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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

POR: FÁTIMA AZEVÊDO - PARA DEZINHA COM AMOR


Dra. Fátima Azevêdo - Médica e Membro da Sobrames-CE


                                                  PARA DEZINHA COM AMOR
            Tenho uma tia bem velhinha, velhinha mesmo. Dessas que não têm mais músculos, só a pele enrugada lhe cobrindo os ossos que um dia já foram encobertos por uma pele viçosa e rosada e por músculos de amazona. Pois é, eu tenho uma tia com cabelinho ralo e liso mas ainda brilhante, no lugar das madeixas fartas e encaracoladas de outrora. No lugar dos lindos dentes de antigamente, duas próteses móveis, rosadas e que parecem querer pular do copo d’água ao cair da tarde para me dizer boa noite.
            Eu tenho uma tia bem velhinha, velhinha como as meinhas brancas das crianças do grupo escolar que só têm um par para usar o ano inteiro. Tão velhinha que mal pode andar sozinha. Tão velhinha e transparente que torna quase possível a visualização de seus órgãos assim como de sua mente e coração. E o que eu vejo... A mais jovem de todas as mentes que conheço e o mais generoso dos corações.
            Ela é a prova mais palpável do amor incondicional. Ela é a paz feito gente, o perdão e a conciliação. É a mais sábia das criaturas. É a última de uma geração em extinção. É o meu xodó maior. E ela sabe disso.
            Essa minha tia é tia-avó e mãe-avó ao mesmo tempo. Mãe porque ajudou a me maternar e avó porque leve, sem as angústias ou exageradas preocupações das mães. Fez do meu mundo infantil uma fantasia revisitada sempre que se faz necessário. Produzia brinquedos artesanais como ninguém. Desde casinhas de caixas vazias de remédios a soldadinhos de chumbo prateados de tampas de leite em pó. Todos perfeitamente enfileirados a marchar pelos tacos do quarto na casa do Tirol. Arrumava minha casinha de bonecas e quando a asma me atacava e eu faltava às aulas, não sabia o que era tédio. Lá estava ela pronta pra me levar ao mundo da fantasia enquanto minha mãe ia providenciar alimento, medicamentos, consultas médicas e o que mais fosse necessário. Além dos brinquedos artesanais, eu ainda era abençoada pela mãe-lua nas noites de lua cheia, quando Dezinha me levava para a calçada e me ensinava esse “mantra”: “a benção mãe-lua me dá pão com farinha pra eu dar pra minha galinha que está presa na cozinha”. E eu, menina de ontem, repetia com a mãozinha levantada, olhando pra lua em total sintonia. Repetia esse “mantra” com a cadência dos poetas, do amor e da inocência.

            Até hoje guardo com carinho um par de tamancos comprados no mercado, daqueles tamancos bem baratinhos, que ela me deu quando eu tinha 1 ano. Tamanquinhos artesanais, adquiridos no Mercado São Sebastião no século passado. Não deixa de ser uma peça histórica em um mundo de plastificados. Estou pensando até em emoldurá-los pois para mim, são como um retrato doce de minha infância.
            A Dezinha, essa minha tia querida, não é caduca, muito pelo contrário, está por dentro de tudo o que acontece no mundo e ainda dá palpites. Essa minha tia nunca casou, nunca teve filhos, mas amou e amou muito. A tudo e a todos. Ainda hoje fala de seu grande amor. Muito moderna e independente para a sua época, não tinha perfil adequado para o casamento.
            Tenho uma tia bem velhinha, mais velhinha do que a mantilha de renda de minha bisavó. Sei que já cumpriu sua missão neste planeta e que mais dia menos dia será como uma poeira de luz feito estrela a iluminar o meu céu. Estará sempre no meu coração.

5 comentários:

  1. Que lindo e emocionante o seu texto. As lágrimas encheram meus olhos de historiadora.
    Bj
    Ana Margarida

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  2. Obrigada Ana. Fico feliz de meu texto ter tocado seu coração.
    Um grande beijo,
    Fátima

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  3. Querida Fátima, conversamos sobre este texto, mas considero que eu deva publicizar a emoção que ele também causou em mim. Doce, terno e de uma leveza adorável. Um verdadeiro e sincero amor unia vocês duas. Sentimentos bonitos e espontâneos devem ser manifestados, pois envolvem outros corações e nos fazem bem.

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  4. UAU!! Fiz um comentário elogioso ao seu texto. Foi publicado e desapareceu. Será que a chuva que neste momento banha Fortaleza, com inveja, carregou-o com ela???

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  5. Celina querida, acho que a chuva se arrependeu e devolveu o seu comentário elogioso ao meu texto. Veja, está logo acima deste. Obrigada querida. Dezinha era realmente uma fada em minha vida.

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