Total de visualizações de página

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

POR: SEBASTIÃO DIÓGENES - O NEUROCIRURGIÃO



Dr. Sebastião Diógenes - Médico e Primeiro Tesoureiro da Sobrames-CE

                                                     O neurocirurgião
             Quando o meu irmão entrou no centro cirúrgico contava 17 anos de idade, efeito do grande hematoma subdural que lhe afetava o juízo. Assistiu-o um competente neurocirurgião da nova geração. Ele possui um ativo de 6 anos de residência no centro mais avançado em cirurgias neurológicas do mundo e 10 anos de experiência profissional no Instituto Dr. José Frota.
      Ao deixar o centro cirúrgico, o mano já se encontrava com a idade normal: 73 anos bem contados, especificando o dia, o mês, o ano e o local de nascimento. Sucesso absoluto!
         Durante o tempo que o neurocirurgião realizava a avaliação pós-operatória imediata, vi-o adolescente transitando na minha memória. Passei a relembrar algumas travessuras dele quando menino enquanto contemplava o grande médico que acabara de devolver a felicidade à nossa família. Louvado seja!
       Ele sempre foi muito inteligente e estudioso, embora chegado às reinações próprias da juventude. Fez sucesso quando cumpria o intercâmbio cultural nos Estados Unidos. Os pais americanos logo se apaixonaram pelo engenhoso estudante estrangeiro. Ele tem esse dom de cativar as pessoas. Na escola a adaptação foi muito fácil e logo se destacou nos estudos. Obtinha notas excelentes o que fascinava a mãe americana. Ela exultava de alegria e não se cansava de elogiá-lo. Com o braço em flexão e o punho brandindo em sugestão de vitória, ele exclamava:
            - I am “escroto”, Mum!
            - What does “escroto” mean, son?
       Ele explicava, à luz das suas conveniências, o significado da palavra. Não lhe continha, porém, o riso maroto. A mãe não era boba e se deliciava com a sua erudição. E quando dela recebia presentes ficava muito contente, agradecia com um efusivo abraço e exagerava nos elogios:
             - You are “foda”, Mum!
      E assim o tempo foi passando até o dia da formatura. Os pais viajaram de Fortaleza para participar da solenidade, fazia parte da tradição. E trazer o filho de volta, e era tempo. Os maravilhados pais americanos ofereceram um churrasco de despedida.
      - The barbecue is very good, Mrs Goodhill. Comentou o pai, que dominava bem o inglês.
            - I am “escroto”, Dr. Francisco!
       Percebeu-se traída pelo transporte e ficou meio encabulada. Pediu desculpas pelas intimidades, se poderia tratá-lo pelo primeiro nome. “Sure”, disse Dr. Francisco. A americana estava cheia de entusiasmo e curtiu pra valer o último dia com o filho, que não tivera dificuldades de amá-lo.
         Dr. Francisco logo compreendeu que o filho andara aprontando. Não pôde conter um risinho zombeteiro, no entanto, a sua mulher fechou a cara, não achou graça nenhuma. Por sorte, não havia outros brasileiros na festa.
         Ao se despedirem, a americana deu um forte e demorado abraço no filho e, ao mirar os pais com os olhos marejados, externou o mais genuíno sentimento de sua alma:
             - The little Francisco is “foda”!
            Ainda no táxi, no caminho do aeroporto, o filho se explicou e pediu desculpas pela brincadeira que praticara com a mãe americana. Foi uma maneira que encontrara para ouvir, no dia a dia, tais vocábulos e, assim, aliviar um pouco a saudade da linguagem da nossa gente.
           A estória terminaria aqui se no ano seguinte os americanos não viessem para a festa de aniversário do pequeno Francisco. Momentos antes da festa, com visível preocupação estampada na cara, “little” Francisco chamou a mãe a um canto e pediu- -lhe que não pronunciasse aquelas palavras. Explicou-lhe os feios significados e pediu desculpas pela brincadeira. Ela abraçou-o, beijou-o e disse que não se preocupasse, já conhecia o calão das referidas palavras. Claro estava que não iria pronunciá-las aqui no Brasil. Sem ele saber, havia recorrido ao dicionário logo que notara o seu jeito meio molequinho de ser. E se havia pronunciado tais palavras por ocasião do churrasco, porque queria fazer uma despedida bem alegre, descontraída, à maneira brasileira. E nestes termos encerrou-se a conversa sobre o vocabulário das obscenas frases de “little” Francisco:
                -  No problem, son! You are great!"
        Passados tantos anos, ainda hoje eles se encontram e se confraternizam: lá e cá, com o léxico das boas maneiras.
E o Neurocirurgião - com a inicial maiúscula, que o novo Acordo não leve em consideração a desobediência -, deve estar se perguntando o resignado leitor. Obrigado pela paciência de ter chegado até aqui, respondo-lhe com ciência. Trata-se de um trabalhador incansável, chega junto ao paciente e não o abandona nunca. Artífice do bisturi e do trépano: é um salvador de vidas. De quebra, é católico! Quer mais? Procure um santo!

Sebastião Diógenes. Em 31 de dezembro de 2013.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

POR: MARTINHO RODRIGUES - NADA DE NOVO

Dr. Martinho Rodrigues - Médico e Membro da Sobrames-CE





NADA DE NOVO

Desde sempre,
Na estalagem do coração,
Algumas pessoas
Apenas pernoitam.
Outras,
Por um período maior,
Encontram
Consentido acolhimento.
Mas existe quem,
Sorrateiramente,
Se instale
E como posseiro
Permaneça
Sem nos pedir permissão.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

POR: MARTINHO RODRIGUES - POR QUE, PAI?

Dr. Martinho Rodrigues - Médico e Membro da Sobrames-CE

POR QUE, Pai?

Por que permitis 
O desejo...
E a impossibilidade de
Satisfazê-lo?

Por que permitis
A distância
Insuperável que
Separa os homens?

Por que permitis
A ilusão
De que possamos
Existir
Além de um segundo?

Por que
Vos pergunto?
Porque eu, que nada sei,
Sinceramente não sei. 

domingo, 29 de dezembro de 2013

POR: HELDER MARTINS - CONTAR CLINICANDO

Contar Clinicando                             

Introdução
Dr. Aldino Muianga

Por: Aldino Muianga
Na generalidade o profissional de Saúde sempre acalentou o sonho de registar as suas experiências com os pacientes; porém, numa perspectiva que se situasse fora do território formal das unidades sanitárias. Aquelas experiências para-clínicas acumuladas seriam – e é assim que nós desejamos que elas sejam – o fio condutor da relação médico/paciente para o lado humano e social, porque cremos que, por detrás de cada história existe sempre outra história. E é nessas “outras histórias” onde muitas vezes achamos o bálsamo que no sub-consciente desanuvia os dramas do quotidiano, onde se desintrincam os novelos da psicologia dos pacientes e fazem-nos perceber quão complexa pode ser a natureza humana ou quanta grandeza se oculta numa palavra, ou ainda em gestos simples como aqueles que vão discorrer ao longo das narrativas nesta coluna.
Contar Clinicando constitui uma digressão ao “outro lado” dos enfermos, espaço onde ele ou ela se redescobre e reencontra, e onde o profissional de saúde reconquista a sua dimensão de ser social.
Assim sendo, vamos então contar clinicando.

------------------------------------------------------------------------------------

Contar Clinicando:
«Os bebés que dormem no ventre das mães…»                                                                                                                  
Dr. Helder Martins
                                                                                                                             Por: 
 Helder MARTINS


Publicado no informativo de dezembro/2013 da AMEAM (Associação dos Médicos Escritores e Artistas de Moçambique)

Esta publicação foi autorizada pelo autor, Prof. Helder Martins.


No longínquo ano de 1962, quando era ainda um jovem médico, fui trabalhar em Marrocos. Fui colocado no Hospital de Bou Izakarn, um Oásis no Sul de Marrocos, no Deserto do Saará, a 200Km da capital da Província de Agadir, que se situava junto da costa. Chegado a Agadir, pedi ao Médico Chefe Provincial para me autorizar a ficar no Hospital Provincial, algum tempo, para me familiarizar com o Sistema de Saúde marroquino e com os hábitos culturais da população. Era o meu primeiro contacto com um país, com o Islão como religião de Estado, o que condicionava muito a cultura das populações e as suas percepções sobre a Saúde e a Doença. O Médico Chefe Provincial concordou e acabei por ficar um mês.
Agadir era uma cidade que, 2 anos e meio antes, tinha sido devastada por um terrível terramoto. Só cerca de 25% da população sobreviveu. Quase todas as famílias tinham sido afectadas.
Aproveito fazer um parêntesis para contar uma estória verídica que ocorreu durante o terramoto. Este aconteceu pouco depois da meia-noite, duma noite de lua cheia. Um dos edifícios mais afectados, situado mesmo no epicentro do terramoto, foi um hotel de 12 andares situado perto da praia, que estava cheio. Ruiu completamente, como um castelo de cartas, e todos os ocupantes (em grande parte turistas) faleceram. Entre os hóspedes do hotel havia um jovem casal de franceses, recém-casados, que passavam a lua-de-mel. Estava uma noite quente e como já indiquei de lua cheia. Um pouco antes da meia-noite, a recém-casada achou que seria muito romântico e idílico ter relações sexuais na praia, dentro de água. O marido preferia o conforto da cama, mas ela insistiu no seu desejo e ele gentilmente acedeu. Foram os únicos sobreviventes do hotel. No meio do seu delírio sexual assistiram ao hotel a desmoronar-se. O noivo achou que daí em diante devia ceder a todos os caprichos da esposa. Não era caso para menos...!
Voltando à minha narrativa: Logo no primeiro dia, no Hospital de Agadir dou com uma médica portuguesa minha amiga dos tempos de Faculdade, muito embora ela estivesse uns anos à minha frente. Foi uma grande alegria. Ela era a Ginecologista do Hospital e foi com ela que comecei a trabalhar. Ela deu-me as primeiras orientações e foi uma ajuda extraordinária, para me fazer penetrar nos meandros daquela cultura e daquele modo de vida.
Antes de iniciar a consulta, a minha amiga explicou-me uma crença existente naquela população, de que, durante a gravidez, os fetos podiam «adormecer no ventre das mães e voltar a acordar mais tarde». As causas desse adormecimento e posterior acordar estavam em relação com acontecimentos mais ou menos felizes ou infelizes da vida do casal.
Uns meses mais tarde, comecei a ler o Corão e percebi donde vinha essa crença. Na realidade o Corão é um tratado de Direito. Maomé, o Profeta, ia fazendo justiça, à medida que os casos lhe eram apresentados e o Corão contém toda essa jurisprudência. Uma vez, confrontado com um caso complicado, de heranças de uma criança nascida muito tempo depois do alegado pai ter morrido, Maomé, para evitar confusões, declarou que a gravidez durava normalmente 9 meses, mas excepcionalmente, podia durar mais, até 5 anos. Daí esta crença dos «bebés que dormem nos ventres das mães». O certo é que essa crença resolve a vida de muita gente.
Quando a minha amiga começou a consulta, a primeira cliente era uma viúva, com uma gravidez de 4 meses, que dizia estar grávida do marido, falecido no terramoto, 2 anos e meio antes. Com o desgosto da morte do pai, o feto teria ficado a dormir e agora acordara de novo. Ela só não sabia porquê.

A minha amiga explicou-lhe que, ela podia dar aquela explicação a quem quisesse, mas nós médicos sabíamos que ela tinha tido relações sexuais, 4 meses atrás e, de certeza, não tinha sido com o defunto marido. Mas não serviu de nada. Ela continuou a jurar a pés juntos, que nunca tinha conhecido outro homem, senão o defunto marido. 
Durante a minha actividade clínica de um ano em Marrocos e mais tarde de 2 anos na Argélia, tive que fazer face a vários casos de «bebés que dormem no ventre das mães». Essa crença arranjava sempre a vida de alguém!

sábado, 28 de dezembro de 2013

POR: VICENTE ALENCAR - IMUTÁVEL



Vicente Alencar - Jornalista e Diretor de Cultura e Divulgação da Sobrames-CE

IMUTÁVEL


O tempo passou
mas o sol continua a brilhar
O luar é sempre belo
e a tua luz
é sempre a mesma.
Um grande amor
permanece em meu coração,
imutável,
plenamente sensivel
dedicado a você.

sábado, 21 de dezembro de 2013

POR: MARTINHO RODRIGUES - NO MEU JARDIM

Dr. Martinho Rodrigues - Médico e Membro da Sobrames-CE


 NO MEU JARDIM

A lua-cheia
ancorou no meu jardim.
Ela todos os meses faz assim,
só pra machucar meu coração.

Logo a mim,
que nem sei tocar violão...
Apenas canto, mas não canto ruim.

Cantei melhor, tempos atrás...
Tempos atrás, eu era melhor em tudo.
Talvez, não. Hoje sou melhor como pessoa.
O tempo desgasta o corpo, mas a alma aperfeiçoa.

POR: FÁTIMA AZEVEDO - QUANDO CHEGA DEZEMBRO

Dra. Fátima Azevedo - Médica e Membro da Sobrames-CE


QUANDO CHEGA DEZEMBRO... 
                                                                                     
            Quando chega dezembro,  chegam muitos pensamentos à minha mente e uma caravana de emoções ao meu coração. É como se um filme em rápida velocidade começasse a passar à minha frente. Mil perguntas começo a me fazer e percebo que poucas pessoas tem a real consciência do significado do Natal. Pessoas que não praticam a caridade durante o ano inteiro viram anjos-da-guarda dos pobres e desvalidos. Isso, enquanto tocam os sinos do Natal. Mas passada a meia-noite, quando a varinha de condão da bondade se quebra, essas pessoas voltam à sua normalidade e retornam à sua rabugisse e mesquinhez humana (ou desumana?).
            Quando chega dezembro, lembro de meus Natais de criança feliz. Sempre ao acordar, havia um presente do lado da cama esperando por mim. Lembro também que não tínhamos tanta fartura, mas tínhamos harmonia de sobra e as pessoas pareciam mais felizes e menos preocupadas com o sucesso financeiro, ou com a roupa de grife, ou com a última invenção tecnológica do mercado digital.
            Quando me chega dezembro, lembro dos idosos de minha família, rodeados dos mais jovens que lhes ouviam as histórias e as canções de então. Lembro de toda a família reunida e de muitas histórias engraçadas...
            Agora quando me chega o Natal, a alegria não é tanta... Vem a saudade dos que já se foram... Vem a preocupação com os que não tem um pão seco na mesa para comer, enquanto nas instituições públicas tanto dinheiro é gasto com comemorações cheias de comilança e pouquíssima consciência fraterna.
            Quando chega dezembro, já fico pensando em que desculpa darei para não ir a essas comemorações cheias de discursos e tantos comes-e-bebes que não levam a nada. Este ano não fui a uma sequer desse modelo. Fiquei feliz comigo mesma!
            Tantas palavras bonitas nas festividades do Natal e no dia seguinte não se perdoa uma pequena falha de um irmão, de um companheiro, de um motorista pouco educado no trânsito. Será que estamos todos ficando loucos?.... Estamos todos ficando mais falsos?....Mais ridículos...a cada ano que passa?
            Não aguento mais festividades de Natal onde a fraternidade não esteja presente, onde apenas pessoas muito queridas não estejam. Basta de tanta futilidade usando o nome de Jesus para exercer a vaidade. Chega! Estou fora!!
            Pra mim, quanto mais em casa e repensando o que fiz ou deixei de fazer, melhor o Natal. Mas, como faço parte de uma família que tem gente idosa e que ainda curte muito o espírito do Natal, rendo-me e participo da ceia. Mas, não nego, meu pensamento viaja o tempo inteiro! Contudo, não me culpo por isso. É minha forma saudável de sobreviver às festividades natalinas.

            Gente, acreditem, apesar de tudo que eu disse, eu gosto muito do Natal! Das luzes, das árvores de Natal, dos enfeites e da minha casa, que passa pelo menos uns dias, bem arrumadinha...