Dr João de Campos Aguiar Filho
Médico Oftalmologista
Ex-docente de Anatomia do CCMB-PUCSP
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Dr.
Herondino
Texto enviado pelo Dr. William Moffitt Harris
Se
houve alguém que gostasse de etiqueta, bom comportamento social, que mantivesse
a linha mesmo quando todos estivessem fora dela e outras referências conforme
estão no poema “SE” de Rudiyard Kipling, esse foi o Dr. Herondino.
Ainda
estudante, ao participar das patuscadas universitárias, mantinha-se dentro de
limites aceitáveis.
Nada
de dar “pinduras” nas datas festivas conhecidas, ou sequer fugir ao pagamento
das marafonas, quando a masculinidade apelava aos sentimentos juvenis.
Na
festa de formatura, enquanto os colegas lavavam a alma em homérica bebedeira,
Herondino comemorou sobriamente com a família.
Começou a trabalhar no dia seguinte, ou quase,
já que a formatura ocorreu num sábado, prolongando-se na madrugada do domingo.
Bem preparado nos seis anos de Escola, estava pronto para a luta.
A
princípio era “médico do corpo inteiro”, como afirmava ao explicar o exercício
das funções. A pequena clientela obrigava-o a não recusar pacientes. Com poucos
meses de trabalho já conseguiu selecionar, partindo para o tratamento de
crianças.
Exercia
a profissão em tempo parcial, dedicando horas no Hospital de Ensino, melhorando
seus conhecimentos. Não era o tempo das “residências” atuais.
Andava
sempre bem vestido, com camisa de mangas compridas, paletó e gravata, que não
abdicou mesmo quando adotou o traje branco diário.
Não
fumava e não bebia, sequer socialmente. Quando a necessidade de relaxamento
apelava, recolhia-se e aliviava-se com alguns goles. Nada que pudesse
comprometê-lo.
Fez
carreira de sucesso crescente. Casou-se com a namorada dos tempos
pré-universitários. Talvez tivesse cortejado outra mais, além daquela com quem
“convolou” núpcias. Sim, Dr. Herondino não se “amarrou”. Contraiu núpcias ,
como exigia sua maneira de viver.
Foi
muito comentado durante o desempenho da carreira pela dedicação, eficiência e
pontualidade. No Hospital onde praticou medicina, auxiliares acertavam o
relógio pela manhã, quando ele adentrava
rigorosamente no horário marcado. Fez historia.
Com
o passar do tempo dedicou-se fielmente à especialidade para a qual foi
adquirindo enorme conhecimento, quando seus clientes mudavam da faixa etária
condizente, encaminhava-os para colegas.
Só
permitiu-se uma exceção quando os dois clubes de futebol da cidade, com inimigos
figadais de cada lado foram se duelar na partida que definiria o campeonato.
A
disputa era tão acirrada que até os médicos assistentes dos dois clubes
participavam da rivalidade. A atenção
aos traumatizados durante a disputa deveria ser feita por equipe rigorosamente
neutra, evitando brigas no campo. O
único médico da cidade não simpatizante do esporte era o Dr. Herondino, que não
conseguiu escapar ao apelo de todos os colegas, obrigando-o aceitar, pelo menos
durante as horas da partida. O encargo dos primeiros socorros aos caídos no
campo de luta.
Dr.
Herondino adentrou o estádio impecavelmente de branco, incluindo sapatos.
Se tivesse que atender o filho da Rainha da Inglaterra, não precisaria
mudar o traje.
Assim,
ouvindo palavrório do populacho, repleto de expressões vulgares e de calão, o
médico cumpriu suas funções. Foi agraciado com placa comemorativa.
Mantendo
essa linha de postura marcou época.
Quando
houve desfile de beleza para as escolha da “Miss” que representaria a cidade no
certame estadual, foi organizada festa no Clube Campestre, onde se instalou
passarela e tudo mais que constitui o cenário para o evento, além das
acomodações para os julgadores.
Dr.
Herondino foi escolhido para ser jurado, devido ao notório bom gosto e
observador da etiqueta.
Acomodado
em lugar de honra, com os demais colegas juízes, assistiu as fases preliminares
para a classificação das candidatas. Na hora da apresentação em trajes de
banho, as mocinhas desfilaram com peças minúsculas, que mal dariam para
confeccionar uma fralda, se destinadas para tal.
Dr.
Herondino assistiu de perto, com olhar ao alcance de qualquer míope, a passagem
daqueles estonteantes corpos juvenis perfeitos, sem alterar a fisionomia, sem
dar qualquer “dica” de entusiasmo masculino.
Quando
terminou o desfile, ele disse para os organizadores do certame:
– Já as havia visto peladinhas.
Ante
o espanto de todos foi preciso explicar que o reservado Dr. Herondino fora
neo-natologista da maternidade local, onde elas nasceram e examinadas na
primeira hora de vida.