Dr. Edgard Steffen |
Não jogue a criança fora...
No Brasil, somos perdulários. Tomamos um ou mais banhos por dia. Cabral já notara que os primitivos habitantes de Pindorama banhavam-se muitas vezes nas águas dos rios e lagoas
"Don"t throw the baby out with the bath water"
(Não jogue fora o bebê junto com a água do banho)
* Edgard Steffen
A expressão idiomática inglesa serve para alertar apressadinhos: ações precipitadas podem resultar em besteira. Teria nascido com o costume medieval dos banhos familiares tomados em única tina. Ao chefe da família, o privilégio de ser o primeiro entrar na água quente. Depois, na mesma água, vinham os homens da casa, por ordem de idade; a seguir, também por ordem cronológica, as mulheres; por último, as crianças. A esta altura, a água estaria tão suja que se poderia "perder" um bebê dentro da tina.
Em alguns países da Europa, costume semelhante persiste até nossos dias. Jovem sorocabana foi para a Alemanha em programa de intercâmbio cultural. Na tarde em chegou ao lar hospedeiro, ofereceram-lhe banheira cheia de água tépida. Para combater o cansaço, consequente à longa viagem, tomou banho prolongado; como de hábito, retirou o tampão e esgotou a água. Ao sair sentiu certo ar de desaprovação; atribuiu as caras feias ao fato de haver demorado no banho. Somente entendeu o porquê no dia seguinte, quando o chefe da família iniciou a fila do banho, seguido pela esposa, pela filha; por último, sem esgotar a água, a banheira foi liberada para a hóspede..
No Brasil, somos perdulários. Tomamos um ou mais banhos por dia. Cabral já notara que os primitivos habitantes de Pindorama banhavam-se muitas vezes nas águas dos rios e lagoas. Cabral pode ter descoberto, mas, quem inventou o Brasil foi D. João VI. A ele devemos nossa identidade e existência como nação continental, sem a fragmentação da América Espanhola. Elevou-nos à condição de Reino (unido a Portugal e Algarves). Com a corte, trouxe artistas e naturalistas, criou o Banco do Brasil, a Imprensa Nacional, a Escola de Medicina, a Escola de Belas Artes, o Jardim Botânico e assinou o Alvará de Emancipação Industrial (antes desse documento, qualquer indústria era proibida na Colônia) e outras tantas coisas que a História registra. O que a História não registra é algum banho tomado pelo monarca, em toda sua estadia abaixo da linha do Equador. Consta que, em toda vida, nunca tomou um banho sequer de corpo inteiro.
No fim do século XIX e primeira metade do XX, com a imigração europeia, alguns hábitos dos países frios foram importados e absorvidos pela comunidade local. Quem veio para cá, substituir a mão de obra escrava ou fugir do desemprego europeu, era gente pobre oriunda de locais pouco favorecidos por saneamento e habitação. Essa deve ter sido a origem do banho semanal que vigorou até o fim dos anos 30. Sábado era dia de limpeza geral do corpo. Nos outros dias da semana, lavava-se o rosto pela manhã, e os pés antes de ir para a cama. Velho sanitarista estudou em badalado colégio interno privilégio dos ricos nos idos de 1923 a 27. No internato, o banho semanal era às quartas-feiras, às 6h30 da manhã, antes da missa obrigatória. A capital de São Paulo ainda era gélida e úmida terra da garoa. Não havia aquecimento central nem chuveiro elétrico. O banho era com água gelada. Alguns discípulos de "dãojoãovi" molhavam apenas os pés, os cabelos e saiam dos boxes enxugando-se para enganar os padres vigilantes.
Nas cortes europeias, no pós Idade Média, a higiene também não era lá essas coisas. O suntuoso Palácio de Versalhes com seus magníficos jardins, salões e salas não possuía coisa parecida com o que hoje chamamos toalete ou banheiro. Os dejetos, quando não depositados nos jardins, eram colhidos em vasos ou tinas e lançados em superfície nos arredores. As saias rodadas e sobrepostas das nobres damas não eram somente exigências da moda. Serviam para bloquear os odores das partes íntimas. A maioria dos casamentos era realizada em junho (início do verão) talvez para aproveitar o alívio proporcionado pelo primeiro banho do ano, tomado no mês de maio. O buquê das noivas teria nascido para disfarçar o odor.
Sempre pensei que lacaios abanando nobres, tal como se vê em filmes, fossem usados para espantar insetos. A razão maior da abanação era dissipar exalações de corpos que viam água muito de vez em quando.
* Edgard Steffen é médico pediatra e escreve semanalmente aos sábados neste espaço - edgard.steffen@gmail.com
Notícia publicada na edição de 28/09/13 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
Dr.Edgard é Medico Pediatra e Infectologista, Prof.Titular aposentafdo da Faculdade de Medicina de Sorocaba. Escreve semanalmente no jornal Cruzeiro do Sul há quase dez anos. Fomos contemporâneos no antigo Departamento Estadual da Criança do Estado de São Paulo. É o coordenador do Núcleo do MMCL- Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário em Sorocaba. Todos os artigos dele são muito interessantes e tenho às vezes dificuldade para separar alguns para indicar à nossa caríssima Presidente Celina visando sua postagem no nosso Blog. William Moffitt Harris, médico sobramista cearense de Campinas-SP.
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