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terça-feira, 9 de setembro de 2014

POR: ISAAC FURTADO - VISITA NO INTERIOR

Dr. Isaac Furtado - Médico e Membro da SOBRAMES-CE

Aquarela - Isaac Furtado


VISITA NO INTERIOR 

Texto lido pelo autor, na reunião da Sobrames-CE de 08/09/2014

O ranger da velha porta de ferro anunciou minha visita. Lá atrás, o atento Veludo fez figura com o seu latido já rouco. Em cima do segundo degrau e já entrando sem cerimônia para fugir do Sol tinhoso, me apresentei com palmas.
-Ôh de casa! 

Levei alguns segundos até acomodar minhas pupilas, e vislumbrar as samambaias bem cuidadas no cantinho da sala. Ainda se via os pingos da última regada sobre os mosaicos vermelhos. Sentei-me na cadeira de balanço que pertenceu à tia Mundinha. No embalo incontrolável, fiquei observando a parede de reboco irregular muito bem preenchida. Onde percebia-se, dentre as clássicas imagens de Padre Cícero e Nossa Senhora da Conceição, diplomas e fotos desenhadas com muito primor. Pelo reflexo da robusta TV Telefunken, pude observar a cristaleira repleta de miudezas. 

Da cozinha partia um cheiro irresistível de café. Não daqueles industrializados, era um café coado no pano já marrom, com anos de experiência. O barulho de panelas e pratos batendo, dava sinal de que algo estava sendo cozinhado. Para mim, um cafezinho seria suficiente. A despeito do meio-dia impor o almoço e um refresco bem gelado. Veludo já se encontrava deitado na soleira da porta, observando o movimento exíguo de fora. Por volta do meio-dia, as coisas andam mais lentas no interior. O mormaço do sertão faz todos os viventes se abrigarem em alguma sombra. Inclusive eu!

O corredor longo da casa me anulava. Postei-me ali a balançar mais um pouco. Por detrás dos sons da cozinha pude escutar no quintal o Loro reclamando por comida e o radinho de pilha tocando Roberto em algum local bem distante. Além de um armador que rangia no quarto do meio, fazendo o compasso daquela sinfonia caseira. Olhei para cima, e vi pequenos orifícios nas telhas, principalmente naquelas bem escuras, ainda do telhado original. Pontos de luz por onde finos fachos ponteavam a poeira delicada que passava lentamente pela sala. Apreciando aquele espetáculo silencioso, cá comigo pensei: No inverno vai dá goteira! 

Os talheres tintilavam na mesa de jantar, preparando a digestão pelo ouvido e pelo cheiro. Talvez fosse um capote, ou um espinhaço de carneiro que estavam para serem servidos. E o cheiro forte de Piqui dominou o ar. Eu, ainda estava pensando no café, mas sem fome alguma. E como não apareceu ninguém, resolvi ir embora, quase na mesma hora em que o armador parou de ranger. Impercebido, me ergui, seguindo meus passos de volta. Cruzei por cima do Veludo, que apenas murchou as orelhas e desci os degraus silenciosamente. Sem tocar na grade e sem olhar para trás, fui embora. Da calçada, ainda ouvi Das Dores gritando: - Olha o almoço!

Isaac Furtado
Breve conto ilustrado

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