Total de visualizações de página

domingo, 29 de março de 2020

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (10º dia)


Diário de uma quarentena (10º dia)
Mãezinha, que falta a senhora me faz.

Estamos no décimo dia de quarentena e as notícias continuam cada vez mais preocupantes. No Ceará, as medidas de isolamento social implantadas, e agora prorrogadas, pelo governo levam à expectativa de um achatamento na onda do pico da epidemia, o que propiciará, se Deus quiser, uma melhor assistência aos enfermos.  

Eu, Marcilia e nossos filhos já perdemos a conta de quantas missas e terços que participamos e rezamos. Na manhã de hoje não foi diferente: rezamos o “Cerco de Jericó” da família Arruda Bastos. Quando iniciávamos, recordei da figura da minha querida mãe, Maria de Lourdes. Ela era uma católica fervorosa e, conjuntamente com meu amado pai, César Bastos, formava um abençoado casal. Eles, todos os dias, rezavam durante a madrugada um terço para cada filho e suas famílias, e veja que somos nove.

Sempre me considerei protegido pelas orações dos dois e, quando passava por alguma dificuldade, atribulação ou necessitava alcançar um difícil objetivo, ligava para mãezinha e solicitava uma cota extra de orações. Digo, como já escrevi em outras crônicas, que parecia que ela tinha uma linha direta com Deus, pois, na maioria das vezes, os seus pedidos eram atendidos.

Quando entre nós, eu considerava minha mãe uma santa de fato e, depois da sua morte, passei a considerá-la uma santa de direito. Por isso, quando recordo da sua figura iluminada e das suas virtudes, não me furto de pedir a sua intercessão a Deus e a Nossa Senhora. Sei que muitos dos meus irmãos estão fazendo o mesmo. 

Se você, meu leitor, ainda é abençoado e tem seus pais nesse plano terreno, é importante que tenha todo o cuidado com eles, principalmente os que se encontram no grupo de risco. É hora também de rezarmos e, na medida do possível, providenciarmos o conforto e o isolamento necessário.

Sei que existem também muitas famílias desajustadas e com graves problemas de relacionamento. Para elas, sugiro que procurem uma reconciliação. Que tal aproveitar o momento atual de dificuldade e de aproximação com Deus para fazer o mesmo com os pais e irmãos? O dia de amanhã é incerto, por isso o tempo urge.

Vamos ligar para nossos pais, irmãos e amigos. Estender a mão para aqueles mais necessitados e frágeis. O momento requer desprendimento, carinho, amor e fraternidade. A verdade é que ninguém sairá dessa como entrou. Alguns vão, com toda certeza, sair menores. Seja você do majoritário grupo que vai sair desse momento muito melhor do que entrou.

Para concluir o compromisso de ontem, bem cedinho tomei, com minha amada Marcilia, a vacina da gripe, enfrentando, como falei na crônica anterior, mais uma odisséia e a terra dos vírus gigantes. Voltamos ao mesmo Shopping e, ainda com o sol “friinho”, das mãos de carinhosas profissionais de saúde, vencemos mais essa etapa. Aleluia!

Para animar um pouquinho o nosso domingo, vou transcrever o post de um banner dos “minions sinceros e irônicos” que recebi da minha filha Lívia logo que acordei. Nele estava escrito: “Quando eu contar pros meus netinhos o que a gente viveu nesses meses de quarentena de 2020 eles vão dizer: pronto lá vem a véia mentirosa!”. Eu não duvido nada, mas para provar, sei que Lívia vai lembrar de procurar no fundo do baú as crônicas do seu pai “Diário de uma quarentena”.

Amanhã eu volto com uma nova crônica.
Este foi o dia nº 10. #FiquemEmCasa

Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-CE).

POR TIAGO STUDART SINDEAUX: Nunca para mim antes fora envolvente o tal do vídeo game, asseguro!


Nunca para mim antes fora envolvente o tal do vídeo game, asseguro! 

Nem mesmo na sua época áurea, pelos idos dos anos 80, quando o Atari era a febre, não diferente aqui na província de Alencar. 
Ainda que apesar da habilidade característica, sempre desbancando; no Enduro, River Raid e Pitfall; assanhados primos que apinhavam a ampla e ventilada sala cor de carne, na Praia do Futuro. 

Quem sabe fazendo respeitar o dito "Deus não dá asa à cobra". 

Isto posto, e entretanto, como para tudo na vida, "nunca diga nunca" nem mesmo "desta água não beberei", aqui estou, com barbas brancas e cabelos prateados defronte a um exemplar d'ele, do futuro! 

O bendito, de nome reduzido à duas letras e um número (PS4), sem sal! 
Mas de luzes aí sim envolventes, com imagens e nitidez de assombrar qualquer alienígena, quanto mais a mim, brabo que sou, aliás, talvez que era, visto que me hipnotizado encontro, pedindo licença apenas para escrever estas linhas que já me atrasam de volta ao "Play".

"Respeita lhe os queridos enganos: Nunca se deve tirar o brinquedo de uma criança.
Tenha ela oito ou oitenta anos" 
Mário Quintana 

Fortaleza, 29 de março de 2020

POR MANOEL FONSECA: Renda mínima para pessoas vulneráveis



Renda mínima para pessoas vulneráveis

É fundamental e urgente a necessidade do governo federal implementar estratégias rápidas e eficazes de oferecer recursos financeiros para que pessoas mais vulneráveis economicamente possam praticar o isolamento social e não passar fome. A decisão de transferir renda (de até 1200,00 por família vulnerável) tomada pelo Congresso é corretíssima e o governo Bolsonaro, infelizmente, retardou por um mês esta tomada de decisão, questionando o distanciamento social, dizendo que a COVID-19 era uma "gripezinha", instigando o não isolamento devido à economia, o que "autorizou" empresários inescrupulosos a fazerem perversa propaganda contra o isolamento e mesmo médicos, como Osmar Terra, que contraria a OMS e as evidencias científicas e zomba do isolamento social. O Ministério da Saúde foi lento em adquirir testes e usá-lo em massa, como aconteceu na Coreia do Sul, pois o diagnóstico precoce ajuda as medidas de controle e reduz drasticamente os óbitos. 
Nós estamos na fase crítica de ascensão da contaminação. O isolamento social, estabelecido pelos governadores, preservando o funcionamento dos serviços essenciais, permitiu um tempo minimo para criar a infraestrutura de suporte para o enfrentamento do pico da epidemia que acontecerá no próximo mês. Faz-se necessário ampliar radicalmente a oferta de testes e o controle rigoroso dos positivos, para prevenir o agravamento do quadro clinico e reduzir o número de óbitos, antecipando cuidados. Mas é decisivo agilizar a transferência de renda para os mais vulneráveis socialmente, ampliar radicalmente o bolsa-família, amparar os trabalhadores informais e microempreendedores individuais, dando-lhes condições minimas de sobrevivência para suportar a calamidade causada pelo COVID-19. 

UNIDOS SOMOS MAIS FORTES.

Manoel Fonseca - médico epidemiólogo e mestre em saúde pública.
Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia-Ceará

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (9º dia)

Dr.Arruda Bastos e sua esposa.
Por Arruda Bastos

Uma odisseia na terra dos vírus gigantes

No dia de hoje, após nove dias de quarentena sem colocar nem o pé fora do apartamento, resolvi, graças aos pedidos da Marcilia, aproveitar a bela tarde de sol desse sábado para nos vacinarmos contra a gripe. Pesquisamos e escolhemos para isso o estacionamento do Shopping Rio Mar Papicu, aqui em Fortaleza. O sistema drive thru, implantado para vacinação sem sair do carro, pareceu-me seguro.
Os preparativos para descer do apartamento e pegar o beco rumo ao Shopping lembrou a música “Tudo OK”, sucesso da cantora Mila, muito executada no último carnaval. A letra diz: “É hoje que ele paga todo o mal que ele te fez / Cabelo ok, marquinha ok, sobrancelha ok, unha tá ok / Brota no bailão pro desespero do seu ex / Se ele te trombar vai se arrepender / Uma bebê dessas nunca mais ele vai ter”.
Para a odisséia, tomamos banho, pegamos as máscaras, o álcool em gel, lenços descartáveis e tratamos de limpar os bolsos e as carteiras, só levando mesmo nossas identidades. Fundamentais, pois, depois que tirei a barba, poderia ser confundido com um broto, e Marcilia, com a quarentena, cada vez fica mais bela e jovem.
Depois de passar pela barreira do elevador usando muito álcool em gel nos botões e na porta, chegamos ao nosso bunker. Ao entrar, nova esterilização agora do volante, na marcha e em outras partes do painel. Ao ligar o carro, observei que o combustível estava na reserva. Lá foi mais estresse com a necessidade de abrir o vidro no posto, passagem do cartão na maquineta e digitação da senha. Novamente uma chuva de álcool em gel.
Não sei bem o motivo de, no caminho, lembrar do seriado “Terra de gigantes” que foi exibido na televisão brasileira por volta de 1968. Na época, eu era um rapaz e me recordo do enredo. A série mostrava a tripulação de uma nave espacial chamada Spindrift que, durante uma viagem de Los Angeles até Londres, entra numa dobra espacial e cai num planeta onde todos os habitantes são gigantes.
Na “viagem” ao nosso destino também recordei do filme “Uma Odisseia no Espaço”, exibido em 2001, e que tratava de uma missão espacial rumo ao planeta Júpiter, em que os astronautas se vêem à mercê do computador HAL 9000, que controla a nave. HAL cometeu um erro, mas recusa-se a admiti-lo. Seu orgulho de máquina perfeita impede que aceite a evidência da falha. Por isso, para encobrir a própria e insuspeitada imperfeição, começa a eliminar os membros da equipe.
Digo que passamos mesmo por uma Odisseia no Espaço e que o nosso cuidado de não contrair o coronavírus justificou a lembrança da série “Terra de gigantes”, só que o medo agora é de seres microscópicos e não de gigantes, como no seriado. Os ditos gigantes, na conjuntura atual, somos nós.
Para terminar, digo que o nosso intento não foi alcançado, pois depois de esperarmos mais de duas horas na reta, recebemos a triste notícia de que a vacina tinha acabado. Só nos restou voltar, com o rabo entre as pernas, e planejar uma nova odisseia na terra dos minúsculos vírus amanhã.
Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médico Escritores – SOBRAMES – CE.

POR: ANA MARGARIDA FURTADO ARRUDA ROSEMBERG - A HISTERIA CONTRA O ESCARRO NA GUERRA CONTRA A PESTE BRANCA


Ana Margarida Rosemberg e a Dama d'Auxerre - Louvre-Paris - setembro de 2019
A HISTERIA CONTRA O ESCARRO NA GUERRA CONTRA A PESTE BRANCA


A transmissibilidade da tuberculose (peste branca) foi controvérsia secular, pois a doutrina hipocrática da hereditariedade chegou a constituir um dogma até o século XIX. 
Em 1865, o francês Villemin provou que a tuberculose era transmissível inoculando material de animais doentes em outros sadios, tuberculizando-os. Porém, em 1882, coube ao alemão Robert Koch (1843-1910) o grande feito de identificar o agente causal da doença, o Mycobacterium tuberculose, que passou a ser chamado de bacilo de Koch.

Quando Koch apresentou o bacilo à comunidade científica, a tuberculose era responsável por 1/7 da mortalidade no mundo e um só tuberculoso era capaz de expelir, por dia, sete milhões de bacilos. 
O escarro, visto como o grande veículo do bacilo, passou a ser combatido com rigor. Até então, as pessoas expectoravam abundantemente atapetando o solo, as paredes, os móveis, os lenços e as roupas. Era preciso conscientizar a população a mudar esse hábito nefasto e, para isso, leis foram criadas para combater o péssimo costume de escarrar no chão e nas paredes.

Irromperam campanhas em diversos países do mundo orientando o uso das escarradeiras públicas e de bolso, contendo líquidos antissépticos. Por volta de 1890, surgiram na França as escarradeiras públicas e portáteis. As primeiras eram pesadas, de difícil manejo, com abertura de diâmetro reduzido, que dificultava o ato de escarrar sem molhar suas bordas e sem formar verdadeiras estalactites. Além disso, o ácido fênico, usado para neutralizar o bacilo, era tóxico e exalava mal cheiro, provocando náuseas e acessos de tosse nos tísicos.

Inúmeros cartazes com dizeres sobre o risco de escarrar no chão foram editados em vários países do mundo. 
No Brasil, as Ligas de Combate à Tuberculose e a Inspetoria de Profilaxia de Tuberculose (IPT) do Departamento Nacional de Saúde (DNS) do Distrito Federal encamparam esta forma de luta.  

Criou-se uma verdadeira guerra contra o escarro, chegando-se a uma histeria coletiva desencadeada pelas campanhas das instituições médicas. Em todos os países, viam-se cartazes afixados em diversos locais. Folhetos foram distribuídos às populações alertando-as sobre a transmissão da tuberculose. O comércio tirou proveito. Anunciavam-se escarradeiras próprias para hospitais, escritórios, fábricas, restaurantes, teatros, transportes coletivos etc.

Em Paris, empresas faziam propaganda de escarradeiras de bolso e porta-lenços antissépticos descartáveis. Em Berlim, inventaram um preparado aderente para colar nas solas dos sapatos que matava os bacilos. Usavam-se impermeabilizadores de assoalhos com substancias bactericidas. Uma empresa internacional vendeu colchões e travesseiros com antissépticos que matavam os bacilos. Nos Estados Unidos, foi promulgada portaria proibindo escarrar nos assoalhos, plataformas das estações e viaturas públicas. Os contraventores eram multados com 25 dólares ou 10 dias de prisão. Em Viena, a multa ia de 2 a 200 coroas com prisão de 6 horas até 20 dias. Os hotéis da Europa ofereciam apartamentos sem tapetes e sem cortinas.

No Brasil, a Liga Paulista Contra a Tuberculose solicitou o apoio da imprensa diária e a maior parte dos jornais da capital Paulistana inseriu em suas páginas, por muito tempo, essas máximas de profilaxia contra a tuberculose criando no espírito popular uma consciência sanitária. Foi votada uma lei que proibia escarrar nos teatros, igrejas, hotéis, casas de pensão, circos, frontões, prados de corridas, cafés, confeitarias, mercados etc. Esses estabelecimentos foram obrigados a instalar escarradeiras higiênicas coletivas, contendo líquido antissépticos, elevadas de um metro sobre o solo ou suspensas nas paredes.

Na guerra ao escarro foi relevante o papel que as escarradeiras desempenharam. As antigas de madeira cheias de areia e serradura foram, irremediavelmente, condenadas pela higiene. Aquelas de metal, vidro ou ferro esmaltado, apesar de mais asseadas, não foram toleradas por muito tempo por apresentarem pequeno tamanho e não permitirem a colocação de uma camada suficiente de líquido antisséptico para impedir a dessecação dos escarros. Depois, por serem instáveis, podiam tombar com facilidade, contaminando o chão com seu conteúdo e, por serem colocadas ao nível do solo, dificultavam a projeção dos escarros em seus interiores, principalmente quando suas aberturas não eram suficientemente amplas. Outro problema era a dificuldade para limpá-las e esterilizá-las por causa de suas reentrâncias. Todos esses inconvenientes das “cuspideiras” comuns justificavam sua condenação pela ciência sanitária como uma peça anti-higiênica para ser usada, principalmente, nos lugares públicos.

As escarradeiras fixas, de fácil limpeza e desinfecção, adaptadas às paredes e sempre a certa altura do assoalho, eram as mais aconselhadas. Afinal, essas escarradeiras higiênicas estavam sendo utilizadas nos países civilizados. Existiam vários tipos e modelos de escarradeiras e as mesmas tornaram-se objetos requintados que ornamentavam as residências dos ricos.  Os pobres escarravam no chão, dentro de seus dormitórios escuros e sem ventilação, espalhando bacilos e contaminando facilmente seus familiares.

É interessante observar que com o mesmo slogan, “É PROIBIDO”, o destino de dois objetos, escarradeira e cinzeiro, nas lutas contra a tuberculose e contra o tabaco, foi completamente diferente. Na primeira, as escarradeiras entraram na moda e se disseminaram por todos os lugares. Na segunda, os cinzeiros foram, paulatinamente, saindo de moda e desaparecendo, pouco a pouco, das residências e demais locais públicos.

Enquanto a profilaxia da tuberculose era feita através do combate ao escarro, o alemão Carl Georg Friedrich Wilhelm Flügge (1847-1923) mostrou, no finalzinho do século XIX, que não só a poeira seca (fruto da dessecação do escarro) era responsável pela transmissão do bacilo, mas, principalmente, a poeira líquida que o tuberculoso, a cada instante, projetava ao falar, tossir, espirrar e cantar. Essas gotículas carregadas de bacilos passaram a ser chamadas de gotículas de Flügge e tornaram-se as principais responsáveis pela propagação da tuberculose.

Porém, a ideia do perigo do escarro persistiu por muito tempo e só, paulatinamente, deu lugar a ideia de que as gotículas de Flüggle eram bem mais poderosas na transmissão da tuberculose. A partir de então, o tísico passou a ser visto como perigoso, não só pela sua expectoração, mas, principalmente, por sua presença.

 Hoje, sabe-se que a tuberculose se transmite através das gotículas de Flügge e só excepcionalmente através do escarro. Na época da guerra ao escarro, teria sido mais viável uma guerra às gotículas. Porém, elas não eram visíveis como o escarro e foi nele que Koch descobriu o bacilo.

Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg

Fortaleza, 29 de março e 2020

Fonte: ROSEMBERG, Ana Margarida Furtado Arruda. Guerra à Peste Branca – Clemente Ferreira e a Liga Paulista contra a Tuberculose - 1899-1947. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 2008.
 
Escarradeiras de domicílio
 
Escarradeira de metal

sábado, 28 de março de 2020

POR TIAGO STUDART SINDEAUX: PARADA

PARADA 

Dor lancina triste cena, 
pernas bambas que se somem/
Pensamento fragmenta/
Cerra às mãos uma tormenta/
Sentimentos não respondem/

Nos pulmões o ar que entra,
Ventos curtos se escondem/
Ânsia vem, é violenta/
Um sufoco que arrebenta/ 
Ouve os dentes que se rangem/

Corpo assim que mal respira,
lento sangue que não flui/
Viver triste é uma sina, 
pelo mal que evolui/
Lá se vai dentro do peito, 
tá falido é sem jeito, 
bomba sem mais expressão/

Bate forte, desde sempre/
Agora fraco se ressente/
Combalido Coração/

Tiago Studart Sindeaux 
28/03/2020 

POR ARRUDA BASTOS: Diário de uma quarentena (8º dia)

Dr. Arruda Bastos - Presidente da Sobrames-CE

Por Arruda Bastos
Por favor, fiquem em casa
Prezados leitores, como minhas crônicas, depois que tudo isso passar, vão se transformar no terceiro volume de uma coleção de livros que escrevo denominada “Corações”, tenho por obrigação pincelar algumas delas com fatos da nossa realidade de forma nua e crua.
Por isso, no dia de hoje, 27 de março de 2020, vou falar da falsa polêmica do isolamento social e de uma espécie já testada e que não funcionou em local nenhum do mundo, denominada de “isolamento vertical”, na qual só idosos e outras pessoas do grupo de risco ficam em quarentena.
Digo que a parte do meu corpo mais dolorida nessa manhã são as pontas dos dedos. Isso se deve à quantidade de posts que escrevi nas minhas redes sociais com a hashtags #FiqueEmCasa. O motivo de tamanha compulsão foi as últimas notícias da Covid-19 no Brasil e no mundo e a estapafúrdia proposta de voltar atrás nas medidas restritivas de circulação, sugerida pelo presidente.
No grupo do whatsapp da família e do condomínio, postei que: Em todos os lugares do mundo em que foi flexibilizada a quarentena, a situação piorou sensivelmente e o retorno foi obrigatório de forma ainda mais restritiva, depois de milhares de mortes e de um grande aumento dos contaminados. Exemplos típicos da Itália, Espanha, Inglaterra e, agora, nos Estados Unidos.
Em outro post, fui mais enfático informando que não existe possibilidade de tal isolamento vertical funcionar, pois crianças, jovens, adultos jovens e adultos mais velhos transmitem a doença, mesmo assintomáticos, aos grupos de idosos e de risco e a contaminação acontece nas escolas, no trabalho e nas ruas. A defesa da flexibilização não tem respaldo científico em nenhum trabalho reconhecido de especialistas no mundo, muito pelo contrário.
Para outros grupos, postei que como ex-secretário da saúde do Estado do Ceará e conhecedor da nossa realidade de número de hospitais, leitos, UTIs e respiradores, tanto na rede pública como na privada, se o isolamento social, como determinado pelo governo do Estado, não for respeitado, vamos vivenciar a calamidade em maior grau que em outros países.
Aos amigos muito abastados, alertei que não vai adiantar ter plano de saúde e condições financeiras para pagar o tratamento necessário, pois simplesmente não teremos hospitais, leitos, UTIs, respiradores e até, pasmem, profissionais de saúde para atender, mesmo com a tentativa de ampliação da rede de saúde.
Meu apelo é para valorizarmos a ciência e os exemplos já demonstrados no mundo de que, se não achatarmos a curva de crescimento da doença, que é nossa última esperança e tábua de salvação, estamos todos fritos. Digo que estou muito angustiado com a magnitude do problema e a incompreensão de alguns.
Os efeitos econômicos e sociais são importantes, sem dúvida, mas a vida humana está em primeiro lugar. Os danos financeiros podem (e devem) ser amenizados pelo setor econômico, como em curso em outros países do mundo. Não tenho dúvida de que estou no lado certo da história, pois tenho lido muito a respeito e conheço de perto a estrutura de saúde pública e privada do país.
Desejo, do fundo do meu coração, que meus leitores e a grande maioria da população cearense possa continuar a enfrentar com coragem e fé em Deus os efeitos da quarentena e da pandemia e que o número de mortes seja o menor possível.
Quero ler seus comentários depois da Covid-19. Bata na madeira três vezes e fique em casa.
Não é política, é ciência.
Vida só temos uma.
Arruda Bastos é médico, professor universitário e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES – CE.