” na Praça do Ferreira tomou uma atitude inusitada. Na época, nos jornais, as notícias eram sobre a Segunda Guerra Mundial e a seca que vivenciávamos. O céu estava nublado há dois dias e a previsão era grande para um “toró”, mas o astro rei resolveu dar o ar da sua graça. O sol foi, então, vaiado sem censura e esse fato firmou a cultura da irreverência do nosso povo, que ansiava pela chuva que ameaçava banhar a cidade.

O fortalezense, como os demais cearenses, tem esse espírito de “achar e fazer graça”. Em Fortaleza, não se dispensa, portanto, os shows de humor. A vaia, para nós, não é somente uma expressão de inconformismo, ela é também um recurso moleque que consagrou o Ceará como um celeiro de humoristas. Dentre esses expoentes, podemos citar: Chico Anysio, Renato Aragão, Tom Cavalcante, Rossicléia e, no passado, Quintino Cunha e Paula Ney, que faziam humor só como parte da espiritualidade natural do cearense.

Sem “arrudiar”, digo que Fortaleza tem seu nome inspirado no Forte Schoonenborch, construído pelos holandeses em 1649, período em que dominavam nosso território. O batismo de “Loira desposada do sol”, deve-se aos versos do poeta Paula Ney: “Ao longe, em brancas praias embalada pelas ondas azuis dos verdes mares, a Fortaleza, a loura desposada do sol (…)”. Fortaleza já não é mais um “bruguelo” e ocupa atualmente a posição de quinta maior capital do Brasil em população e detém um importante centro industrial, comercial e turístico.

Não vou “arribar” sem citar que nossa metrópole cearense é a terra natal de brasileiros de grande renome como Dom Hélder Câmara (1909-1999), Gustavo Barroso (1888-1959), Casimiro Montenegro (1904-2000), José de Alencar (1829-1877) e Rachel de Queiroz (1910-2003), entre outros inúmeros e ilustres nomes. Fortaleza é, também, a capital brasileira mais próxima da Europa.

O litoral de Fortaleza abriga praias que são “só o mi disbulhado”, entre elas podemos citar a da Barra do Ceará e a de Iracema, com seus bares, prédios históricos, Igrejas, o Estoril, a Ponte Metálica, além do Centro Dragão do Mar. Na Praia do Meireles, encontra-se a Avenida Beira Mar com robustos hotéis, o Clube Náutico, a feira de artesanato e a Volta da Jurema. A do Mucuripe é famosa por seus pescadores, jangadas e o mercado de peixes. A Praia do Futuro é ocupada por “barracas” especializadas na sua “guaribada” caranguejada. Fortaleza, para quem gosta de “zuada”, é a terra do forró e seus “bate-coxas” e “arrasta-pés” são famosos em todo Brasil.

O povo “quintura”, hospitaleiro e a gastronomia local são grandes marcas da nossa metrópole de 2,5 milhões de habitantes. O regabofe é bem diversificado, com pratos típicos do sertão e do litoral do Nordeste. Ao cair do sol, a capital mostra sua intensa vida noturna. São inúmeros bares, casas de espetáculo, shows, além do badalado calçadão da Avenida Beira Mar, com sua Feirinha de Artesanato que não aceita “xexeiros”.

O Teatro e a Casa de José de Alencar são símbolos da cultura do nosso povo ao longo da história. As manifestações religiosas tem grande importância para a vida cotidiana da cidade, nossa Catedral é uma das mais belas do Brasil. A festa de Nossa Senhora da Assunção, padroeira da cidade, que acontece em 15 de agosto, e as festas juninas nem se fala, são “só o pitel”

Fortaleza tem uma vida cultural intensa, com diversas agremiações, instituições literárias e científicas. O Instituto do Ceará de 1887, a Academia Cearense de Letras fundada em 1894, o Centro Cultural do Banco do Nordeste, da Caixa Econômica, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e uma “ruma” de outras associações culturais de grande conceito. Aqui nada é de “rebolar no mato”.

A gastronomia é diferenciada, ressaltando-se pratos como o baião de dois, o churrasco de carneiro e carne-de-sol, frutos do mar, peixadas de cavala ou pargo, o afamado caranguejo e tapioca para todos os gostos. O camarão também é uma iguaria bem degustada. Os pólos gastronômicos da Varjota, da Praia de Iracema e da Avenida Beira Mar são os de maior diversidade e nada “fajuto”.

Ademais, existem vários museus em Fortaleza. Os mais importantes são o Museu do Ceará, que reúne peças valiosas sobre a cultura e o povo cearense, o Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar e o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará. As maiores bibliotecas de Fortaleza são as da Universidade Federal, Universidade de Fortaleza e a Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel, uma das mais importantes do Brasil. Tudo bem pertinho e não no “inferno da pedra”.

“Perainda”, que não posso me furtar de falar da nossa arquitetura composta por prédios tombados, que devem ser visitados, como a Casa e o Theatro José de Alencar; a Estação João Felipe, que foi a primeira estação ferroviária do Ceará; O Palácio da Luz, que foi a sede do governo; o Farol do Mucuripe, que é um dos símbolos de Fortaleza; e o Cinema São Luiz, que figura entre um dos mais belos do Brasil. Temos também o Estoril, na Paria de Iracema, e o Mercado dos Pinhões, o primeiro mercado público de Fortaleza.

Fortaleza, a “arretada” loira desposada do sol, é uma cidade que meu amigo leitor precisa conhecer. Ela é aconchegante e seu povo é hospitaleiro por excelência. Ficar por alguns dias vai ser pouco para conhecer tanta coisa boa. Sei que todos quando “caparem o gato” da nossa cidade vão quase “bater o catolé” de saudade, pois quero cegar da “gota serena” se não falei só a verdade, uma vez que aqui não tem nada “paia”, pode acreditar.

Amanhã eu volto com uma nova crônica

Este foi o dia nº 25. #FicamEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES -CE)

Dicionário Cearense (Cearensês)

*Abestado – Bobo, tolo, apalermado.
*Abirobado – Doido no sentido mais suave da palavra. Maluco.
*Achar graça – Rir, sorrir.
*Aperreado – Muito nervoso, sem saber o que fazer.
*Apetrechada – Dotada de beleza física.
*Arretado (a) – Elogio a uma pessoa. Muito bom, bonito.
*Arriado – Apaixonado
*Arribar – Levantar, erguer, sair.
*Arrudiar – Dar a volta.
*Assuntar – Procurar saber mais sobre o assunto.
*Bate-coxa – Dança em que o casal fica muito colado. Arrasta-pé.
*Bater o catolé – Morrer, passar dessa para melhor.
*Besta – Pessoa tola, ingênua.
*Botar buneco – Criar caso, fazer confusão.
*Brabo – Gente irritadiça ou valente. Difícil.
*Bruguelo – Recém nascido ou criança muito nova.
*Buliçoso – Pessoa que mexe em tudo.
*Cabeça-chata – Apelido dos cearenses.
*Cabra-da-peste – Homem valente, intrépido, afoito.
*Cambada – Turma, grupo etc. Pode ter conotação pejorativa ou carinhosa:
*Capar-o-gato – Significa: ir embora, fugir de alguma situação, “se mandar”.
*Chilelar – Andar bem rápido.
*Curriola – Turma. Grupo de amigos.
*Dar o grau – Caprichar.
*Fajuto – Ruim, de má qualidade, falso.
*Fuleiro – Pessoa muito irreverente, brincalhão.
*Gota serena – Expressão usada, principalmente, nos juramentos.
*Guaribada – Dar uma caprichada.
*Inferno da pedra – Lugar tão longe que ninguém sabe nem dizer onde fica.
*Paia – O mesmo que brega ou o mais popular peba.
*Perainda – Forma sintetizada de: Espere ainda um pouco.
*Quintura – Pessoa legal, competente, gente boa.
*Rebolar no mato – Jogar fora, atirar.
*Ruma – Um monte, uma grande quantidade de alguma coisa.
*Só o mi disbuiado – Coisa muito especial.
*Só o pitel – Muito bom.Ótimo. Maravilhoso.
*Toró – Grande chuva.
*Xexeiro – Caloteiro.
*Zoada (Zuada) – Barulho.

Crônica lançada durante o XXVII Congresso da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES – de 20 a 22 de setembro de 2018 em São Luís – MA.

domingo, 12 de abril de 2020

POR MANOEL FONSECA: Páscoa

Páscoa

Jesus, o Ressuscitado,
No simbolismo cristão,
Significa um chamado
À humana renovação.

Páscoa quer dizer passagem
Da tormenta e escuridão
Para uma nova viagem:
A vida em celebração.

O pão e vinho sagrados,
Com amizade e afeição,
São dados de mui bom grado
A amig@s do coração.

Que uma nova primavera
Chegue com esta passagem.
Nossa saudação sincera:
Saúde, paz e coragem!

Iracema Serra Azul,
Manoel Fonseca e família

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (24° dia)


Diário de uma quarentena (24° dia)
Coelhinho da Páscoa, o que trazes pra mim?
Por Arruda Bastos

O isolamento social e a Páscoa nos levam a lembranças de momentos da nossa vida, mesmo que os fatos tenham acontecido na infância e já estejamos “dobrando o Cabo da Boa Esperança”.

Para os que não conhecem essa expressão popular, “dobrar o cabo da boa esperança” é atribuída às pessoas que viveram intensamente, vencendo as adversidades, e que chegaram a um estágio da vida com certa idade e muita experiência.

Essa expressão foi inspirada nas dificuldades que tiveram os portugueses em contornar o Cabo da Boa Esperança no extremo sul da África, na época dos descobrimentos, à procura de alcançar o tão sonhado caminho para as Índias. O esforço foi sobre-humano para a esquadra do navegante Bartolomeu Dias.

Embora ainda esteja nesse estágio de vida, nessa manhã acordei lembrando-me de fatos longínquos da minha infância ligados à Páscoa. Recordo que, no jardim de infância, que fiz no Colégio Juvenal de Carvalho das irmãs Salesianas aqui em Fortaleza, fui coelhinho da Páscoa por um dia.

Como instituição religiosa, o colégio tinha uma programação toda especial para a Semana Santa. Na época, idos da década de sessenta, as missas eram diárias e as professoras leigas e as irmãs competiam entre si para apresentarem para a Madre Superiora a melhor participação dos seus alunos.

A minha professora era a irmã Paula que, com seu hábito impecável todo preto e, em outras vezes, reluzente de cor branca, me impressionava. Naquele tempo, o hábito era o tradicional, com touca que emoldurava o rosto e até cobria as orelhas, uma longa veste, meias, sapatos fechados e um cinto de tecido segurando o rosário. Daí o ditado popular “mais escondido que orelha de freira”.

Voltando à Páscoa, naquele ano, graças aos meus dotes artísticos, fui escolhido para representar a turma como personagem principal da peça infantil da Páscoa que foi encenada no auditório, para todo o colégio.

Como coelhinho da Páscoa, tive que vestir uma fantasia completa com orelhas, rabinho e tudo mais. Além da vestimenta, tinha que dançar e declamar “Coelhinho da páscoa, o que trazes pra mim? / Um ovo, dois ovos, três ovos assim / Coelhinho da páscoa, que cor eles têm? / Azul, amarelo, vermelho também”.

No final da minha performance, foi uma apoteose, sendo, então, aplaudido de pé, episódio que, sem dúvida, marcou para sempre aqueles dias de inocente criança no Juvenal e foi o responsável pelo meu desembaraço em falar em público para grandes multidões, fato que facilitou as minhas inúmeras campanhas políticas.

Mas a história do coelho não termina por aí, pois alguns anos depois, em uma festa de carnaval, o coelhinho ressurgiu lépido e fagueiro em um baile do Clube General Sampaio da Avenida da Universidade. Acho que isso aconteceu uns dois anos depois da minha estreia como ator. A fantasia, que estava guardada, como seria natural, quase não me cabia e teve o seu fechecler fechado a força, pois era o único traje carnavalesco que tinha.

A festa transcorria animadamente e meu saudoso tio Quelé, que nos levou ao baile, incentivou-me a cair na folia, mesmo com o desconforto da roupa. Resolvi, então, quando a animada bandinha iniciou a musica “A marcha da cueca”, cair na folia e ensaiar minhas primeiras voltas no salão.

Qual não foi minha surpresa quando senti que os foliões passaram a puxar partes da minha fantasia. Primeiro, arrancaram o rabo, depois, as orelhas, e assim as outras partes também. O certo é que depois de algumas voltas e antes dos acordes finais da marchinha com o tradicional “Eu mato, eu mato / Quem roubou minha cueca / Pra fazer pano de prato”, eu estava só de cueca.

Essa minha crônica de hoje representa muito bem as voltas que o mundo dá. Passei de ator de sucesso na Semana Santa encarnando o coelhinho da páscoa a uma pobre criança envergonhada no carnaval de dois anos depois.

O importante é encarar e, sempre que cair, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. E foi assim que eu fiz na época e que vamos, todos unidos, fazer agora na pandemia do coronavírus.

Para concluir, transcrevo três mensagens de páscoa, a primeira que diz: Uma prova de que Deus está conosco não é o fato de nunca cairmos, mas sim o fato de sempre levantarmos. A segunda, que nos faz pensar no espírito da Páscoa: O maior poder de Jesus não é ressuscitar os mortos, e sim ressuscitar os vivos. E a terceira que nos remete ao momento de solidariedade atual: Páscoa é ajudar mais gente a ser gente, é viver em constante libertação, é crer na vida que vence a morte. Páscoa é renascimento, é recomeço, é lutar por um mundo melhor e mais solidário. Que a alegria da ressurreição de Cristo esteja em seu coração hoje e sempre independe das dificuldades.

Feliz Páscoa!

Amanhã eu volto com uma nova crônica
Este foi o dia nº 24. #FicamEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES -CE).

sábado, 11 de abril de 2020

POR MANOEL FONSECA: Lave as mãos e use máscara.

Lave as mãos e use máscara

Durante a tal pandemia
Que afeta o mundo inteiro,
Se livre da agonia,
Se cuide, fique cabreiro.

Deixe de ter teimosia,
Querendo flanar faceiro,
Vá se intocar com alegria,
De todos, seja o primeiro.

Se aquiete, baixe a asa,
Limpe o quintal bem ligeiro,
Se comporte, fique em casa,
Ajude a mulher, sem berreiro.

Mas se precisa ir à rua,
Mantenha sempre a distância,
Alerta, fique na sua,
Nada de beijo, lambança.

Máscara é a primeira
Providência a ser tomada,
Lave as mãos, não dê bobeira, 
Na saída e na entrada!

Ao proteger sua vida,
Você protege também
Sua família querida
De quem você quer o bem.

Manoel Fonseca - médico
Movimento Poetas del Mundo

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (23º dia)


Diário de uma quarentena (23º dia)
O testamento de Judas e o “Cachorro Magro”
Por Arruda Bastos

Hoje, 11 de abril, é sábado de aleluia, o meu vigésimo terceiro dia de quarentena. Lamento comunicar aos meus amigos e à família que, infelizmente, não vai ser possível realizar a tradicional malhação do Judas na fazenda “Cachorro magro”. Devido ao isolamento social do coronavírus, não vou sair de Fortaleza.

Tem um ditado que diz que “recordar é viver” e, no dia de hoje, vou fazer exatamente isso. Fechando os olhos, retornei no tempo e pousei em Itapipoca, terra abençoada e berço da minha amada Marcilia. Lá, durante anos a fio, na fazenda do meu sogro, que os filhos herdaram, o boneco de Judas pendurado no poste na entrada do terreiro era uma atração aguardada por toda a região.
A festança atraía público que vinha das fazendas vizinhas: Beba Mais Leite, do Recamonde, e da Gangorra. Tinha quem viesse até de povoados mais distantes, descendo o rio Sororó. As atrações eram duas: o boneco confeccionado pelo meu concunhado Almir com a ajuda de muitos outros familiares e o testamento que era de uma inspiração ímpar.

O dito cujo era escrito a muitas mãos e sempre dirigido aos presentes, principalmente àqueles mais conhecidos na região. O testamento era cumprido e, na maioria das vezes, trazia estrofes sem um só verso de pé-quebrado. A irreverência e o atrevimento não poupava ninguém, nem mesmo eu que ocupava a função de mestre de cerimônia.

Digo que, depois da leitura pública e da queima do Judas, tudo era só alegria, o cuidado mesmo era com meus filhos, ainda pequenos, os sobrinhos menores e com uma reca de crianças que teimavam em brincar no terreiro perto do boneco em chamas.

O Judas era de primeira, tinha o meu tamanho, chapéu, sempre vestia terno, às vezes de linho, e era aplumado de tudo até na gravata. As doações para sua confecção eram arrecadadas na família, que premeditadamente levava de Fortaleza. Dava até pena de queimar.

Lembro-me de uma vez que ”a porca quase torce o rabo". Não vou dizer o nome do ilustre convidado que tinha sido prefeito, mas o certo é que depois de ouvir a leitura do testamento, que falava de dinheiro de uma prefeitura, o mesmo tomou as dores e vestiu a carapuça. Quase que o “caldo entorna”, a sorte é que um parente, que era amigo dele, acalmou a fera.

Quando o ano era de um bom inverno a coisa melhorava. A fartura era grande, tinha espiga de milho, canjica e muito mais. A dificuldade era chegar na localidade, pois a estrada de barro e com muitos buracos tinha muito atoleiro. O Fiat 147 da Marcilia e o meu Del Rey de quatro portas que o digam.

No final tudo era só festa e a programação para o ano seguinte já ficava acertada. Espero que em 2021 possamos estar todos juntos para queimarmos o Judas e para agradecer o seu testamento de hoje que diz: Pro meu amigo Arruda, cabra da melhor qualidade, autarquia e esticado, deixo minha assinatura no seu Diário da quarentena, minhas roupas de marca, muita saúde, perseverança e paz. Obrigado e que assim seja!

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 23. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE)

sexta-feira, 10 de abril de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (22º dia)


Diário de uma quarentena (22º dia)
Macambúzio e sorumbático com as lembranças da Sexta-feira Santa
Por Arruda Bastos

Chegamos à Sexta-feira Santa e as notícias da pandemia continuam a preocupar. Fortaleza agora ocupa a primeira posição entre as cidades brasileiras com maior incidência da doença por 100.00 mil habitantes. A minha esperança continua sendo nos efeitos benéficos do isolamento social e o achatamento da curva com o retardo do pico da doença.

Durante o dia, tentei manter a rotina, mas confesso que não consegui.  A Sexta-feira Santa, desde que eu me entendo por gente,  sempre me deixou macambúzio e sorumbático. Quando criança, principalmente à tarde, não dispensava ficar isolado, deitado no banco da Kombi do meu pai, trancado e com um radinho de pilha a escutar pela rádio Uirapuru a exibição da radionovela “A Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Só depois de escutar toda a gravação, saía e, ainda emocionado, meditava sobre a vida de Cristo. Hoje, senti falta do banco aconchegante da Kombi de seis portas, da rádio Uirapuru e da sua programação voltada para o dia da Paixão. A tristeza ainda foi maior por, vasculhando o dial do meu rádio, não encontrar quase nada alusivo à data.

Fui, então, pesquisar na internet e, para a minha alegria, descobri que a Rádio Nacional do Rio de Janeiro reapresenta "A Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo" nesta Sexta-feira Santa, a partir das 19h em 1130 kHz AM e no site das Rádios EBC. Vou terminar logo a crônica para me emocionar durante a noite.

A radionovela foi ao ar em primeira edição no dia 27 de março de 1959, pela mesma emissora e anualmente era reproduzida durante a Semana Santa por um grande numero de prefixos.  Radiofonizada por Giuseppe Ghiaroni, “A Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo” foi um marco e reuniu quase uma centena de artistas para interpretarem as vozes dos personagens bíblicos.

Quem já teve a oportunidade de escutar, não esquece a belíssima sonoplastia, as músicas e a voz inconfundível de César Ladeira na narração e a locução de Aurélio Andrade e Reinaldo Costa. A radionovela também é pontuada por “Marcellus returns to Capri” da trilha sonora de O Manto Sagrado (The Robe, 1953) de Alfred Newman.

A Sexta-feira Santa continua sendo, para mim, o dia do silêncio e da adoração, dia no qual se medita com a Via-Sacra a Paixão de Cristo e se repercorre com Jesus o caminho da dor que leva à sua morte, uma morte que, sabemos, não é para sempre.

Na liturgia não há canto, não há música e não se celebra a Eucaristia, porque todo o espaço é dedicado à Paixão e à morte de Jesus. Ajoelhamo-nos, para simbolizar a humilhação do homem terreno e a coparticipação no sofrimento do Senhor. Porém, não é um dia de luto, mas um dia de contemplação do amor de Deus que chega a sacrificar o próprio Filho, verdadeiro Cordeiro pascal, para a salvação da humanidade.

Para terminar, digo que mesmo sem a Kombi e a radionovela, no momento em que estou terminando de escrever, uma paz muito grande toma conta do meu ser. Acho que as lembranças e as orações do dia com minha querida Marcilia me fizeram crer que Deus, na sua infinita bondade, está a nos proteger e que, no final, tudo vai dar certo. Tenham fé!

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 22. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE)