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quinta-feira, 2 de maio de 2013

POR: GERALDO BEZERRA - UMA ESPOSA DESCONFIADA

Dr. Geraldo Bezerra - Médico e Membro da SOBRAMES-CE
                      
                        UMA ESPOSA DESCONFIADA


     O atual muito bem sucedido anestesista um dia já foi um recém-formado, recém-casado, recém-contratado pela Casa de Saúde de determinada pequena cidade cearense. Sua respeitável esposa, hoje doutora em leis, exemplar mãe de família, um dia já foi uma ciumenta jovem recém-casada, sem grandes preocupações ou quifazeres.

     Foi o bastante: sabendo do marido jovem, inteligente, possuidor de razoáveis atrativos físicos e bastante simpático e, ainda mais, médico, numa cidade minúscula no interior do Ceará, aquela jovem senhora danou-se a tirar precipitadas conclusões: “E você vai é namorar, e isto não vai dar certo, e eu estou é sendo besta, e aquelas vagabundas...” etc e muito mais.

     Com o saco muito cheio, mas ainda com uns saldos de paciência, teve o doutor uma idéia:

     - Minha querida, pois vamos passar uma semana lá comigo.

     - E eu vou mesmo, que é para aquelas sirigaitas ficarem sabendo que  você tem dona. E vamos logo!

     O ônibus chegou à cidadezinha umas quatro horas da tarde daquela segunda-feira trazendo uma nova passageira. Desceu meio assustada com a desimportância da cidade, mas seguiu direto para o hospital onde o marido a aguar-dava, ele que viera antes. Enquanto caminhava, (des)apreciando tudo que via, um redemoinho varreu logo ao seu redor, condecorando-a com generosas porções de terra em formato de poeira vermelha. Limpou os olhos e seguiu sob  curiosos olhares que a incomodavam mais que o vento e a poeira. Chegou ao que se convencionara chamar de hospital e encontrou seu marido ocupado em 

consultar vasta multidão, mas não viu ainda as belas mulheres que certamente o atacariam mais tarde (mas iam ver!). O marido a recebeu contente, gentil, mas no íntimo antegozando as inúmeras decepções que sofreria sua bem-amada.

     Terminado o expediente, convidou-a ao banho no apartamentozinho que ocupava no andar superior. Ela detestou o serviço de jogar água no corpo com aquela lata de óleo de cozinha. Terminado o desconfortável banho, desceram para o jantar. A carne de bode estava meio dura e salgada, a farofa e o macarrão muito oleosos e o arroz não vira sal. A Coca-cola teria salvo o momento, se estivesse gelada. Fome maior que a vaidade, depois de saber que não existia restaurante ou pizzaria na cidade, andou comendo seus pedaços de bode conformadamente.

     Subiram ao apartamento já na hora em que o rádio chiava a Ave-Maria. Para jovens recém-casados, tudo é festa, menos uma nuvem de muriçocas que entrem sem bater e todas com seus motores ligados e seus ferrões em riste. Entre tapas e gritos de protesto ia se defendendo das agressivas e barulhentas voadoras, ajudada por possante ventilador, mas, para completar seu infortúnio e aumentar seu desespero, o diabo daquele ventilador era movido a energia elétrica e esta resolveu faltar e faltou. A tudo isto o maridão assistia passivo e mal disfarçando o zombeteiro sorriso. Desesperada, sentou-se na janela, a ver se recebia qualquer migalha de vento, que por sinal se fazia ausência. Melhorou um pouco com a chegada do vento Aracati, mas só conseguiu dormir já bem tarde, quando voltou a funcionar o ventilador, com o retorno da energia.

     Não esperou o sol nascer. Mal quebrou a barra, antes dos primeiros trinados com que a passarinhada costuma saudar o dia que chega ao sertão, aprontou-se e acordou o marido só para dizer-lhe estas palavras:

     - Se tu não tens sentimento, nem acanhamento de trabalhar numa merda desta, é problema teu, mas eu que não fico mais aqui!

     E ele, muito gozador:

          - Mas, minha filha, não vai passar ao menos uns dois ou três dias neste lugar tão bom, segundo suas opiniões?!

     Virou uma arara...

Um comentário:

  1. Caro colega Geraldo, mas como ri lendo essa crônica. E as muriçocas então.Genial.Dava até para fazer um quadro de humor na Globo. Miguel Falabella que se cuide.
    Abraços,
    Fátima Azevêdo

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