BOXING
DAY ou
O NATAL dos criados 1, 2
Dr. William Moffitt
Harris, Campinas - SP
Membro Titular da Sobrames - CE
e-mail:
mmclbilly@gmail.com
Ao passar o dia 26 de dezembro de 2013, aqui em minha casa,
entusiasmei-me em divulgar, mais uma vez, esta data comemorativa. Já o havia
feito há questão de uma década entre sobramistas de São Paulo e companheiros do
Movimento Médico Paulista do Cafezinho
Literário – MMCL e agora me dirijo aos colegas sobramistas e meus amigos do
Ceará 2.
Há alguns séculos, persiste este feriado entre os povos de língua
inglesa ou países oriundos e remanescentes da época em que a Union Jack tremulava em seu mastro no
alto dos bastiões que guarneciam a entrada das baías e ancoradouros ao longo de
suas costas. Vigiavam a natureza das embarcações amigas (incluindo as piratas)
e inimigas do império e tomavam as providências que se impunham naquele
contexto 3.
Festeja-se o chamado Boxing Day em todo o território da Inglaterra, País de Gales, Nova
Zelândia, Austrália, boa parte do Canadá e em alguns países do Caribe, no
primeiro dia útil após o Natal. Quando o Dia de Natal cai na quinta-feira, sexta-feira,
sábado ou domingo, o feriado se prolonga por três ou quatro dias. Caindo o Natal
na terça ou na quarta, como ocorreu agora em 2013, o feriado é no dia seguinte.
Se o Natal for no sábado ou no domingo, invariavelmente, Boxing Day cai na
segunda feira.
Alguns historiadores atribuem a denominação de feriado
ao fato de os empregados de grandes propriedades rurais serem convocados a
trabalhar no dia de Natal para depois folgarem no dia seguinte. Assim que os
empregados se preparavam para partir, seus senhores os presenteavam com caixas
contendo víveres e roupas.
No Boxing Day, há festas por toda parte,
competições esportivas ao ar livre, corridas de cavalos, excursões,
confraternizações com empregados, distribuição de gorjetas para carteiros,
entregadores de jornais e coletores de lixo (antigamente, no tempo dos lampiões
a gás, os acendedores também recebiam suas gorjetas) e troca de cartões de
cumprimentos alusivos, especificamente, a esta data.
Como atividade de interesse social, faz parte do
currículo das escolas prepararem as crianças com o espírito voltado para o
significado daquele feriado. São distribuídas cartolinas coloridas, colas,
tesouras, envelopes, giz de cera, lápis de cor, fita adesiva, enfeites e outros
materiais, dando-se
instruções para fazerem caixas e bilhetes de agradecimento.
Passa-se o Boxing
Day em família e com os amigos, com muita comida, amor e amizade, além das atividades
fora de casa. Muitos se dedicam a elaborar cartas a pessoas de quem receberam
alguma ajuda durante o ano. Bancos, repartições públicas, o correio e o pequeno
comércio estão fechados nesta data, mas os shopping
centers ficam apinhados com pessoas adquirindo e trocando presentes,
enfeites e cartões, aproveitando a tradicional liquidação de Natal. No Canadá,
Austrália e Nova Zelândia, a procura de mercadorias em liquidação no varejo é
tão grande que os comerciantes chegam a esticar a celebração pela semana toda e
a chamam de Boxing Week.
Uma forma, também tradicional, de festejar o Boxing Day é fazer doações em dinheiro e
bens a entidades beneficentes, a pessoas necessitadas e ao pessoal do setor de
serviços, além de crianças pobres em geral. As pessoas mais abonadas, há
séculos, têm esta oportunidade de presentear gente mais pobre com dinheiro ou
mercadorias. Assim, os comerciantes fazem doações em caixas (Christmas Boxes) contendo alimentos em
conserva, frutas, bebidas e roupas ou dinheiro. São as Cestas de Natal que perduram
até os dias de hoje no comércio. É uma forma de os patrões manifestarem sua
gratidão ao bom trabalho prestado pelos empregados durante o ano. Muitas
empresas, ao longo dos anos, substituíram este tipo de donativo pelo “abono de
Natal” e a legislação de muitos países criou o 13o salário. No Boxing Day, muitas pessoas das comunidades de língua inglesa preferem se entregar
pessoalmente a famílias necessitadas de mão-de-obra caseira. Isto abrange fazer
compras para casais de idosos, consertar cercas ou canis, cuidar das crianças
enquanto os pais vão visitar amigos ou parentes hospitalizados, etc..
Em algumas cidades, são promovidos espetáculos
grandiosos em comemoração à data. Tenho aqui comigo, por exemplo, o programa do Symphony Hall de Birmingham para as 19h30,
do dia 26 de dezembro de 2004. O programa intitula-se Boxing Day Classics com a Orquestra de Concertos de Londres e
inclui entre outros: a Abertura da Força
do Destino de Verdi, a Suíte Carmen
de Bizet, o Concerto em Lá Menor Para
Piano de Grieg (com o solista Murray McLachlan), o Bolero de Ravel e o Capricho
Italiano de Tchaikowsky. Ainda existe uma nota embaixo informando que haveria
uma taça gratuita de Champagne para cada uma das pessoas da plateia. A renda
líquida seria encaminhada para uma entidade beneficente. Os ingressos
individuais a serem cobrados variavam de 8,50 a 27,50 libras
esterlinas.
Além de assistir e participar de esportes como
futebol, corridas de cavalos, regatas e cricket,
já é tradicional em Brighton, no litoral, a oitenta e dois quilômetros ao sul
de Londres, o mergulho anual nas águas geladas do Canal da Mancha por parte dos
membros do clube local de natação (Brighton
Swimming Club).
Na Austrália, no Boxing
Day, inicia-se, tradicionalmente, em Canberra o êxodo e a temporada de
praia e em Melbourne uma das competições nacionais mais importantes de cricket (Boxing Day Test Match). Em Sydney, nesta data, realiza-se o início
de uma das mais prestigiadas corridas internacionais de iatismo (Sydney-Hobart Yatch Race) perante
milhares de espectadores reunidos em torno da Baía de Sydney.
Na África do Sul, embora não seja oficialmente
considerado Boxing Day, o dia 26 de dezembro é um feriado
nacional, mas é referido na comunidade local de fala inglesa como o sendo. É
comum dar-se início, naquela data, a uma partida de cricket contra um time visitante estrangeiro.
Embora a data festiva seja tradição há séculos, foi
somente em 1871, durante o reinado da Rainha Vitória que o Boxing Day passou a ser, oficialmente, declarado feriado,
permitindo e estimulando, desta forma, que membros de uma mesma família
viajassem para se reencontrar, tradicionalmente, por ocasião do Natal. Muitas
destas viagens de carroça ou carruagem levavam até um dia e meio, viajando
noite a dentro, para chegarem a seus destinos. Em livros de autores britânicos
existem novelas relatando acidentes, tombamentos, assaltos a mão armada, roubo
das mercadorias, além de estupros e mortes. Muitas pessoas faziam o seu trajeto
a cavalo, parando em estalagens somente para trocar seus cavalos e se alimentar 4.
Dia 26 de dezembro é também considerado “Dia de Santo
Estêvão”. Este foi o primeiro mártir do cristianismo, tendo sido apedrejado até
a morte por uma turba devido ao sucesso de suas pregações feitas com muito zelo
em sua devoção a Cristo. “Os judeus chegando de improviso, arrebataram-no e o
levaram à presença do Sinédrio onde apresentaram falsos testemunhos... No Ato
dos Apóstolos, Cap. 7, como pretexto de sua autodefesa, aproveitou para
iluminar as mentes de seus adversários, discorrendo sobre a história hebraica
de Abraão até Salomão, demonstrando que Deus também se revelava fora do
Templo e se propunha a revelar a doutrina universal de Jesus como última
manifestação de Deus. Não o deixaram terminar, taparam seus ouvidos e
arrastaram-no para fora da cidade e o apedrejaram”. Isto aconteceu alguns anos
após a morte de Nosso Senhor. Nas igrejas inglesas da
Idade Média era costume os párocos abrirem as caixas de esmolas no dia de Santo
Estêvão para distribuição de seu conteúdo entre os pobres de suas paróquias. Em
vida, este santo foi muito caridoso com os pobres e necessitados. Ele foi um
dos sete ministros da caridade, chamados de diáconos da Igreja Cristã, ordenados
pelos apóstolos para cuidarem das viúvas e dos pobres. Enquanto morria, rogava
a Deus para que não punisse seus matadores. O encontro de suas relíquias no ano
de 415 D.C. causou grande comoção entre os cristãos. Foi canonizado no ano de
1.081 e é o santo padroeiro da Hungria. É também considerado o santo protetor
dos cavalos, donde o grande interesse em ter corridas equinas e caçadas nesta
montaria, na data em epígrafe 5.
Na Irlanda não se festeja o Boxing Day, mas celebra-se a festa de Santo Estêvão no dia 26 de
dezembro com um feriado nacional. Já foi tradição na Irlanda caçar-se uma
corruíra ou outra ave da família dos trogloditídeos neste dia. Por esta razão,
a festa chama-se também de Wren’s Day
naquele país. Hoje em dia, por razões óbvias do movimento mundial de proteção à
Natureza e meio ambiente, não se caçam mais corruíras na Irlanda, mesmo porque
são considerados animais em extinção.
Outro costume mantido em muitas localidades é a ida de
aprendizes às casas dos clientes de seus patrões portando uma caixinha de
terracota dentro da qual é depositado o donativo solicitado. Em muitos lugares,
esta caixa era adrede moldada no formato de um porquinho e recebia a alcunha de
piggy bank não tendo chave ou
abertura para retirar seu conteúdo. Ainda hoje em dia, os cofrinhos das
crianças recebem, entre os britânicos, esta denominação, mesmo que não tenham
formato de porco ou sejam de terracota. Quebrava-se o porquinho de barro para
retirar o dinheiro.
Em regiões mais pobres, os carentes se agrupam para
formar corais e, quando possível, tocam alguns instrumentos. Nas noites de
Natal e de Santo Estêvão, fazem serestas diante dos portais e janelas do povo
mais rico cantando músicas natalinas e a velha canção inglesa Good King Wenceslas. Trazem consigo
sacolas e caixas para receberam roupas e víveres, além de contribuições em
dinheiro.
Concluo, portanto, afirmando que a denominação deste
feriado britânico nada tem a ver com o pugilismo e nem tampouco com a rebelião
dos Boxers na China contra chineses
cristãos e estrangeiros em meados de 1900, sufocada por forças internacionais.
Menos ainda tem a ver com a minha raça canina predileta, o boxer!
_____________________
1 O
feriado inexiste em nossa cultura e ao descrever o conteúdo deste trabalho para
pessoas da família, em dezembro de 2004, surgiu o título no vernáculo.
2 Um
resumo desta crônica foi apresentado em 20/01/05 na 174ª da Sobrames-SP no Bonde
Paulista na Paulicéia e nas seguintes tertúlias literárias do Movimento Médico Paulista do Cafezinho
Literário – MMCL: 11/11/06 – S.
Caetano do Sul, 18/11/06 – Botucatu, 25/11/06 - Santos, 09/12/06 – Araçatuba e
aos 07/02/07 em Sorocaba, vindo a ser o trabalho publicado em sua versão
original na coletânea Roda Mundo-2007
(Antologia Internacional Roda Mundo 2007
/Org. Douglas Lara – Itu: Ottoni Editora, 2007, 395p., p.360-363.
3 A
bandeira britânica Union Jack cuja denominação
é tradicional e comumente utilizada, embora técnica e historicamente errada, é
uma combinação das bandeiras da Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte. O
primeiro esboço, criado para fins de navegação pelos oceanos, surgiu com a ascensão
ao trono inglês de Jaime VI da Escócia, ao suceder a Rainha Elizabeth em 1603, utilizando-se
a cruz vermelha de S. Jorge, num fundo branco, (inicialmente usada nas
Cruzadas) e a cruz de Santo André, patrono secular da Escócia, em forma de cruz
branca em X, como foi crucificado, num fundo azul. Somente em 1801, quando a
Irlanda foi unificada à União, foi introduzida uma aspa vermelha (representando
o sautor, instrumento de madeira em X usada para tortura) que ilustraria S.
Patrício, missionário e patrono da Irlanda. (Fonte: Collins Gem – FLAGS. Glasgow: HarperCollins Publishers, 1995.
p.236-237).
4 A
Rainha Vitória (1819- 1901) reinou de 1837 a 1901
5
SGARBOSSA, M. e GIOVANNINI, L. – Um Santo Para Cada Dia. São Paulo:
Paulus, 1996. p.415.
Notas finais do autor:
Sou grato ao meu
irmão Walter Whitton Harris, ortopedista e sobramista de S. Paulo, por ter
feito a revisão da língua portuguesa no texto originalmente apresentado em 2005
na Sobrames-SP. Ele está isento de qualquer responsabilidade tangente à
presente reformulação.
Possuo uma relação de
cerca de duas dúzias de sites de onde
extraí dados para compor as informações aqui expostas. Se houver interesse,
terei prazer em remetê-la.
William Moffitt
Harris (mmclbilly@gmail.com)