Causo de consultório – 2
Algumas
pessoas têm o mau costume de falar mal do médico que lhes vem prestando assistência.
Seria uma desastrada maneira de fazer média com o assistente da vez? Ou, quem
sabe, seria uma tentativa de endividá-lo e obter maior dedicação ao seu estado
nosológico? Não sei. Fato é que procuro não dar ouvidos a esse tipo de
intrigas. Quase sempre desconverso. Às vezes, dependendo do caso, procuro defender
o injustiçado facultativo. Há situações que o melhor é permanecer calado, dar o
escutado pelo não escutado.
Feito esse
preâmbulo, passemos ao causo. Em um ambulatório público, chega- -nos um jovem
seminarista da diocese de Quixadá com febre, tosse e dores nas costas. Vinha
acompanhado de uma irmã de caridade, ainda jovem, usava o hábito da congregação
e o pesado crucifixo pendurado ao pescoço. Acompanhado de alunos de medicina,
examinamos o paciente, solicitamos radiografias e exames laboratoriais de
rotina. Enquanto preenchíamos os papéis, a religiosa começou a elogiar o nosso
atendimento. Logo pensei: “aí vem coisa”! E não tardou. A freira passou a falar
mal do médico que atendera o paciente em outro serviço público de Fortaleza.
Havia mágoa na sua queixa. A situação era constrangedora, principalmente devido
à presença dos acadêmicos. Eu procurava aliviar a barra, fazia intervenções de
defesa, mas a freirinha comportava-se irredutível, sempre refutava com
veemência as minhas ponderações. Por fim, veio o xeque-mate:
- Doutor, o
médico nem olhou prá gente! – Disse a freira com rancor na fala.
- Ele deve
ter olhado, irmã. É que a senhora não percebeu. – Procurei mais uma vez advogar
a difícil causa, que não sabia que seria a última tentativa.
- Não olhou
de jeito nenhum, doutor! Ele me perguntou se o rapaz era meu filho!
Os alunos
esboçaram um riso contido, porque o ambiente era de constrangimento. Na mesma
manhã o paciente foi internado. Estava com pneumonia dupla. Tempo depois
ordenou-se. Hoje é padre no Rio Grande do Sul, sua terra natal.
Sebastião Diógenes.
Em 13-04-2014.
Excelente causo! Parabéns!
ResponderExcluirabraço
ana
Gostei muito, Sebastião, deu-me saudades do meu consultório há 25 anos atrás. Parabens, William - Campinas-SP
ResponderExcluirKkkkkkkkkk.... É isso aí, amigo!!! Os pacientes observam! E nao adianta "tapar o sol com a peneira"...
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