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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

POR: WILLIAM HARRIS - BOXING DAY OU O NATAL DOS CRIADOS


Dr. William Moffitt Harris
BOXING DAY ou
O NATAL dos criados 1, 2
Dr. William Moffitt Harris, Campinas - SP
Membro Titular da Sobrames - CE
e-mail: mmclbilly@gmail.com

Ao passar o dia 26 de dezembro de 2013, aqui em minha casa, entusiasmei-me em divulgar, mais uma vez, esta data comemorativa. Já o havia feito há questão de uma década entre sobramistas de São Paulo e companheiros do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL e agora me dirijo aos colegas sobramistas e meus amigos do Ceará 2.
Há alguns séculos, persiste este feriado entre os povos de língua inglesa ou países oriundos e remanescentes da época em que a Union Jack tremulava em seu mastro no alto dos bastiões que guarneciam a entrada das baías e ancoradouros ao longo de suas costas. Vigiavam a natureza das embarcações amigas (incluindo as piratas) e inimigas do império e tomavam as providências que se impunham naquele contexto 3.
Festeja-se o chamado Boxing Day em todo o território da Inglaterra, País de Gales, Nova Zelândia, Austrália, boa parte do Canadá e em alguns países do Caribe, no primeiro dia útil após o Natal. Quando o Dia de Natal cai na quinta-feira, sexta-feira, sábado ou domingo, o feriado se prolonga por três ou quatro dias. Caindo o Natal na terça ou na quarta, como ocorreu agora em 2013, o feriado é no dia seguinte. Se o Natal for no sábado ou no domingo, invariavelmente, Boxing Day cai na segunda feira.
Alguns historiadores atribuem a denominação de feriado ao fato de os empregados de grandes propriedades rurais serem convocados a trabalhar no dia de Natal para depois folgarem no dia seguinte. Assim que os empregados se preparavam para partir, seus senhores os presenteavam com caixas contendo víveres e roupas.
No Boxing Day, há festas por toda parte, competições esportivas ao ar livre, corridas de cavalos, excursões, confraternizações com empregados, distribuição de gorjetas para carteiros, entregadores de jornais e coletores de lixo (antigamente, no tempo dos lampiões a gás, os acendedores também recebiam suas gorjetas) e troca de cartões de cumprimentos alusivos, especificamente, a esta data.
Como atividade de interesse social, faz parte do currículo das escolas prepararem as crianças com o espírito voltado para o significado daquele feriado. São distribuídas cartolinas coloridas, colas, tesouras, envelopes, giz de cera, lápis de cor, fita adesiva, enfeites e outros materiais, dando-se instruções para fazerem caixas e bilhetes de agradecimento.
Passa-se o Boxing Day em família e com os amigos, com muita comida, amor e amizade, além das atividades fora de casa. Muitos se dedicam a elaborar cartas a pessoas de quem receberam alguma ajuda durante o ano. Bancos, repartições públicas, o correio e o pequeno comércio estão fechados nesta data, mas os shopping centers ficam apinhados com pessoas adquirindo e trocando presentes, enfeites e cartões, aproveitando a tradicional liquidação de Natal. No Canadá, Austrália e Nova Zelândia, a procura de mercadorias em liquidação no varejo é tão grande que os comerciantes chegam a esticar a celebração pela semana toda e a chamam de Boxing Week.
Uma forma, também tradicional, de festejar o Boxing Day é fazer doações em dinheiro e bens a entidades beneficentes, a pessoas necessitadas e ao pessoal do setor de serviços, além de crianças pobres em geral. As pessoas mais abonadas, há séculos, têm esta oportunidade de presentear gente mais pobre com dinheiro ou mercadorias. Assim, os comerciantes fazem doações em caixas (Christmas Boxes) contendo alimentos em conserva, frutas, bebidas e roupas ou dinheiro. São as Cestas de Natal que perduram até os dias de hoje no comércio. É uma forma de os patrões manifestarem sua gratidão ao bom trabalho prestado pelos empregados durante o ano. Muitas empresas, ao longo dos anos, substituíram este tipo de donativo pelo “abono de Natal” e a legislação de muitos países criou o 13o salário. No Boxing Day, muitas pessoas das comunidades de língua inglesa preferem se entregar pessoalmente a famílias necessitadas de mão-de-obra caseira. Isto abrange fazer compras para casais de idosos, consertar cercas ou canis, cuidar das crianças enquanto os pais vão visitar amigos ou parentes hospitalizados, etc..
Em algumas cidades, são promovidos espetáculos grandiosos em comemoração à data. Tenho aqui comigo, por exemplo, o programa do Symphony Hall de Birmingham para as 19h30, do dia 26 de dezembro de 2004. O programa intitula-se Boxing Day Classics com a Orquestra de Concertos de Londres e inclui entre outros: a Abertura da Força do Destino de Verdi, a Suíte Carmen de Bizet, o Concerto em Lá Menor Para Piano de Grieg (com o solista Murray McLachlan), o Bolero de Ravel e o Capricho Italiano de Tchaikowsky. Ainda existe uma nota embaixo informando que haveria uma taça gratuita de Champagne para cada uma das pessoas da plateia. A renda líquida seria encaminhada para uma entidade beneficente. Os ingressos individuais a serem cobrados variavam de 8,50 a 27,50 libras esterlinas.
Além de assistir e participar de esportes como futebol, corridas de cavalos, regatas e cricket, já é tradicional em Brighton, no litoral, a oitenta e dois quilômetros ao sul de Londres, o mergulho anual nas águas geladas do Canal da Mancha por parte dos membros do clube local de natação (Brighton Swimming Club).
Na Austrália, no Boxing Day, inicia-se, tradicionalmente, em Canberra o êxodo e a temporada de praia e em Melbourne uma das competições nacionais mais importantes de cricket (Boxing Day Test Match). Em Sydney, nesta data, realiza-se o início de uma das mais prestigiadas corridas internacionais de iatismo (Sydney-Hobart Yatch Race) perante milhares de espectadores reunidos em torno da Baía de Sydney.
Na África do Sul, embora não seja oficialmente considerado Boxing Day, o dia 26 de dezembro é um feriado nacional, mas é referido na comunidade local de fala inglesa como o sendo. É comum dar-se início, naquela data, a uma partida de cricket contra um time visitante estrangeiro.
Embora a data festiva seja tradição há séculos, foi somente em 1871, durante o reinado da Rainha Vitória que o Boxing Day passou a ser, oficialmente, declarado feriado, permitindo e estimulando, desta forma, que membros de uma mesma família viajassem para se reencontrar, tradicionalmente, por ocasião do Natal. Muitas destas viagens de carroça ou carruagem levavam até um dia e meio, viajando noite a dentro, para chegarem a seus destinos. Em livros de autores britânicos existem novelas relatando acidentes, tombamentos, assaltos a mão armada, roubo das mercadorias, além de estupros e mortes. Muitas pessoas faziam o seu trajeto a cavalo, parando em estalagens somente para trocar seus cavalos e se alimentar 4.
Dia 26 de dezembro é também considerado “Dia de Santo Estêvão”. Este foi o primeiro mártir do cristianismo, tendo sido apedrejado até a morte por uma turba devido ao sucesso de suas pregações feitas com muito zelo em sua devoção a Cristo. “Os judeus chegando de improviso, arrebataram-no e o levaram à presença do Sinédrio onde apresentaram falsos testemunhos... No Ato dos Apóstolos, Cap. 7, como pretexto de sua autodefesa, aproveitou para iluminar as mentes de seus adversários, discorrendo sobre a história hebraica de Abraão até Salomão, demonstrando que Deus também se revelava fora do Templo e se propunha a revelar a doutrina universal de Jesus como última manifestação de Deus. Não o deixaram terminar, taparam seus ouvidos e arrastaram-no para fora da cidade e o apedrejaram”. Isto aconteceu alguns anos após a morte de Nosso Senhor. Nas igrejas inglesas da Idade Média era costume os párocos abrirem as caixas de esmolas no dia de Santo Estêvão para distribuição de seu conteúdo entre os pobres de suas paróquias. Em vida, este santo foi muito caridoso com os pobres e necessitados. Ele foi um dos sete ministros da caridade, chamados de diáconos da Igreja Cristã, ordenados pelos apóstolos para cuidarem das viúvas e dos pobres. Enquanto morria, rogava a Deus para que não punisse seus matadores. O encontro de suas relíquias no ano de 415 D.C. causou grande comoção entre os cristãos. Foi canonizado no ano de 1.081 e é o santo padroeiro da Hungria. É também considerado o santo protetor dos cavalos, donde o grande interesse em ter corridas equinas e caçadas nesta montaria, na data em epígrafe 5.
Na Irlanda não se festeja o Boxing Day, mas celebra-se a festa de Santo Estêvão no dia 26 de dezembro com um feriado nacional. Já foi tradição na Irlanda caçar-se uma corruíra ou outra ave da família dos trogloditídeos neste dia. Por esta razão, a festa chama-se também de Wren’s Day naquele país. Hoje em dia, por razões óbvias do movimento mundial de proteção à Natureza e meio ambiente, não se caçam mais corruíras na Irlanda, mesmo porque são considerados animais em extinção.
Outro costume mantido em muitas localidades é a ida de aprendizes às casas dos clientes de seus patrões portando uma caixinha de terracota dentro da qual é depositado o donativo solicitado. Em muitos lugares, esta caixa era adrede moldada no formato de um porquinho e recebia a alcunha de piggy bank não tendo chave ou abertura para retirar seu conteúdo. Ainda hoje em dia, os cofrinhos das crianças recebem, entre os britânicos, esta denominação, mesmo que não tenham formato de porco ou sejam de terracota. Quebrava-se o porquinho de barro para retirar o dinheiro.
Em regiões mais pobres, os carentes se agrupam para formar corais e, quando possível, tocam alguns instrumentos. Nas noites de Natal e de Santo Estêvão, fazem serestas diante dos portais e janelas do povo mais rico cantando músicas natalinas e a velha canção inglesa Good King Wenceslas. Trazem consigo sacolas e caixas para receberam roupas e víveres, além de contribuições em dinheiro.
Concluo, portanto, afirmando que a denominação deste feriado britânico nada tem a ver com o pugilismo e nem tampouco com a rebelião dos Boxers na China contra chineses cristãos e estrangeiros em meados de 1900, sufocada por forças internacionais. Menos ainda tem a ver com a minha raça canina predileta, o boxer!
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1 O feriado inexiste em nossa cultura e ao descrever o conteúdo deste trabalho para pessoas da família, em dezembro de 2004, surgiu o título no vernáculo.
2 Um resumo desta crônica foi apresentado em 20/01/05 na 174ª da Sobrames-SP no Bonde Paulista na Paulicéia e nas seguintes tertúlias literárias do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL:  11/11/06 – S. Caetano do Sul, 18/11/06 – Botucatu, 25/11/06 - Santos, 09/12/06 – Araçatuba e aos 07/02/07 em Sorocaba, vindo a ser o trabalho publicado em sua versão original na coletânea Roda Mundo-2007 (Antologia Internacional Roda Mundo 2007 /Org. Douglas Lara – Itu: Ottoni Editora, 2007, 395p., p.360-363.
3 A bandeira britânica Union Jack cuja denominação é tradicional e comumente utilizada, embora técnica e historicamente errada, é uma combinação das bandeiras da Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte. O primeiro esboço, criado para fins de navegação pelos oceanos, surgiu com a ascensão ao trono inglês de Jaime VI da Escócia, ao suceder a Rainha Elizabeth em 1603, utilizando-se a cruz vermelha de S. Jorge, num fundo branco, (inicialmente usada nas Cruzadas) e a cruz de Santo André, patrono secular da Escócia, em forma de cruz branca em X, como foi crucificado, num fundo azul. Somente em 1801, quando a Irlanda foi unificada à União, foi introduzida uma aspa vermelha (representando o sautor, instrumento de madeira em X usada para tortura) que ilustraria S. Patrício, missionário e patrono da Irlanda. (Fonte: Collins Gem – FLAGS. Glasgow: HarperCollins Publishers, 1995. p.236-237).
4 A Rainha Vitória (1819- 1901) reinou de 1837 a 1901
5 SGARBOSSA, M. e GIOVANNINI, L. – Um Santo Para Cada Dia. São Paulo: Paulus, 1996. p.415.
Notas finais do autor:
Sou grato ao meu irmão Walter Whitton Harris, ortopedista e sobramista de S. Paulo, por ter feito a revisão da língua portuguesa no texto originalmente apresentado em 2005 na Sobrames-SP. Ele está isento de qualquer responsabilidade tangente à presente reformulação.
Possuo uma relação de cerca de duas dúzias de sites de onde extraí dados para compor as informações aqui expostas. Se houver interesse, terei prazer em remetê-la.


William Moffitt Harris (mmclbilly@gmail.com)

POR: SEBASTIÃO DIÓGENES - O NEUROCIRURGIÃO



Dr. Sebastião Diógenes - Médico e Primeiro Tesoureiro da Sobrames-CE

                                                     O neurocirurgião
             Quando o meu irmão entrou no centro cirúrgico contava 17 anos de idade, efeito do grande hematoma subdural que lhe afetava o juízo. Assistiu-o um competente neurocirurgião da nova geração. Ele possui um ativo de 6 anos de residência no centro mais avançado em cirurgias neurológicas do mundo e 10 anos de experiência profissional no Instituto Dr. José Frota.
      Ao deixar o centro cirúrgico, o mano já se encontrava com a idade normal: 73 anos bem contados, especificando o dia, o mês, o ano e o local de nascimento. Sucesso absoluto!
         Durante o tempo que o neurocirurgião realizava a avaliação pós-operatória imediata, vi-o adolescente transitando na minha memória. Passei a relembrar algumas travessuras dele quando menino enquanto contemplava o grande médico que acabara de devolver a felicidade à nossa família. Louvado seja!
       Ele sempre foi muito inteligente e estudioso, embora chegado às reinações próprias da juventude. Fez sucesso quando cumpria o intercâmbio cultural nos Estados Unidos. Os pais americanos logo se apaixonaram pelo engenhoso estudante estrangeiro. Ele tem esse dom de cativar as pessoas. Na escola a adaptação foi muito fácil e logo se destacou nos estudos. Obtinha notas excelentes o que fascinava a mãe americana. Ela exultava de alegria e não se cansava de elogiá-lo. Com o braço em flexão e o punho brandindo em sugestão de vitória, ele exclamava:
            - I am “escroto”, Mum!
            - What does “escroto” mean, son?
       Ele explicava, à luz das suas conveniências, o significado da palavra. Não lhe continha, porém, o riso maroto. A mãe não era boba e se deliciava com a sua erudição. E quando dela recebia presentes ficava muito contente, agradecia com um efusivo abraço e exagerava nos elogios:
             - You are “foda”, Mum!
      E assim o tempo foi passando até o dia da formatura. Os pais viajaram de Fortaleza para participar da solenidade, fazia parte da tradição. E trazer o filho de volta, e era tempo. Os maravilhados pais americanos ofereceram um churrasco de despedida.
      - The barbecue is very good, Mrs Goodhill. Comentou o pai, que dominava bem o inglês.
            - I am “escroto”, Dr. Francisco!
       Percebeu-se traída pelo transporte e ficou meio encabulada. Pediu desculpas pelas intimidades, se poderia tratá-lo pelo primeiro nome. “Sure”, disse Dr. Francisco. A americana estava cheia de entusiasmo e curtiu pra valer o último dia com o filho, que não tivera dificuldades de amá-lo.
         Dr. Francisco logo compreendeu que o filho andara aprontando. Não pôde conter um risinho zombeteiro, no entanto, a sua mulher fechou a cara, não achou graça nenhuma. Por sorte, não havia outros brasileiros na festa.
         Ao se despedirem, a americana deu um forte e demorado abraço no filho e, ao mirar os pais com os olhos marejados, externou o mais genuíno sentimento de sua alma:
             - The little Francisco is “foda”!
            Ainda no táxi, no caminho do aeroporto, o filho se explicou e pediu desculpas pela brincadeira que praticara com a mãe americana. Foi uma maneira que encontrara para ouvir, no dia a dia, tais vocábulos e, assim, aliviar um pouco a saudade da linguagem da nossa gente.
           A estória terminaria aqui se no ano seguinte os americanos não viessem para a festa de aniversário do pequeno Francisco. Momentos antes da festa, com visível preocupação estampada na cara, “little” Francisco chamou a mãe a um canto e pediu- -lhe que não pronunciasse aquelas palavras. Explicou-lhe os feios significados e pediu desculpas pela brincadeira. Ela abraçou-o, beijou-o e disse que não se preocupasse, já conhecia o calão das referidas palavras. Claro estava que não iria pronunciá-las aqui no Brasil. Sem ele saber, havia recorrido ao dicionário logo que notara o seu jeito meio molequinho de ser. E se havia pronunciado tais palavras por ocasião do churrasco, porque queria fazer uma despedida bem alegre, descontraída, à maneira brasileira. E nestes termos encerrou-se a conversa sobre o vocabulário das obscenas frases de “little” Francisco:
                -  No problem, son! You are great!"
        Passados tantos anos, ainda hoje eles se encontram e se confraternizam: lá e cá, com o léxico das boas maneiras.
E o Neurocirurgião - com a inicial maiúscula, que o novo Acordo não leve em consideração a desobediência -, deve estar se perguntando o resignado leitor. Obrigado pela paciência de ter chegado até aqui, respondo-lhe com ciência. Trata-se de um trabalhador incansável, chega junto ao paciente e não o abandona nunca. Artífice do bisturi e do trépano: é um salvador de vidas. De quebra, é católico! Quer mais? Procure um santo!

Sebastião Diógenes. Em 31 de dezembro de 2013.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

POR: MARTINHO RODRIGUES - NADA DE NOVO

Dr. Martinho Rodrigues - Médico e Membro da Sobrames-CE





NADA DE NOVO

Desde sempre,
Na estalagem do coração,
Algumas pessoas
Apenas pernoitam.
Outras,
Por um período maior,
Encontram
Consentido acolhimento.
Mas existe quem,
Sorrateiramente,
Se instale
E como posseiro
Permaneça
Sem nos pedir permissão.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

POR: MARTINHO RODRIGUES - POR QUE, PAI?

Dr. Martinho Rodrigues - Médico e Membro da Sobrames-CE

POR QUE, Pai?

Por que permitis 
O desejo...
E a impossibilidade de
Satisfazê-lo?

Por que permitis
A distância
Insuperável que
Separa os homens?

Por que permitis
A ilusão
De que possamos
Existir
Além de um segundo?

Por que
Vos pergunto?
Porque eu, que nada sei,
Sinceramente não sei. 

domingo, 29 de dezembro de 2013

POR: HELDER MARTINS - CONTAR CLINICANDO

Contar Clinicando                             

Introdução
Dr. Aldino Muianga

Por: Aldino Muianga
Na generalidade o profissional de Saúde sempre acalentou o sonho de registar as suas experiências com os pacientes; porém, numa perspectiva que se situasse fora do território formal das unidades sanitárias. Aquelas experiências para-clínicas acumuladas seriam – e é assim que nós desejamos que elas sejam – o fio condutor da relação médico/paciente para o lado humano e social, porque cremos que, por detrás de cada história existe sempre outra história. E é nessas “outras histórias” onde muitas vezes achamos o bálsamo que no sub-consciente desanuvia os dramas do quotidiano, onde se desintrincam os novelos da psicologia dos pacientes e fazem-nos perceber quão complexa pode ser a natureza humana ou quanta grandeza se oculta numa palavra, ou ainda em gestos simples como aqueles que vão discorrer ao longo das narrativas nesta coluna.
Contar Clinicando constitui uma digressão ao “outro lado” dos enfermos, espaço onde ele ou ela se redescobre e reencontra, e onde o profissional de saúde reconquista a sua dimensão de ser social.
Assim sendo, vamos então contar clinicando.

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Contar Clinicando:
«Os bebés que dormem no ventre das mães…»                                                                                                                  
Dr. Helder Martins
                                                                                                                             Por: 
 Helder MARTINS


Publicado no informativo de dezembro/2013 da AMEAM (Associação dos Médicos Escritores e Artistas de Moçambique)

Esta publicação foi autorizada pelo autor, Prof. Helder Martins.


No longínquo ano de 1962, quando era ainda um jovem médico, fui trabalhar em Marrocos. Fui colocado no Hospital de Bou Izakarn, um Oásis no Sul de Marrocos, no Deserto do Saará, a 200Km da capital da Província de Agadir, que se situava junto da costa. Chegado a Agadir, pedi ao Médico Chefe Provincial para me autorizar a ficar no Hospital Provincial, algum tempo, para me familiarizar com o Sistema de Saúde marroquino e com os hábitos culturais da população. Era o meu primeiro contacto com um país, com o Islão como religião de Estado, o que condicionava muito a cultura das populações e as suas percepções sobre a Saúde e a Doença. O Médico Chefe Provincial concordou e acabei por ficar um mês.
Agadir era uma cidade que, 2 anos e meio antes, tinha sido devastada por um terrível terramoto. Só cerca de 25% da população sobreviveu. Quase todas as famílias tinham sido afectadas.
Aproveito fazer um parêntesis para contar uma estória verídica que ocorreu durante o terramoto. Este aconteceu pouco depois da meia-noite, duma noite de lua cheia. Um dos edifícios mais afectados, situado mesmo no epicentro do terramoto, foi um hotel de 12 andares situado perto da praia, que estava cheio. Ruiu completamente, como um castelo de cartas, e todos os ocupantes (em grande parte turistas) faleceram. Entre os hóspedes do hotel havia um jovem casal de franceses, recém-casados, que passavam a lua-de-mel. Estava uma noite quente e como já indiquei de lua cheia. Um pouco antes da meia-noite, a recém-casada achou que seria muito romântico e idílico ter relações sexuais na praia, dentro de água. O marido preferia o conforto da cama, mas ela insistiu no seu desejo e ele gentilmente acedeu. Foram os únicos sobreviventes do hotel. No meio do seu delírio sexual assistiram ao hotel a desmoronar-se. O noivo achou que daí em diante devia ceder a todos os caprichos da esposa. Não era caso para menos...!
Voltando à minha narrativa: Logo no primeiro dia, no Hospital de Agadir dou com uma médica portuguesa minha amiga dos tempos de Faculdade, muito embora ela estivesse uns anos à minha frente. Foi uma grande alegria. Ela era a Ginecologista do Hospital e foi com ela que comecei a trabalhar. Ela deu-me as primeiras orientações e foi uma ajuda extraordinária, para me fazer penetrar nos meandros daquela cultura e daquele modo de vida.
Antes de iniciar a consulta, a minha amiga explicou-me uma crença existente naquela população, de que, durante a gravidez, os fetos podiam «adormecer no ventre das mães e voltar a acordar mais tarde». As causas desse adormecimento e posterior acordar estavam em relação com acontecimentos mais ou menos felizes ou infelizes da vida do casal.
Uns meses mais tarde, comecei a ler o Corão e percebi donde vinha essa crença. Na realidade o Corão é um tratado de Direito. Maomé, o Profeta, ia fazendo justiça, à medida que os casos lhe eram apresentados e o Corão contém toda essa jurisprudência. Uma vez, confrontado com um caso complicado, de heranças de uma criança nascida muito tempo depois do alegado pai ter morrido, Maomé, para evitar confusões, declarou que a gravidez durava normalmente 9 meses, mas excepcionalmente, podia durar mais, até 5 anos. Daí esta crença dos «bebés que dormem nos ventres das mães». O certo é que essa crença resolve a vida de muita gente.
Quando a minha amiga começou a consulta, a primeira cliente era uma viúva, com uma gravidez de 4 meses, que dizia estar grávida do marido, falecido no terramoto, 2 anos e meio antes. Com o desgosto da morte do pai, o feto teria ficado a dormir e agora acordara de novo. Ela só não sabia porquê.

A minha amiga explicou-lhe que, ela podia dar aquela explicação a quem quisesse, mas nós médicos sabíamos que ela tinha tido relações sexuais, 4 meses atrás e, de certeza, não tinha sido com o defunto marido. Mas não serviu de nada. Ela continuou a jurar a pés juntos, que nunca tinha conhecido outro homem, senão o defunto marido. 
Durante a minha actividade clínica de um ano em Marrocos e mais tarde de 2 anos na Argélia, tive que fazer face a vários casos de «bebés que dormem no ventre das mães». Essa crença arranjava sempre a vida de alguém!

sábado, 28 de dezembro de 2013

POR: VICENTE ALENCAR - IMUTÁVEL



Vicente Alencar - Jornalista e Diretor de Cultura e Divulgação da Sobrames-CE

IMUTÁVEL


O tempo passou
mas o sol continua a brilhar
O luar é sempre belo
e a tua luz
é sempre a mesma.
Um grande amor
permanece em meu coração,
imutável,
plenamente sensivel
dedicado a você.

sábado, 21 de dezembro de 2013

POR: MARTINHO RODRIGUES - NO MEU JARDIM

Dr. Martinho Rodrigues - Médico e Membro da Sobrames-CE


 NO MEU JARDIM

A lua-cheia
ancorou no meu jardim.
Ela todos os meses faz assim,
só pra machucar meu coração.

Logo a mim,
que nem sei tocar violão...
Apenas canto, mas não canto ruim.

Cantei melhor, tempos atrás...
Tempos atrás, eu era melhor em tudo.
Talvez, não. Hoje sou melhor como pessoa.
O tempo desgasta o corpo, mas a alma aperfeiçoa.