Dr. Marcelo Gurgel - Médico e Membro da SOBRAMES-CE |
LATINISTA GAGO
Publicado In:
SOBRAMES – CEARÁ. Receitas literárias. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2010.
240p. p.181-2.
Uma
universidade cearense precisava contratar um professor substituto de latim.
Dois processos seletivos públicos foram realizados, e apesar dos vários
candidatos inscritos, as bancas examinadoras reprovaram todos quantos haviam se
candidatado, em ambos certames, considerando sofrível o seu desempenho.
Isso obrigou a
realização de uma rara terceira seleção para o mesmo setor de estudos. Essa
dificuldade é inteiramente explicável, já que a língua da Roma Antiga, da qual
derivou, entre outras, a portuguesa, não é lecionada no ensino médio,
subsistindo, tão somente, com modesta carga horária, em cursos de Letras
e nos seminários católicos, resultando em raríssimos professores e religiosos
que sabem latim.
Ciente dessa
limitação, fiquei contente ao constar na “home page” da universidade,
finalmente, a aprovação de um lente no terceiro concurso. Ao encontrar, o
colega presidente da banca, um bravo latinista batavo, felicitei-o pela entrada
de um novo docente:
– Parabéns,
professor! Até que enfim, conseguimos um docente substituto de latim.
– Não creio que
mereçamos parabéns – ele respondeu.
– Mas por quê?
Não era uma necessidade imperiosa absorver um outro docente? – indaguei de
pronto.
– Sim,
naturalmente que sim. Tanto que fizemos, por três vezes, a dita seleção –
retrucou ele – acrescentando: precisamos urgente de reposição docente.
– E qual é a
razão da sua insatisfação? O ingresso dele não vai possibilitar que o senhor
disponha de mais tempo para dedicar-se ao Mestrado em Filosofia?
– Em parte,
sim, obviamente – contestou o meu interlocutor.
– Então, por
que essa espécie de frustração? Conte-me, por favor, o que houve.
– Bem! Tal como
das vezes anteriores, tivemos muitos concorrentes; mas, diferentemente das
precedentes, quando todos participantes foram reprovados na prova escrita,
nesta última um candidato passou na escrita e foi habilitado para a prova
prática.
– Menos mal,
dessa vez! Pelo menos um chegou à segunda fase e foi aprovado nela – falei com
ar triunfante.
– Não sei,
sinceramente, se ele mereceu a aprovação. Fui voto vencido, prevalecendo a
posição dos dois companheiros da banca, já exaustos de tanta seleção e
sensibilizados pelo imperativo do afastamento de meu auxiliar, que está
cumprindo pós-doutorado no exterior, o que ensejou a abertura dessa vaga de
substituto.
– Mas, professor,
qual é mesmo o problema dele, para não merecer a sua aceitação? Ou em latim:
ter o seu “nihil obstat”?
– Bem! É que
ele é GAGO.
Fiquei imaginando, cá com os meus botões, como
seria uma gaguejante aula de latim, do mestre atrapalhado com o nominativo e o
genitivo de “rosa-rosae”, o exemplo mais elementar da 1ª declinação:
Ro...ro...ro...ro-sa...sa...sa...;
Ro...ro...ro...ro-sae...sae...sae...; etc.
Marcelo Gurgel Carlos
da Silva
Sobramista/CE e membro da ACM
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