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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

POR WILLIAM HARRIS - OS DOIS SELINHOS



Dr. William Moffitt Harris

OS DOIS SELINHOS 1
William Moffitt Harris 2

              Não me recordo do tamanho, do formato, da cor ou do valor dos dois selinhos, mas pela sua importância dentro do contexto histórico de minha família, vale à pena contar o que aconteceu.
              Morávamos em São Paulo, na Travessa Bury. Ficava entre a Rua Minas Gerais e a Rua Sorocaba, no fim da Avenida Paulista, onde se desce para o Pacaembu. A casa era alugada e lá a família permaneceu desde o casamento dos meus pais em 1934 até 1957. Havia doze casas na nossa rua e mais uma dúzia na rua de baixo, que foram construídas na mesma época e pertenciam a dois irmãos: Guilherme e Bento Rehder. Fui, quando criança, inúmeras vezes ao escritório destes dois senhorios, na Rua São Bento, no centro, acompanhando minha mãe para pagar o aluguel.3
             Além da formalidade comercial, o Sr. Guilherme esteve algumas vezes em casa ajudando meu pai a catalogar sua coleção. Faziam trocas de pequeno porte, geralmente selos ingleses por selos alemães, devido à correspondência que ambos mantinham com familiares na Europa. Não faltava o chá e torradas ou o delicioso pão-de-ló que Mamãe fazia e que meu pai teimava em chamar de sponge cake (bolo-esponja). Deste interesse por selos, nasceu uma amizade duradoura que perdurou até o falecimento dos irmãos Rehder, seguramente trinta anos mais velhos que meu pai. Eu me debruçava sobre a mesa da sala de jantar tentando acompanhar a conversa dos dois. Discutiam a valer sobre a época e localização de determinados países ou pedaços de países que haviam mudado de “proprietários”. A cada mudança, nova emissão. Eu não entendia nada, pois era bem pequeno, mas Papai fazia questão de apontar no atlas, muitas vezes com suas fronteiras rabiscadas com seus redesenhos, onde ficavam aqueles países. 
             O Sr. Guilherme e seu irmão eram brasileiros e falavam mal o alemão; meu pai, menos ainda, além de misturar com um pouco de iídiche. Não o praticara havia mais de vinte anos e a maioria de seus poucos amigos judeus, em São Paulo, preferia falar o inglês e o português, possivelmente devido ao terror nazista na época getuliana. Lembro-me deles discutirem sobre a pronúncia correta de Schleswig-Holstein, Liechtenstein, Luxembourg, Alsace-Lorraine e outros. Estes detalhes ficaram na minha memória, porque o velho vivia repetindo estes nomes.
              Havia a questão dos dois selinhos. O Sr. Guilherme pediu, implorou diversas vezes para que me pai os vendesse para ele. Eram selos relativamente antigos e que faltavam numa determinada série brasileira de sua coleção. Não se achavam mais em filatelistas comerciais. Meu pai, desconfiado como sempre, pensava que deviam valer muito mais do que seu amigo estava oferecendo, o que não era pouco. Recusava-se a se desfazer dos selos. Falava ainda que, um belo dia, iriam valer uma fortuna, o que ajudaria a família a adquirir seu próprio imóvel.
              Com o afundamento de oito navios brasileiros nas costas da Bahia, em 1942 (ainda não se tem absoluta certeza por quem), entramos na guerra contra o Eixo por pressão dos Estados Unidos e, para selar a definitiva e clara aliança, esteve nos visitando, naquela época, o Presidente Franklin Delano Roosevelt. Os americanos pretendiam, assim, de forma diplomática, assegurar seu posicionamento em Fernando de Noronha para fins de abastecimento de seus aviões. Getúlio Vargas, sabendo que o Presidente americano era aficionado por filatelia e para agradar o visitante, resolveu presenteá-lo com uma coleção completa de selos brasileiros, incluindo o olho-de-boi. Recorreu ao conhecido colecionador Guilherme Rehder, oferecendo pagar-lhe uma boa quantia oriunda dos cofres públicos. O velho Guilherme ficou profundamente envaidecido e, sentindo-se muito honrado por ter sido escolhido, recusou o pagamento.4
            Procurou antes meu pai, oferecendo desta vez uma quantia bem maior para que meu velho abrisse mão dos dois selinhos. Colocou a situação tocante ao Presidente Roosevelt e que, realmente, não gostaria que a coleção fosse passada adiante de forma incompleta. Meu pai,  estarrecido com o fato de o Sr. Guilherme haver se recusado a receber o dinheiro de Vargas pela coleção, não teve qualquer dúvida. Doou, imediatamente, os dois selinhos para o conjunto.

1 - Publicado em 12/01/06 no Nº 269 do Jornal Virtual da SOBRAMES (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores) e apresentado nas seguintes reuniões do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário MMCL: 4a em 11/02/06 (1a reunião do Núcleo de S. Caetano do Sul-SP); 28a em 16/12/2006 (4a reunião do Núcleo de Sorocaba-SP); na 49ª em 25/08/2007 (2ª do Núcleo de S. Bernardo do Campo-SP); na 50ª em 01/09/2007 (4ª do Núcleo de Taubaté-SP) e na 64ª em 06/12/2007 (4ª do Núcleo de Ribeirão Preto-SP). Publicado em A Presença Literária do MMCL (2005 a 2008). Organizadores: William Moffitt Harris e Alitta Guimarães Costa Reis. Itu-SP: Ottoni Editora, 2008. p.109

2 - Pediatra Sanitarista. Prof. Dr. (aposentado) da Faculdade de Saúde Pública – USP. Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL. Membro Titular ativo da Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES desde 2003, nível central SOBRAMES-BR, níveis regionais SOBRAMES-PE, SOBRAMES-RS. Membro Honorário e Titular da SOBRAMES-CE. Dissidente e separatista da SOBRAMES-SP. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras. Sócio Titular da Associação Paulista de Medicina e Associado da Associação dos Médicos de Santos. Membro Associado da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente – SP. “Padrinho” do MLSS - Movimento Literário Saberes e Sabores de S. Gonçalo do Sapucaí – MG.

3 - A partir de 1970 foram mudados, respectivamente, os nomes da Travessa Bury para Rua Marcelino Ritter e da Rua Sorocaba para Rua Prof. Ernst Marcus.

4 – Foi nesta ocasião que o Presidente Roosevelt doou uma de suas bengalas ao Professor Godoy Moreira, Diretor da Clínica Ortopédica e Traumatológica – COT do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Esta bengala continua até hoje dependurada, num cofre de vidro, no saguão de entrada do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de São Paulo (o mesmo prédio de 1942). Presidente Roosevelt tinha sequela de Poliomielite que adquiriu na juventude. Quando ainda moço foi operado nos Estados Unidos pelo Prof. Godoy Moreira que na época fazia lá um curso de especialização. Já era afamado nos meios ortopédicos no mundo inteiro. A bengala foi destroçada por vândalos (as más línguas incriminam formandos bêbedos da Faculdade) já há alguns anos, mas a pedido do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz da FMUSP a embaixada providenciou em São Paulo uma réplica para ficar no seu lugar. A placa de agradecimento, assinada pelo Presidente Roosevelt, continua lá.

POR JOSÉ VALDIVINO - RECUERDO



Dr. José Valdivino de Carvalho - Ex - membro da Academia Cearense de Letras

                                 RECUERDO
                                                                                                                      Publicado no Livro "Tardes sem Sol" - EDIÇÃO FAC-SIMILAR COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO AUTOR - 1911 / 25 de fevereiro / 2011

                                                            
Guardo-lhe a voz, o rosto, a cor, os olhos,
Olhos serenos, de mistério e sonho!
Lembro-lhe as mãos, o andar, o talhe grego
E aquela linda boca de criança...


Deusa e menina, nobre flor morena...
Ninguém a via, que a não quisesse.
Fartos cabelos negros sobre os ombros
E o fio fino do coral dos dentes.


Hoje ela é minha, a minha dama augusta,
Rainha absoluta do meu lar.
Mas sempre o coração me diz, ansioso,


Numa palavra apreensiva e rouca:
- Ai de ti! ai de ti! não fossem teus
Estas mãos, estes olhos, esta boca!...

                                                           José Valdivino

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

POR SERGIO MACEDO - A BARRA DE VENTO

Dr. Sergio Macedo - Médico e Membro da SOBRAMES-CE
A BARRA DE VENTO
                   
A barra do vento
Levou os ouvidos que restavam,
Mas os poetas continuaram
Escrevendo suas ficções mórbidas,
Falando do tempo,
Da morte, do senso,
Do corpo da mulher desejada
E da amada também.

Os poetas assentaram-se
Em torno da fogueira mantida,
Mantida com o pacto de falar de sentimentos.
Olharam-se sem sorrisos em seus rostos.

Continuaram falando em tom maior ou menor
Do que tanto já se cantara.

Vagaram pelo deserto como indomados loucos,
Pacatos, porém loucos,
De idéias e delírios coloridos,
Marcadores de libelos, às vezes.

Os poetas não tiveram tronos
E, somente reinaram sobre poucas cabeças,
Sem impingir a força e o domínio
Sem forçar a absorção de nenhum pensamento.

Seus pergaminhos foram, no máximo,
Apresentados a quem tivesse olhos.

 Sergio Macedo

     

POR ANA MARGARIDA - NUNCA MAIS


José Rosemberg &Ana Margarida


NUNCA MAIS

Nunca mais teu corpo belo e quente
A aquecer-me nas longas noites frias.
Nunca mais aquele amor ardente
Cheio de encanto, paixão e poesia.

Nunca mais teus sábios ensinamentos
De tuberculose, tabagismo e biologia molecular,
A saciar minha sede de conhecimentos,
Além, querido, de tua cultura invulgar.

Nunca mais as viagens ao velho mundo,
Nossos passeios, unidos, de braços dados.
Nunca mais contemplaremos juntos,
Felizes, aqueles museus encantados.

Nunca mais as nymphéas de Monet
Inundando de cores nosso olhar.
Festa para os olhos, como gostavas de dizer,
Matisse, Lautrec, Van Gogh e Renoir.

Nunca mais poder te oferecer
O meu mais puro, meigo e transparente olhar.
Nunca mais nas madrugadas te embalar
Com as melodias que eu gostava de cantar.

Nunca mais tua voz, tua presença,
Teus doces beijos, tuas declarações de amor,
Somente a dor atroz de tua ausência
E o vazio sideral que me restou...

Ana Margarida               
São Paulo, 08 de setembro de 2006.

POR CELINA CÔRTE - ILUSÃO



Dra. Celina Côrte - Médica e Presidente da SOBRAMES-CE


ILUSÃO 


Na solidão do quarto,

A poesia

E a gente pensa

Que o poeta

Naquela hora

Pensava na gente...


                                                       Celina Côrte Pinheiro