Dr. Edgar Steffen |
Sua Majestade o Sabiá
É pássaro que canta a primavera, o amor e as coisas boas da vida. O canto dos sabiás costuma ocorrer durante a madrugada e antes do anoitecer
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
(Canção do Exílio - Gonçalves Dias)
- Edgard Steffen
Em meio às notícias da semana, uma despertou minha atenção. Cidadãos protestam contra o canto dos sabiás nas madrugadas paulistas. Parece incrível que gente acostumada ao rumor do trânsito, ao ensurdecedor barulho dos bate-estacas e, talvez, aos decibéis dos festivais de rock e/ou música eletrônica, consiga perder o sono com o gorjeio de flauta da ave símbolo do Brasil. Outra estranheza esta alvissareira saber da existência de sabiás-laranjeira na selva de pedra que é São Paulo. Roubaram-lhes a mata, mas eles aprenderam a sobreviver no pouco verde que restou.
Sabiás eram comuns nos sítios e quintais onde brinquei. Também em locais onde fui pescar. No arvoredo em torno do rancho de pesca do Coxim (MS) foram contados 40 casais da espécie. Gostoso ouvir o canto majestático longe da sinfonia dos pardais da cidade grande. Resolvi dar uma espiada no mestre Von Ihering (Dicionário dos Animais do Brasil). Existiriam 14 espécies brasileiras, a maioria pertencente ao gênero Turdus. O laranjeira ou sabiá-piranga Turdus rufiventris é nosso melhor cantor e se caracteriza pela plumagem vermelho-ferrugem no peito e barriga.
Adoro os versos de Chico para música de Jobim: "Vou voltar / sei que ainda vou voltar (...) Ouvir cantar uma sabiá...". Se você pensou que Chico Buarque e Tom Jobim erraram ao chamá-lo "uma sabiá", saiba que, em vários estados do nordeste, o povo o conhece pelo feminino. Vou para a internet e vejo que nosso passarinho herói foi nomeado ave símbolo do Brasil no Governo FHC e fará parte da simbologia na Copa das Confederações de 2014. É pássaro que canta a primavera, o amor e as coisas boas da vida. O canto dos sabiás costuma ocorrer durante a madrugada e antes do anoitecer. Demarca território, atrai fêmeas e ajuda a fêmea-companheira a preparar a prole para a vida. Canta também para ensinar seus filhotes machos.
Consulto a coletânea de música brasileira coligida por meu amigo Moreira Filho* e encontro quatro delas que se referem ao nosso pássaro. Sabiá (Sinhô), Sabiá na gaiola (Hervê Cordovil), Sabiá laranjeira (Max Bulhões) e Sua Majestade, o Sabiá (Roberta Miranda). Deve existir mais. A minha preferida continua sendo a de Chico Buarque e Tom Jobim que venceu a favorita "Prá não dizer que não falei de flores" (FIC, 1968). Por falar na "Caminhando e cantando.." dos protestos contra os anos de chumbo, comparo: O trabalho "Durma com um barulho desse"** , muito bem feito e ilustrado, ocupa quase a página inteira do jornal. Bem diferente de outro que, no mesmo periódico, ficou num cantinho.
Pode ter passado despercebido por muita gente. Depoimento de torturado, revela que, nos porões da ditadura, tocavam músicas de Roberto Carlos bem alto para que vizinhos não ouvissem os gritos dos torturados.Também no Chile de Pinochet usavam discos de Roberto e de Julio Iglesias para o mesmo fim.
Algum alienado, que goste de ouvir música em altos decibéis, fazendo carro e vizinhos estremecerem com o volume de sua potente máquina de som, pode até pensar que tortura maior seria ouvir o Rei RC e Iglesias. Que o trinado de nosso pássaro-cantor não perturbe o sono de seus tímpanos endurecidos.
(*) Silva F°, A. M. da As canções que nós gostamos de cantar Edição própria, 2003
(**) Oliveira, R.- FSP 16/09/2013 pag. C4
- Edgard Steffen é médico pediatra e escreve semanalmente, aos sábados, neste espaço - e-mail: edgard.steffen@gmail.com
Notícia publicada na edição de 21/09/13 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
NÃO CANTE MAIS, SABIÁ,
ResponderExcluirNESTA SÃO PAULO TÃO TRISTE ...
VEM PARA O MEU CEARÁ,
ONDE SÓ ALEGRIA EXISTE!
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Dr.Edgard é Medico Pediatra e Infectologista, Prof.Titular aposentado da Faculdade de Medicina de Sorocaba. Escreve semanalmente no jornal Cruzeiro do Sul há quase dez anos. Fomos contemporâneos no antigo Departamento Estadual da Criança do Estado de São Paulo. É o coordenador do Núcleo do MMCL- Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário em Sorocaba. Todos os artigos dele são muito interessantes e tenho às vezes dificuldade para separar alguns para indicar à nossa caríssima Presidente Celina visando sua postagem no nosso Blog. William Moffitt Harris, médico sobramista cearense de Campinas-SP.
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