Dr. William Moffitt Harris - Médico e Membro da Sobrames-CE |
Minhas espirradeiras
1
William Moffitt Harris 2,
Campinas
Desde pequenino, fui educado a admirar a
Natureza e a cuidar dela. Herdei também dos meus pais um grande amor pelas
plantas, flores e árvores em geral, e aprendi com eles a cuidar razoavelmente
bem do jardim.
Há uns quinze anos,
passeando pelo Parque José Affonso Junqueira, ao lado do Pálace Hotel em Poços
de Caldas, deparei-me com três exemplares de espirradeiras (Nerium oleander), duas cor-de-rosa e uma
branca. A branca, aliás, não era de um branco alvíssimo, mas de um leve tom de
verde bem clarinho. Eram arbustos lindos!
Meu pai sempre me alertara
para o fato de que esta planta era muito venenosa e que uma folha mastigada e
deglutida poderia matar uma pessoa de setenta quilos. Anos mais tarde, confirmei
este dado ao manusear livros de botânica e folhetos distribuídos pelo governo
federal, alertando a população no tocante a plantas ornamentais venenosas.
Cheguei a distribuir dezenas destes folhetos a amigos, parentes e sócios da Associação dos Funcionários Públicos do
Estado de São Paulo – AFPESP, na
Colônia de Férias de Poços de Caldas. Este arbusto realmente contém, principalmente
em suas folhas e flores, um glicosídeo cardiotóxico perigosíssimo, comum a
várias espécies da nossa flora nativa.
Chamou-me a atenção a
presença de muitas crianças brincando pelo parque, algumas em bandos e outras
acompanhadas pelas babás ou os pais. Algumas corriam pelo gramado que rodeia as
inúmeras espécies vegetais, muitas inclusive identificadas com plaquinhas contendo
seus nomes científicos e populares, além de informar sua procedência.
Percebi imediatamente o
perigo e, como havia vários jardineiros podando a grama e os tufos de Chlorophyton, acabei abordando um
velhinho de chapéu surrado que aparentemente supervisionava o grupo. Ele não
tinha a menor idéia sobre o veneno. Identifiquei-me como médico e professor de
saúde pública e sugeri que mandasse arrancar todos os galhos e todas as folhas
do tronco abaixo de um metro e meio dos três arbustos. Daí a dois dias, voltei
ao local e fiquei muito contente em averiguar que haviam seguido minha
orientação de forma exata.
Como volta e meia ia a Poços
para me submeter à crenoterapia nas águas termais sulfurosas devido a uma
artrose que infernizava minha vida, nunca dispensei uma voltinha naquele parque
maravilhoso. Por aproximadamente um ano e meio, percebi que seguiam ainda a
orientação dada e, dentre outras árvores e arbustos, as três espirradeiras
destacavam-se pelo seu porte majestoso e simetria na disposição dos galhos, folhas
e flores.
Um dia, percebi que não mais sofriam a poda
recomendada e procurei o velhinho de chapéu surrado. Não estava mais lá. Talvez
tivesse se aposentado. Conversei com dois outros jardineiros que olharam para
mim como se eu estivesse falando grego. Eram novatos no ofício e, pelo visto,
eram mais varredores de gramados do que técnicos em jardinagem.
A uma das cartas que escrevi
ao prefeito recém-empossado, Prof. Dr. Paulo Tadeu Silva D’Arcádia, médico
veterinário, professor titular da Universidade Estadual de Minas Gerais, anexei
alguns exemplares do folder e da
prancha de um metro por sessenta centímetros que continha a mesma informação
sobre plantas domésticas venenosas. Expliquei, em linhas gerais, o que estava
acontecendo com relação às espirradeiras do Parque José Affonso Junqueira.
Sugeri também que solicitasse, ao órgão federal responsável, exemplares daquele
material para afixar e distribuir nas escolas do município.
Alguns meses depois, ao
voltar ao local, fiquei com o coração compungido. Alguém da nova administração
havia mandado “arrancar o mal pela raiz”
e minhas lindas espirradeiras não estavam mais lá...
1
Apresentado ao ramal paulista da Sociedade
Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES durante a 178a Pizza Literária (19/05/05), na III Jornada Nacional da SOBRAMES – CE em Fortaleza (11/08/05)
e nas seguintes reuniões do Movimento
Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL 5a (25/03/06 - 1a
do Núcleo de Sorocaba), 16a
(5/08/06 - 5a do Núcleo de Santos) e 31a (10/02/07 – 5a
do Núcleo de S. Caetano do Sul)
2 Médico
Pediatra Sanitarista, Professor Doutor aposentado da USP; Coordenador Estadual
do MMCL.