Dra. Fátima Azevêdo - Médica e Membro da Sobrames-CE |
PARA
DEZINHA COM AMOR
Tenho uma tia bem velhinha, velhinha
mesmo. Dessas que não têm mais músculos, só a pele enrugada lhe cobrindo os
ossos que um dia já foram encobertos por uma pele viçosa e rosada e por músculos
de amazona. Pois é, eu tenho uma tia com cabelinho ralo e liso mas ainda
brilhante, no lugar das madeixas fartas e encaracoladas de outrora. No lugar
dos lindos dentes de antigamente, duas próteses móveis, rosadas e que parecem
querer pular do copo d’água ao cair da tarde para me dizer boa noite.
Eu tenho uma tia bem velhinha,
velhinha como as meinhas brancas das crianças do grupo escolar que só têm um
par para usar o ano inteiro. Tão velhinha que mal pode andar sozinha. Tão
velhinha e transparente que torna quase possível a visualização de seus órgãos
assim como de sua mente e coração. E o que eu vejo... A mais jovem de todas as
mentes que conheço e o mais generoso dos corações.
Ela é a prova mais palpável do amor
incondicional. Ela é a paz feito gente, o perdão e a conciliação. É a mais
sábia das criaturas. É a última de uma geração em extinção. É o meu xodó maior.
E ela sabe disso.
Essa minha tia é tia-avó e mãe-avó
ao mesmo tempo. Mãe porque ajudou a me maternar e avó porque leve, sem as angústias
ou exageradas preocupações das mães. Fez do meu mundo infantil uma fantasia revisitada
sempre que se faz necessário. Produzia brinquedos artesanais como ninguém.
Desde casinhas de caixas vazias de remédios a soldadinhos de chumbo prateados
de tampas de leite em pó. Todos perfeitamente enfileirados a marchar pelos
tacos do quarto na casa do Tirol. Arrumava minha casinha de bonecas e quando a
asma me atacava e eu faltava às aulas, não sabia o que era tédio. Lá estava ela
pronta pra me levar ao mundo da fantasia enquanto minha mãe ia providenciar
alimento, medicamentos, consultas médicas e o que mais fosse necessário. Além
dos brinquedos artesanais, eu ainda era abençoada pela mãe-lua nas noites de
lua cheia, quando Dezinha me levava para a calçada e me ensinava esse “mantra”:
“a benção mãe-lua me dá pão com farinha
pra eu dar pra minha galinha que está presa na cozinha”. E eu, menina de
ontem, repetia com a mãozinha levantada, olhando pra lua em total sintonia.
Repetia esse “mantra” com a cadência dos poetas, do amor e da inocência.
Até hoje guardo com carinho um par
de tamancos comprados no mercado, daqueles tamancos bem baratinhos, que ela me
deu quando eu tinha 1 ano. Tamanquinhos artesanais, adquiridos no Mercado São
Sebastião no século passado. Não deixa de ser uma peça histórica em um mundo de
plastificados. Estou pensando até em emoldurá-los pois para mim, são como um
retrato doce de minha infância.
A Dezinha, essa minha tia querida,
não é caduca, muito pelo contrário, está por dentro de tudo o que acontece no
mundo e ainda dá palpites. Essa minha tia nunca casou, nunca teve filhos, mas
amou e amou muito. A tudo e a todos. Ainda hoje fala de seu grande amor. Muito
moderna e independente para a sua época, não tinha perfil adequado para o
casamento.
Tenho uma tia bem velhinha, mais
velhinha do que a mantilha de renda de minha bisavó. Sei que já cumpriu sua
missão neste planeta e que mais dia menos dia será como uma poeira de luz feito
estrela a iluminar o meu céu. Estará sempre no meu coração.
Que lindo e emocionante o seu texto. As lágrimas encheram meus olhos de historiadora.
ResponderExcluirBj
Ana Margarida
Obrigada Ana. Fico feliz de meu texto ter tocado seu coração.
ResponderExcluirUm grande beijo,
Fátima
Querida Fátima, conversamos sobre este texto, mas considero que eu deva publicizar a emoção que ele também causou em mim. Doce, terno e de uma leveza adorável. Um verdadeiro e sincero amor unia vocês duas. Sentimentos bonitos e espontâneos devem ser manifestados, pois envolvem outros corações e nos fazem bem.
ResponderExcluirUAU!! Fiz um comentário elogioso ao seu texto. Foi publicado e desapareceu. Será que a chuva que neste momento banha Fortaleza, com inveja, carregou-o com ela???
ResponderExcluirCelina querida, acho que a chuva se arrependeu e devolveu o seu comentário elogioso ao meu texto. Veja, está logo acima deste. Obrigada querida. Dezinha era realmente uma fada em minha vida.
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