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quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

BULLYNG - Por: Ronald Teles

 

Dr. Ronald Teles- Cardiologista

Bullying

Minha infância e adolescência foram em um bairro suburbano de Fortaleza; era uma nova assentação humana que albergava inúmeras famílias de bem com jovens famílias que buscavam um local seguro, dotado de uma infraestrutura básica para seu pleno desenvolvimento.

Brincávamos alegremente pelas ruas, com corridas, pega-pega, carimba, adivinhações, jogos iniciais de inocência, mas com intuitos velados amorosos como pera, maçã, uva e " salada mista" que orientava à osculação ruborizada na boca do contemplado ou contemplada. Jogos em campinhos de várzeas que eram cuidados pelos times que lá pelejavam, e tinham seus campeonatos e troféus pagos como tubaínas em bares locais.

Visitávamos amigos e parentes em bairros circunvizinhos sem sobressaltos ou medos de violência, que era embrionária, amadora e sem a deslealdade e crueldade de hoje; naquele tempo a " bandidagem" era mais " romântica" e os meliantes eram conhecidos pelo nome e por sua fama, assim como " especialidade”. A cada temporada uma comemoração; os jogos de Copa do mundo, com ruas enfeitadas de verde amarelo e ufanismo declarado, com famílias inteiras defronte de televisores de tubo, ainda sem controle remoto, mas com emoção desbragada e fogos mis a cada tento do esquadrão canarinho.

No São João buscávamos comprar fogos de artifício e as ruas estalavam com sons variados e o cheiro gostoso da fumaça sinuosa da pólvora. Na adolescência a busca pelos " sons" e tertúlias, para dançarmos " soltos " ou as " músicas lentas”, onde colávamos nossos rostos, corações e corpos aos de moças que consentiam nosso pedido para uma dança.

Era um momento de grande emoção, pois poderíamos ter uma negativa da dança ou até como resultado um beijo roubado de nosso par. O estudo era assunto seríssimo! Os mais abastados estudavam em colégios da aldeota como o Cearense, Santo Inácio, Colégio Militar, Imaculada Conceição ou um novo colégio sito à avenida Barão de Studart que agregava alto nível de ensino e valores cristãos em seu cabedal de conhecimentos, assim como também, era extremamente elitizado e dos " ricos" de Fortaleza; era o Colégio Christus. Inglês, aprendíamos no IBEU, ou cultura Britânica. Os demais moradores do bairro frequentavam o Colégio Redentorista,

O Ginásio Julia Jorge, o colégio Santa Isabel, e tantos outros. Vale dizer que do meu bairro e de todas essas instituições citadas, são egressos grandes médicos cearenses, engenheiros do ITA, militares conceituados, engenheiros de todas as especialidades e formações, advogados renomados, funcionários públicos de grande relevância, Magistrados, Professores respeitáveis, Assistentes Sociais muito qualificados, odontólogos também de excelência, administradores e economistas, enfim nosso torrão periférico, se é que posso assim chamá-lo, deu à nossa sociedade uma contribuição fenomenal com cidadãos de bem e de mente saudável, produtiva e sã.

Quando eu cheguei ao colégio Christus ao início dos anos 80, proveniente do meu bairro ,alheio aos limites da Aldeota e sua elite, fui tratado como um verdadeiro "ET"; a brincadeira começou quando ao recreio me servi de um lanche preparado por minha mãe em casa! Era um verdadeiro ultraje comer um pão com ovo e um suco, pois os alunos do colégio adquiriam fichas, iam na cantina e comiam seus " hot dog" com coca- cola. Era constantemente inquirido se onde eu morava havia índios ou outra civilização, meus" Ki- chute" eram comparados aos tênis trazidos dos EUA pelos pais deles; era um verdadeiro confronto entre subúrbio e Aldeota.

Rapidamente ganhei vários apelidos e os assimilei sem raiva ou mágoa, e tb entrei no clima da brincadeira. Fiz muitas amizades, por minha espontaneidade e leveza, ela alma tranquila e também por ser parente de grandes humoristas cearenses, rebatia as brincadeiras com brincadeiras. Fizemos vários grupos de estudo, nos finais de semana ia para casa de colegas tentar assimilar matérias sempre espinhosas para mim, como matemática, principalmente.

Sempre fui bem colocado na turma, a despeito da bagunça que tb fazia, inclusive com várias idas à " lista negra" de expulsão do colégio ao fim do ano. Como era estudioso e promissor nunca se concretizou tal expulsão. Me distinguia na turma na bagunça, e nos livros, assim como no esporte pois jogava basquete muito bem e pertencia à seleção do colégio.

Ao terceiro cientifico, quando disse que faria o vestibular para Medicina, não fui levado a sério, mas passei na UFC, e muitos dos que me achincalhavam com as variadas brincadeiras, às vezes até insultos, infelizmente não tiveram muito sucesso futuro, se perderam na soberba e em seu universo preconceituoso sem objetivos.

Tudo que passei no Christus, se chama atualmente de "Bullying ", esse neologismo incorporado ao século 21,e à corruptela de nosso idioma português, devassado com tantos outros termos ora em voga, que verdadeiramente " insultam" nossos ouvidos, paciência e inteligência, assim como se fazem vazios de conotação verdadeira, como " fake news", " Bugou", e tantos outros, que nos impedem dizer: Um insulto, uma inverdade, uma mentira, quebrou, houve um problema...

 Na verdade não se pode criar um ser humano em uma bolha. A família que é a nossa primeira igreja, através de seus pais, seus irmãos e até parentes, enfim, têm que ministrar uma educação de inclusão e não de exclusão. O mundo cobra dos seus habitantes novas posturas e novos paradigmas, devemos equipar nossos filhos com tudo que possam sorver para ter um pensamento digno, retilíneo, mas com flexibilidade e resiliência, para não se vitimarem por qualquer fato em suas vidas, para não se acharem " cotistas" do preconceito que não resvala em nenhum preconceito, de uma simples brincadeira coloquial.

Não cultivemos mentes doentias, escravas de modismos, afetadas por neologismos, por " parêntesis" e exclamações por fatos banais do dia a dia. Não façamos nossas crianças mais doentes do que já estão, se suicidando, porque foram " canceladas" em mídias estúpidas de grupos.

Nossos costumes, nossa sociedade, nossos pensamentos e conceitos estão passando por uma crise que precisa e deve ser cuidada e também combatida com o bom combate. Diz Jesus, na Epístola de Paulo aos romanos:" A minha graça te basta, minha força se aprimora nas tuas fraquezas" Que maravilha diz nosso Salvador! Em nossas fraquezas, em nossos sofrimentos, em nossa nudez espiritual Ele chega e nos resgata e mostra o caminho certo! Façamos da dor nossa força para nossa salvação e esqueçamos tantas coisas sem importância e que levam à destruição da mente e do corpo.

17 comentários:

  1. Passamos por isso e nem por isso ficamos traumatizados.Acredito que nos fortalecemos para ir à luta.

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    1. Uma grande verdade!Passamos sem vitimismos ou maiores traumas ,enfrentando as situações conforme se nos apresentavam.

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  2. Verdade verdadeira….geração atual com muitas fragilidades…falta de Deus!

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    1. Não se pode construir uma personalidade forte e centrada apenas no racionalismo.A fé deve nos acompanhar em nossos atos e pensamentos! Deus é bom e misericordioso sempre.

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  3. Claudia Fontenele Bruno11 de janeiro de 2023 às 20:34

    Excelente! Estamos criando pessoas fragilizadas que não sabem construir mecanismos internos de defesa para as intempéries da vida.

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    1. É verdade querida Dra Cláudia Bruno! Essa fragilidade é banalizada à toda hora e forma também indivíduos sem argumentos ou defesa de seus pontos de vista.

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  4. Caro Ronald,
    Muito bem retratada esta boa fase de vida, da qual eu também fiz parte.
    Nessa boa e saudosa época, o "bulinador", sem nos imiscuir na carga negativa e invejosa dessa criatura, era um projeto visível de fracasso futuro. Com certeza, alguém se salvou, mas uma grande parte desses personagens se perdeu pelo caminho. Ver o passado pelo retrovisor nos impõe observar que aqueles "bulinados" dessa época retratada, superaram todos os obstáculos por serem psicologicamente fortes a ponto de não se abalarem com quaisquer atos discriminatórios e tocaram os seus futuros com invejável maestria. O jovem de outrora deveria ser o exemplo a ser seguido, tal qual o jovem de hoje que, diante de tantas adversidades e perspectivas desfavoráveis, também
    constroem caminhos rumo a um futuro brilhante e promissor.

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    1. Obrigado pelo oportuno e instigante comentário que traça nossos perfis resilientes à essas vicissitudes ,que hoje não são mais assimiladas ,e se transformam em verdadeiras barreiras ao progresso dos seres humanos.

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  5. Parabéns, vc colocou em palavras simples , mas bem articuladas , o que vai na nossa memória. Me senti na Jota da Penha novamente

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    1. Npssa infamcia e adolescencia foram lúdicos,cheias de boas recordações e sentimentos positivos. Tudo era uma aventura e nos divertimos no dia a dia, vivendo-o intensamente,sem arrependimentos ou frustrações. Hoje qualquer fato passa pelo crivo do preconceito, e afetamento sem sentido real de alguma ameaça moral aos individuos

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  6. Ronald Teles, apraz cumprimenta - lo por tão bela crônica, onde o escritor numa linguagem compreensível descreve o distanciamento e poder aquisitivo entre os mais favorecidos e os menos favorecidos!
    Na verdade os menos favorecidos são blindados pelo poder de DEUS e sempre serão vitoriosos, no evangelho de Jesus Cristo ele sita o exemplo do rico que chega no templo e da uma grande quantia para a igreja ai chega uma pobre viúva que só tinha um vintém e tirou da sua pobre e já rasgada bolsa e presentiou a igreja, o Deus todo poderoso disse que a pobre viúva que deu seu único vintém foi abençoada pelo seu gesto santo e piedoso. A bela crônica em todo momento exalta as grandes virtudes humanas!
    PARABÉNS querido
    E amado DR. Ronald

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    1. Muito obrigado pelo maravilhoso e estimulante comentário! Me sinto extremamente feliz em alcançar mentes como a sua que buscam a Deus ,e reconhecem que:" Os humilhados,serão exalatados"

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  7. Um dos textos mais reais a minha realidade que já li, vinda do “torrão da sociedade” com uma gratidão enorme a Deus. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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