Dra. Celina Côrte - Médica e Presidente da Sobrames-CE |
RUBEM ALVES
— Escolha um autor ou autora..POR.
Esta foi a frase que ouvi ao
telefone. A princesa dos poetas do Ceará, Giselda Medeiros, fez o pedido e não fosse
pela honra do convite, teria negado no mesmo momento. Afinal, minha vocação
para a história se desrevelou em
muito tenra idade. Gosto mesmo é de
inventar, deixar a imaginação à solta. Alguém poderia até me chamar de mendaz.
Não aceito a pecha... Escritores não mentem. Apenas criam e imaginam o
inimaginável... Nada de dizer o que todo mundo já sabe... É só pura criatividade
que se transforma em nossa verdade. Se nascida há mais de 500 anos, até
houvesse sido um arremedo bem distante do português Pero Vaz de Caminha,
escriba responsável pelo relato da chegada das caravelas ao Brasil,
capitaneadas por Cabral. A carta dirigida a D. Manuel I é de admirável leveza
literária. Não havia insetos ávidos pelas novas carnes, as índias eram
graciosas e superiores às portuguesas deixadas além-mar e os índios bem
dispostos ao aculturamento. Descreve a aproximação das novas terras com tal
delicadeza que nos leva a imaginar que o Paraíso a que se referem as Escrituras
era aqui... De José de Alencar, nem se fala. Ele se superou na imaginação e há
quem ainda acredite que a índia Iracema, paixão de Martim Soares Moreno, saía
correndo de Messejana para se banhar na bica do Ipu. Apesar desta maratona, um
contínuo vai e vem, mantinha-se perfumada e com o adorável hálito rescendendo à
baunilha. Coisas da mente!
Fiz
umas duas ou três escolhas e fui contemplada com o querido Rubem Alves,
psicanalista, educador, teólogo e escritor brasileiro de uma doce sabedoria.
Sua maneira de conversar com o leitor transpira tanta bondade e ternura, que me
conquistou logo no primeiro livro recebido como presente amigo do casal de psicanalistas, Gilberto
e Sonia. Sua criatividade me impulsionou à leitura de outros tantos volumes.
Eclético, publicou muitos livros abordando temas diversos, religiosos,
educacionais, existenciais, além dos infantis. Boa parte de sua obra foi traduzida
para outros idiomas, como inglês, francês, italiano, espanhol, alemão e romeno.
Este bom velhinho, que parece ter
surgido assim para o mundo, nasceu em Boa Esperança (uma previsão de futuro?),
em Minas Gerais, no dia 15 de setembro de 1933, quando a primavera se preparava
para dar o ar puro de sua graça multicolorida em flores e os ipês, de que tanto
ele gostava, vestiam-se de amarelo. É considerado um dos maiores pedagogos
brasileiros em todos os tempos, um intelectual abrangente. Colecionou vários
títulos acadêmicos, entre eles: Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do
Sul, em Campinas; Mestre em Teologia; Doutor em Filosofia (PhD)
pelo Seminário Teológico de Princeton (EUA). Lecionou no Instituto Presbiteriano Gammon, na cidade de Lavras-MG, no
Seminário Presbiteriano de Campinas-SP, na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Rio Claro-SP e na Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), onde recebeu o título de Professor Emérito em 1996 e foi responsável pela criação
de vários grupos de pesquisa. Não bastando tudo isso, ainda mantinha uma paixão
pela gastronomia, o que o levou a abrir um restaurante em Campinas, após sua
aposentadoria.
Em
2003, recebeu o prêmio PNBE – o Educador que queremos. Contemplado com o 2º
lugar na categoria Contos e Crônicas, recebeu o Prêmio Jabuti em 2009. Em 2012, foi agraciado com a Menção Honrosa e Excelência, publicação de
religião Transparencies of Eternity –
Eric Hoffer Award.
É
considerado um dos fundadores da Teologia da Libertação, uma corrente que
nasceu simultaneamente no seio da Igreja Católica e em algumas igrejas protestantes.
A participação neste movimento de renovação teológica acarretou-lhe graves
problemas em sua relação com o protestantismo ortodoxo, sobretudo o
presbiteriano. Em face da não aceitação das convicções tradicionais, foi
obrigado a abandonar o pastorado e proibido de falar nos púlpitos da Igreja
Presbiteriana do Brasil. Apesar dessa proibição, foi convidado a falar na Igreja
Presbiteriana de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 31 de outubro de 2003, por
ocasião das comemorações relativas à Reforma Protestante. Isto demonstra que
ideias grandiosas conquistam e permanecem, mesmo contrariando interesses, por
vezes, escusos. A altura de Rubem Alves, bem como a de todas as pessoas, deve
ser avaliada da mente para cima, através dos pensamentos, atitudes e
realizações.
Em setembro de 2012, o escritor e
educador Rubem Alves, em conjunto com sua família, criou o Instituto Rubem
Alves, em Campinas, uma associação aberta, sem
fins econômicos e de interesse público, destinada a promover a inserção social
através da educação, com programas inovadores e alternativos, em parceria com
entidades públicas e empresas privadas.
Com sua missão cumprida, o escritor Rubem Alves partiu para
outra dimensão no inverno de 2014, em Campinas-SP, no dia 19 de julho. O tempo de sua transmutação chegou, conforme ele mesmo escreveu um dia: A alma é uma borboleta...
Há um instante em que uma voz nos diz que chegou o momento da grande metamorfose... Os ipês estavam descoloridos, com seus
galhos secos, sem flores. O frio que se abateu sobre a cidade deve ter sido mais
intenso naquele dia e foi capaz de atingir o coração de milhões de fãs
distribuídos por todo este nosso grandioso país e pelo mundo. Eu senti daqui e
lamentei. Mas, por que prantear a ausência corpórea se seu pensamento permanece
imortalizado entre nós? O inquieto e criativo Rubem Alves deve estar por aí,
voando pelos céus, em uma área nobre reservada para pensadores, poetas,
filósofos, conforme nos ensinou: Quem é rico em sonhos não envelhece nunca.
Pode até ser que morra de repente. Mas morrerá em pleno voo...
Sentiremos saudade do sábio Rubem
Alves que nos deu uma lição de vida ao afirmar: Aprenda a gostar, mas gostar mesmo, das coisas que deve fazer e
das pessoas que o cercam. Em pouco tempo, descobrirá que a vida é muito boa e
que você é uma pessoa querida por todos. Talvez como nós, ele também
sinta saudade da vida que tão habilmente construiu e daqui plagiamos sua
própria definição: A saudade é a nossa
alma dizendo para onde ela quer voltar. Um dia, voltará sob nova roupagem...