Dr. Edgard Steffen - médico e escritor |
Mais médicos para esvaziar as ruas
Não adianta acenar com dez ou trinta mil reais, por mês. A comunidade precisará oferecer um mínimo de condições socio-culturais para atrair profissionais de nível universitário
Ou, "Pour épater le bourgeois" (Para maravilhar o burguês)
A expressão, na verdade, quer dizer "tapear" o cidadão.
* Edgard Steffen
No primeiro movimento da geração internética, o povo saiu às ruas para protestar contra o aumento das passagens de ônibus. Alguns cartazes diziam "Não é só pelos 20 centavos". Estavam certos. O protesto era pela falta de retorno consubstanciado em saúde, educação, segurança, justiça daquilo que se paga em taxas e impostos. Era revolta contra a corrupção que, no Legislativo, emperra projetos de interesse nacional com a mesma determinação com que rapidamente aprova benesses e aumentos dos próprios salários.
Num país totalitário, a resposta seria a prisão dos líderes e repressão violenta escamoteada pela cumplicidade dos pravdas, granmas e da mídia chapa branca. Por incrível que pareça, ainda existe gente que clama por regime forte, sem a presença de congressistas multipartidários. Para nossa sorte, a era das ditaduras ocidentais passou. Mas a democracia liberal corre sérios riscos enquanto aspirações maiores do povo não forem atendidas. Periclita enquanto elegermos políticos, não por suas ideias e confissões político-partidárias, mas pelo trabalho de marqueteiros bem (muito bem, por sinal) remunerados, a nos impingirem governantes e legisladores como quem vende sabonetes e margarinas.
Na reunião com prefeitos de todo País, Dilma saiu-se com esta: "Vocês estão cansados de saber que não existem milagres!". Não é preciso queimar neurônios para sentir que nossa vaiada presidenta tinha razão. Governa-se com o possível, esquecidas as campanhas onde se promete o impossível.
O SUS pressupõe base de atenção primária onde um médico generalista, bem preparado e atencioso, cuide desde recém-nascidos até avós de provecta idade. Resolveria, sem grandes necessidades de exames subsidiários, 80% dos casos. Os 20% restantes ele os encaminharia aos especialistas ou/e hospitais mais próximos da sede de trabalho. Acontece que generalistas são escassos em nossa realidade. Nossas escolas médicas privilegiam a medicina especializada e de alta tecnologia. Em grande parte delas o alunato encara os seis anos como simples preparação para a residência. Chegam a fazer "cursinho" para passar nos exames de residência.
O governo acena com acréscimo de dois anos ao curso de Medicina. Esse acréscimo obrigaria o estudante a cumprir estágio remunerado no SUS.
Nasci e passei minha infância numa cidade pequena teria cerca de dez mil habitantes que nunca teve carências em assistência médica. Fazendeiro benemérito doou recursos para construção de belíssimo hospital dotado de duas salas de cirurgia, aparelho de raios-x, laboratório de análises, clausura para freiras e casa moderna e confortável para o médico diretor clínico. Nenhum incentivo oficial foi necessário para, desde os anos 30, fixar médicos no município.
Não é o que acontece por esses rincões do Brasil. Não adianta acenar com dez ou trinta mil reais, por mês. A comunidade precisará oferecer um mínimo de condições socio-culturais para atrair profissionais de nível universitário. Importar médicos é a solução? Difícil acreditar. Propostas jogadas no afogadilho do clamor das ruas assim como o impossível plebiscito parecem mais factoides "pour épater le bourgeois".
* Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço - edgard.steffen@gmail.com
Notícia
publicada na edição de 13/07/13 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2
do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado
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