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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

POR: WILLIAM MOFFITT HARRIS - MINHAS ESPIRRADEIRAS

Dr. William Moffitt Harris - Médico e Membro da Sobrames-CE
Minhas espirradeiras 1

William Moffitt Harris 2, Campinas

Desde pequenino, fui educado a admirar a Natureza e a cuidar dela. Herdei também dos meus pais um grande amor pelas plantas, flores e árvores em geral, e aprendi com eles a cuidar razoavelmente bem do jardim.
Há uns quinze anos, passeando pelo Parque José Affonso Junqueira, ao lado do Pálace Hotel em Poços de Caldas, deparei-me com três exemplares de espirradeiras (Nerium oleander), duas cor-de-rosa e uma branca. A branca, aliás, não era de um branco alvíssimo, mas de um leve tom de verde bem clarinho. Eram arbustos lindos!
Meu pai sempre me alertara para o fato de que esta planta era muito venenosa e que uma folha mastigada e deglutida poderia matar uma pessoa de setenta quilos. Anos mais tarde, confirmei este dado ao manusear livros de botânica e folhetos distribuídos pelo governo federal, alertando a população no tocante a plantas ornamentais venenosas. Cheguei a distribuir dezenas destes folhetos a amigos, parentes e sócios da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São PauloAFPESP, na Colônia de Férias de Poços de Caldas. Este arbusto realmente contém, principalmente em suas folhas e flores, um glicosídeo cardiotóxico perigosíssimo, comum a várias espécies da nossa flora nativa.
Chamou-me a atenção a presença de muitas crianças brincando pelo parque, algumas em bandos e outras acompanhadas pelas babás ou os pais. Algumas corriam pelo gramado que rodeia as inúmeras espécies vegetais, muitas inclusive identificadas com plaquinhas contendo seus nomes científicos e populares, além de informar sua procedência.
Percebi imediatamente o perigo e, como havia vários jardineiros podando a grama e os tufos de Chlorophyton, acabei abordando um velhinho de chapéu surrado que aparentemente supervisionava o grupo. Ele não tinha a menor idéia sobre o veneno. Identifiquei-me como médico e professor de saúde pública e sugeri que mandasse arrancar todos os galhos e todas as folhas do tronco abaixo de um metro e meio dos três arbustos. Daí a dois dias, voltei ao local e fiquei muito contente em averiguar que haviam seguido minha orientação de forma exata.
Como volta e meia ia a Poços para me submeter à crenoterapia nas águas termais sulfurosas devido a uma artrose que infernizava minha vida, nunca dispensei uma voltinha naquele parque maravilhoso. Por aproximadamente um ano e meio, percebi que seguiam ainda a orientação dada e, dentre outras árvores e arbustos, as três espirradeiras destacavam-se pelo seu porte majestoso e simetria na disposição dos galhos, folhas e flores.
Um dia, percebi que não mais sofriam a poda recomendada e procurei o velhinho de chapéu surrado. Não estava mais lá. Talvez tivesse se aposentado. Conversei com dois outros jardineiros que olharam para mim como se eu estivesse falando grego. Eram novatos no ofício e, pelo visto, eram mais varredores de gramados do que técnicos em jardinagem.
A uma das cartas que escrevi ao prefeito recém-empossado, Prof. Dr. Paulo Tadeu Silva D’Arcádia, médico veterinário, professor titular da Universidade Estadual de Minas Gerais, anexei alguns exemplares do folder e da prancha de um metro por sessenta centímetros que continha a mesma informação sobre plantas domésticas venenosas. Expliquei, em linhas gerais, o que estava acontecendo com relação às espirradeiras do Parque José Affonso Junqueira. Sugeri também que solicitasse, ao órgão federal responsável, exemplares daquele material para afixar e distribuir nas escolas do município.
Alguns meses depois, ao voltar ao local, fiquei com o coração compungido. Alguém da nova administração havia mandado “arrancar o mal pela raiz” e minhas lindas espirradeiras não estavam mais lá...



1 Apresentado ao ramal paulista da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES durante a 178a Pizza Literária (19/05/05), na III Jornada Nacional da SOBRAMES – CE em Fortaleza (11/08/05) e nas seguintes reuniões do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL 5a (25/03/06 - 1a do Núcleo de Sorocaba), 16a (5/08/06 - 5a do Núcleo de Santos) e 31a (10/02/07 – 5a do Núcleo de S. Caetano do Sul)
2 Médico Pediatra Sanitarista, Professor Doutor aposentado da USP; Coordenador Estadual do MMCL.




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