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Dr. Marcelo Gurgel - Médico e Membro da Sobrames-CE |
* Publicado In: Boletim Informativo da
Sociedade Médica São Lucas, 9(74): 4, setembro de 2013.
Texto lido na reunião da Sobrames-CE, dia 11 de novembro de 2013.
SANTA MARIA GORETTI: mártir da castidade
Recordo bem, quando ainda criança de tenra idade, nos anos cinquenta, eu
apreciava ver uma grande imagem disposta em um nicho no terço medial, à
direita, da nave da pequena Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes, em
Jacarecanga, defronte à Escola de Aprendizes Marinheiros, em Fortaleza.
A imagem reproduzia uma bela jovem, de tez alva e rosto angelical, de
longos cabelos pretos ondulados, trajando um simples vestido azul celeste, com alguns
detalhes brancos. Ela segurava, à altura do seu peito esquerdo, um ramalhete de
lírios, indicativos de suas pureza e castidade.
Era Santa Maria Goretti, cujo nome, tal como Maria de Fátima, servira de
motivação para batizar tantas meninas nascidas na capital cearense, na década
de 1950. Eram muitas as famílias locais que possuíam uma garota que atendia
pelo prenome Maria Goretti, embora apenas fossem chamadas de Goretti.
Nos primeiros anos da década seguinte, por eu ter duas irmãs, Marta e
Márcia, estudando no Ginásio Santa Maria Goretti, uma escola confessional, a
história dessa santa passou a ser mais comentada em nossa família. Ela era uma
adolescente que, por resistir ao assédio sexual de um rapaz, foi barbaramente
assassinada, a facadas, por ele, e, mesmo assim, ainda o perdoou; também me
diziam que o homicida se arrependera do crime cometido e tornara-se um frade
franciscano, que era o jardineiro do convento, mas não podia celebrar missa.
Maria Resa Goretti nasceu em Corinaldo, Província de Ancona, na Itália,
em 16 de outubro de 1890. Seus pais, Luigi Goretti e Assunta Carlini, como bons
cristãos confiavam na Providência do Pai celestial. Eles eram camponeses
empobrecidos, que foram forçados a deixar sua fazenda e trabalhar para outros
fazendeiros, tendo que se mudarem para Le Ferriere, em Lazio, onde passaram a viver
em prédio compartilhado com a família Serenelli; a condição financeira da
família viria a se agravar com a morte prematura do genitor, quando Goretti
tinha apenas nove anos de idade, ficando seis filhos na orfandade.
Na tarde de 5 de julho de 1902, Alessandro Serenelli, um moço de 20 anos
de idade, agindo premeditadamente, e aproveitando a situação de que Assunta
Carlini estava arando a terra, tentou estuprar Maria Goretti, que rechaçou as
violentas investidas do seu agressor, protestando que seria um pecado mortal o
cometimento de um ato libidinoso tão execrável, sob o ponto de vista religioso
e moral. Refere o Processo Canônico para sua beatificação que Maria Goretti,
aquela frágil menina de doze anos incompletos, ainda encontrou forças, para
lutar, a fim de preservar o tesouro mais querido de sua vida.
Tomado de ódio, por não lograr o seu intento, Alessandro Serenelli
desferiu-lhe quatorze golpes de uma arma branca, fugindo, em seguida, crente de
que Maria Goretti estava morta. Ela conseguiu pedir socorro, sendo acudida por
vizinhos e pela própria mãe, que a levaram para o Hospital dos Irmãos de São
João de Deus, em Netuno, onde foi submetida a uma laparotomia, sem qualquer
anestesia.
Apesar da gravidade dos ferimentos, Maria Goretti deu provas cabais de
sua santidade, perdoando o seu assassino, conclamando-o ao arrependimento, para
que ele estivesse junto dela na eterna glória. Ela sofreu horrivelmente, porém nenhuma queixa partiu de seus lábios. Na
noite do seu calvário, Maria recebeu no pescoço o Medalhão, com uma fita azul,
da Congregação das Filhas de Maria. Então, Maria beijou a imagem da Virgem
Santíssima e rezou usando as palavras que Catarina Labouré falou à Nossa
Senhora: “Oh! Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a
vós”.
Na manhã seguinte, domingo, 6 de
julho de 1902, Maria recebeu a Sagrada Comunhão. Em sua agonia, revelou a sua
conformação, afirmando que em breve encontraria a Deus, face a face. À tarde,
Maria olhou carinhosamente para a imagem da Virgem Santíssima na parede de seu
quarto, e sussurrou para Assunta, posicionada ao lado da cabeceira do seu leito
de morte: “A Mãe Santíssima está esperando por mim”. Às 15h45min, Maria
Goretti morre enquanto beija uma cruz.
Após sua morte, uma enorme
manifestação pública acontece; o seu sepultamento não foi um funeral,
mas, sim, um verdadeiro triunfo! Seus restos mortais repousam, desde 1926, no
belo mausoléu de Zaccagnini, erigido para ela no Santuário de Nossa Senhora das
Graças, em Netuno.
Alessandro Serenelli, sob proteção policial, escapou do linchamento por
populares, revoltados à conta do odioso crime perpetrado, e foi levado a
julgamento, recebendo a condenação à prisão perpétua, comutada a trinta anos de
prisão, por ser menor de idade, ao tempo do crime. Durante a prisão, ele
declarou ter tido uma visão da mártir, oferecendo-lhe lírio, que, ao recebê-lo,
se transmutou em chamas cintilantes,
fato que culminou em sua conversão. Em 1936, tendo passado trinta anos
encarcerado, Alessandro Serenelli
ingressou em um convento capuchinho, no qual viveu o resto de seus dias, como
frade contemplativo, em vida santa e penitente, vindo a falecer em 1970.
Em 27 de abril de 1947, o Papa Pio XII beatificou Maria Goretti, virgem e mártir, na Basílica de São
Pedro, em Roma, em cerimônia assistida pela mãe e três dos irmãos de Maria e de pessoas de toda parte do mundo vieram render-lhe
homenagem.
Em 24 de junho de 1950, Maria
Goretti foi canonizada pelo Papa Pio XII, na presença de sua mãe e irmãos, e,
inclusive, de Alessandro Serenelli. Para a sua canonização quarenta milagres
foram atribuídos à sua intercessão. A canonização foi realizada na Praça
São Pedro, em frente à Basílica de São
Pedro. Uma multidão de meio milhão pessoas presenciou à celebração, na sua
maioria jovens, vindos de vários países do mundo.
Maria Goretti é padroeira das
adolescentes, da castidade e das “Filhas de Maria”. Ela pode servir
de exemplo à juventude hodierna, em uma época de decadência moral, como o ideal
de pureza e integridade espiritual.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Integrante da Sociedade
Médica São Lucas